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Ao eleger as narrativas docentes como fonte de pesquisa, escolhi o método de análise textual discursiva, fundamentado em Moraes e Galiazzi (2007), na intenção de interpretar o processo da relação do docente com o saber, buscando entender os sentidos atribuídos aos referenciais curriculares e aos seus deslocamentos para o ensinar e para as práticas de sala de aula.

A análise textual discursiva é definida como um processo de compreensão e reconstrução de significados, de análise e síntese, e pressupõe um engajamento intenso do pesquisador na prática de análise repleta de incertezas, angústias, percepções, sentimentos. É um caminho investigativo aberto a desvios e surpresas que se delineiam no percurso do processo, com interlocuções empíricas e teóricas, portanto, em sintonia com os pressupostos que tomam o cotidiano como alavanca para o conhecimento.

Na análise textual discursiva, movimentos de ida e vida ao material empírico são essenciais para a efetiva impregnação do pesquisador na decisão de escolhas, na compreensão das condições emergentes e nas ressignificações de elementos considerados já construídos. Consoante Moraes e Galiazzi (2007),

Análise Textual Discursiva é um processo integrado de análise e de síntese que se propõe a fazer uma leitura rigorosa e aprofundada de conjunto de materiais textuais, como objetivo de descrevê-los e interpretá-los no sentido de atingir uma compreensão mais complexa dos fenômenos e dos discursos a partir dos quais foram produzidos. (MORAES, GALIAZZI, 2007, p. 136).

Essa perspectiva metodológica apresenta quatro fases de desenvolvimento, intituladas: unitarização; categorização; captação do novo emergente; e processo de auto-organização, as quais se encontram fundamentadas e articuladas aos processos desenvolvidos nesta pesquisa.

A unitarização representa a desmontagem do texto, aos processos de fragmentação e atribuição de sentido às unidades. Segundo Moraes e Galiazzi (2007, p. 136), analisar “(...) significa dividir, separar.”, sem desconsiderar a relação com o todo discursivo. E isso se faz a partir de uma leitura rigorosa.

Assim, impregnada na leitura do material empírico, delimitei o corpus da pesquisa e iniciei a desconstrução do texto em unidades de análise. Desse ato de fragmentação, originaram-se unidades de sentido, que, após muitas lapidações, por meio de sinalizações coloridas, foram nomeadas de acordo com seu enfoque semântico, dando uma certa performance ao fenômeno investigado. Com a intenção de preservar a identidade dos professores participantes da pesquisa, foram utilizados codinomes para referi-los. A imagem retrata os primeiros movimentos de contato com o material.

Figura 21 - Exemplo de prática de “unitarização”

Fonte: elaborada pela autora

Na sequência, as unidades de sentido foram analisadas, ordenadas e categorizadas, considerando suas características e agrupamentos semelhantes, suas complexidades e amplitudes, bem como as escolhas do pesquisador, que

elege algumas em detrimento de outras, a partir de suas subjetividades, fundamentações teóricas, empíricas, entre outras. “A categorização corresponde a um processo de classificação das unidades de análise produzidas a partir do corpus.” (MORAES; GALIAZZI, 2007, p. 138, grifo dos autores).

Figura 22 - Exemplo de classificação das unidades de análise

Fonte: elaborada pela autora

Quanto à captação de categorias, nesta pesquisa, destaco que trabalhei com categorias a priori e emergentes. A primeira, de modo abrangente, foi definida previamente à análise, quando delimitei, a relação do docente com os referenciais curriculares. Já a segunda manifestou-se a partir de minha impregnação às narrativas e das múltiplas vozes tecidas e representadas nos discursos que foram se constituindo no percurso interpretativo. Do processo de categorização, originaram-se seis temáticas gerais, das quais emergiram categorias, conforme representadas no quadro.

