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6. RELAÇÃO DO DOCENTE COM O ENSINAR: A PAIXÃO DE ENSINAR E DE

6.2 SER PROFESSOR APESAR DE: UMA IDENTIDADE EM CONTRADIÇÃO

6.2.2 Cansado(a) de remar contra a maré

Numa escala gradativa, que inicia na certeza, perpassa na dúvida e finaliza na negação, as narrativas expressam discursos de preferência ou não pela docência. Por certo, os nãos emitidos retratam um cenário de desilusões com seu ofício, que merece ser refletido e compreendido, principalmente pelos gestores educacionais. Ou seja, por que 19 professores de Língua Portuguesa não optariam novamente por essa profissão? Quais são as principais causas que os deixam desencantados com a docência?

Algumas respostas para essas questões podem ser interpretadas nas falas que seguem:

Não, pois apesar de ser apaixonada por português e literatura, é uma profissão sem valorização. O conhecimento não proporciona “crescimento na profissão”. (Regina)

Apesar de amar ser professora, hoje eu escolheria uma vida profissional diferente. Motivos: além da baixa remuneração, o desprestígio da profissão perante a sociedade. (Júlia)

A realidade de sala de aula, as dificuldades que enfrentamos diariamente só são conhecidas na prática. Isso me faz refletir constantemente sobre a escolha da profissão. Amo ensinar, mas cada dia parece mais difícil. (Cilene)

A desvalorização, que inclui, entre tantos fatores, a falta de investimento na educação, a baixa remuneração, o pouco apoio e incentivo da sociedade são alguns dos motivos mencionados pelos docentes que não corroboram a escolha da profissão no contexto atual.

Parece haver um sentimento de tristeza nas narrativas relatadas, que encontra contradição quando os docentes manifestam que, apesar de amarem e serem apaixonados pelo ensino de Língua Portuguesa, não seriam mais professores. Interessante observar que, apesar de as dificuldades no cenário educacional serem significativas, o amor pelo ensino ainda se mantém vivo. Dito de outro modo, o descontentamento do professor é percebido nas relações de pouco reconhecimento, valorização, e não no prazer de ensinar esse componente curricular. Essas percepções encontram respaldo em Freire (1993), ao afirmar que o “(...) desgaste do professor e a resistência dos alunos fazem com que muitos professores se perguntem por que estão na educação.” (FREIRE, 1993, p. 67)

Não. Porque é complicado lidar com adolescentes que não querem estar na escola. (Roberta)

Não. Pouco reconhecimento recebido, com muitas exceções por parte de alunos. (Karina)

Dificuldades básicas que os alunos trazem e muita carga horária com turmas repletas para corrigir e receber o mesmo de outras disciplinas, que não precisam fazer a metade do trabalho. (Fábio)

Não. Primeiramente estou gostando mais de trabalhar com os anos iniciais (crianças). Em segundo lugar, tenho receio de que a situação trabalhista do professor possa piorar. (Marlene)

Não, pela falta de valorização dos profissionais da educação. (Ângela)

Outro fator apontado diz respeito ao desencantamento do aluno pela escola e pelo pouco desejo de aprender. Esses motivos acabam desmotivando o profissional na escolha da docência.

A narrativa a seguir, mais especificamente a da professora Nilce, retrata sua percepção de que os estudantes conferem sentido negativo ao componente de Língua Portuguesa e, em decorrência, esse sentido é atribuído aos respectivos professores. Considerando esse discurso, indago-me: Será que os alunos atribuem sentido negativo ao ensino e à aprendizagem de Língua Portuguesa, conforme depoimento dos docentes? Por que isso acontece? E ainda, qual a

relação estabelecida pelo aluno entre o saber curricular e o respectivo professor que o ministra?

Se entendo que o processo de aprendizagem pode ser concebido, segundo Charlot (2000), a partir das figuras do aprender, nas quais o saber pode ser compreendido nas relações epistêmica, identitária e social. Por conseguinte, a relação epistêmica com o saber no cotidiano escolar de Língua Portuguesa vincula-se as relações de histórias de vida, bem como de afetividade entre docente e discente.

Observo, ainda, o esforço da professora para encantar e seduzir seus estudantes à aprendizagem. O que precisa ser esclarecido neste tópico é a importância de o professor desafiar, enfim, oportunizar estratégias que coloquem o aluno em situações problematizadoras de aprendizagem. No entanto, é imprescindível deixar claro que a mobilização para a aprendizagem parte do sujeito que aprende, ou seja, o aluno precisa ter o desejo de exercer uma atividade intelectual. Caso contrário, todo envolvimento do professor para atrair e encantar o aluno torna-se em vão.

Não. Porque os discentes atribuem valor negativo ao componente curricular e, consequentemente, a nós professores também. É preciso sempre encantá-los com algum aspecto da Língua para atrai-los. (Nilce)

Certamente não escolheria, porque não percebo mais nos alunos o desejo de aprender. (Margarete)

Além dos argumentos já explicitados que justificam o não desejo de opção pela docência, identifico o significativo valor atribuído às questões burocráticas que permeiam o cotidiano escolar, as quais acabam reduzindo o tempo para o planejamento de sala de aula.

Não. Repensaria tal escolha por conta das dificuldades presentes no exercício da profissão em função do próprio sistema no qual está inserida, voltando-se mais à burocracia do que necessariamente ao trabalho realizado em sala de aula, na nossa área de conhecimento. (Débora)

Não. Pela burocratização em que se tornou a prática do magistério. Preenchimento de planilhas e questões apenas técnicas (papéis) onde nosso tempo para pensar as aulas ficou sufocado. (Jaqueline)

Não. Percebo que fazemos mais serviços burocráticos e dedicamos menos tempo ao planejamento. (Loeci)

A partir das interpretações percebidas nas narrativas dos locutores empíricos, chama-me a atenção, ainda, a preferência de alguns professores em permanecerem na docência, mas no ensino de outros componentes curriculares, por exemplo, de Educação Física, muito provavelmente, em virtude da demanda de trabalho existente para o professor de Língua Portuguesa. Neste sentido, as percepções atribuídas à narrativa de Ricardo refletem um certo sentimento de “injustiça” na docência desse componente curricular, que tem como uma das atribuições a revisão de redações.

Talvez o que possa ser interpretado nos discursos que consideram a sobrecarga para o ensino de Língua Portuguesa possa ser compreendido a partir das cobranças de avaliações, sejam externas, como Prova Brasil, Saeb; ou interna, na própria escola, que medem o desempenho nas alunos por meio de compreensão leitora e de produção textual.

Assim, essa cobrança, muitas vezes, percebida como autocobrança do docente em prol da aprendizagem do aluno, coloca o professor numa situação de afastamento pelo ensino da língua materna.

Eu amo o que faço, porém estou cansada de remar contra a maré. Se eu pudesse faria Educação Física, a pesar de, como já disse, amar o que faço. (Francine)

Não. Escolheria ser profe de Educação Física. (Maristela)

Não. Dá muito trabalho. As redações são a parte mais difícil, apesar de eu amar ensinar. (Lorena)

Não. Pouco reconhecimento recebido, com muitas exceções por parte de alunos. Dificuldades básicas que os alunos trazem e muita carga horária com turmas repletas para corrigir e receber o mesmo de outras disciplinas, que não precisam fazer a metade do trabalho. (Ricardo)

Se nas narrativas anteriores, ainda restava um interesse pela docência, mesmo que pelo ensino de outros componentes curriculares, há os que expressam claramente o desejo por outras profissões, tais como psicologia, agricultura de orgânicos, decoração. Provavelmente, são relações que os docentes estabeleceram com o saber no percurso de suas trajetórias de vida, na docência, na atuação com os alunos.

Não, pois me identifiquei mais com a Orientação Educacional. Hoje eu faria Psicologia. (Luísa)

Não. Se eu pudesse escolher minha profissão, desejaria ser agricultora de orgânicos. (Raquel)

Devido à demanda grande de Língua Portuguesa trabalharia só meio turno para poder realizar o trabalho de forma mais completa, e nas outras 20 horas, trabalharia na área de decoração. (Juliana)

Refletir sobre a trajetória docente e fazer um balanço pela escolha ou não da profissão nos dias atuais são fatores impulsionadores para a constituição da identidade de professores, tendo em vista suas experiências, os sabores e dissabores vivenciados no cotidiano escolar, bem como suas escolhas pessoais e profissionais, de modo a compreender o docente como um sujeito de saber que se relaciona consigo, com os outros e com o mundo.

Nesse sentido, à medida que me filio à perspectiva da relação com o saber, mais desenvolvo a observação e a sensibilidade de olhar para o cotidiano escolar, mais especificamente, nesta investigação, para o cotidiano docente, e, assim, investigar e produzir conhecimentos que fundamentam com criticidade minhas leituras sobre a realidade. Desse modo, a partir das análises discursivas docentes, elaboro alguns pressupostos que considero como dimensões do ensinar.