Quadro 7 - Temáticas e categorias emergentes

Temática Categorias

1.Professor e educação: um coração que pulsa

1. coração que bate pela aprendizagem

2. coração que bate pela transformação de si, do outro e do mundo

3. coração que bate pelo reconhecimento 4. coração que bate por estar com pessoas

2. Docente e educação: um coração com medo

1. Medo da desvalorização: a frustração de pensar que está lutando sozinho

2. Medo do “não dá nada”: o desencantamento do estudante pela aprendizagem

3. Medo de uma sociedade anestesiada: o professor visto como inimigo

4. Medo da burocracia pedagógica: qual o seu sentido para a educação?

3. Relação do docente com o ensinar: a paixão de ensinar e de aprender

1. Ensinar Língua Portuguesa: a arte de modelar palavras 2. Ser professor apesar de: uma identidade em contradição

3. Dúvidas e incertezas na opção pela docência 4. Cansado(a) de remar contra a maré

5. Dimensões da relação do docente com o ensinar

4. Relação do professor com a formação continuada

1. Aproximações e distanciamentos da formação continuada com a prática de sala de aula

2. Formação de professores e a relação com o currículo

5. Relação do docente com os Referenciais Curriculares: das possibilidades aos desafios

1. Referencial curricular: um guia orientador de saberes 2. Do professor reflexivo à autonomia no uso do referencial

curricular

3. Referencial curricular e a transformação didática de conteúdo

4. Professor: autor ou leitor do referencial curricular? 5. Ensinar é ir além de um referencial curricular

6. Afinando vozes e ressignificando narrativas

1. Ensino de Língua Portuguesa na contemporaneidade: o sentido está naquilo que faz “brilhar o olho”

Fonte: elaborado pela autora

Nessa perspectiva, o processo de análise minuciosa e descritiva do material empírico constitui uma ação reflexiva em que a interpretação, a categorização, a teorização e o registro escrito compõem o sentido do discurso, dando origem a metatextos. No entendimento de Moraes e Galiazzi (2007, p. 133), metatexto é um modo de organização que confere validade aos resultados analisados, uma vez que concepções teórico-metodológicas são interpretadas e evocadas à luz da pesquisa.

Por sua vez, entendo que o processo de intepretação é um ato complexo de leitura que envolve inter-relação com conhecimentos que vão além dos estabelecidos descritivamente, uma vez que pressupõe intersubjetividades dos enunciadores do discurso (quem o produziu e quem o lê). Dito isso, para efetivar a interpretação dos dados, busquei ressignificar os sentidos produzidos nos

discursos, ancorados nos pressupostos teóricos da relação com o saber, desenvolvida por Charlot.

Como um processo reconstrutivo, de decomposição e composição, de análise e síntese, a fase final representa a auto-organização, ou seja, a síntese dos ecos percebidos e dispostos textualmente na modalidade escrita para compreensão do leitor.

Após muitas leituras e interpretações das narrativas, entendo, nesse momento, que o valor das percepções não se encontra em discursos pontuais e isolados, muito menos no reconhecimento de um instrumento de aplicação específico, mas no entrelaçamento desses, articulados com fundamentações teóricas que os sustentam.

Por esse viés, entendo que o sentido do discurso se constitui na e pela intersubjetividade do pesquisador e do entrevistado, num processo sistêmico e relacional, entre o dito e o interpretado. Por sua vez, é a expressão da linguagem que permite compreender os diferentes ecos, manifestados por múltiplas vozes que se constituem em discursos singulares e, muitas vezes, plurais, inscritos em relações sociais. São representações individuais e sociais que passam a ser categorizadas na medida que se repetem e se relacionam com outros discursos em diferentes tempos e experiências.

No entendimento de vozes que, inicialmente, se encontravam isoladas e fragmentadas, discursos foram sendo tecidos, organizados e ressignificados com temáticas e categorias carregadas de sentidos, interpretadas por processos de metatextos, que se materializaram em escritas reflexivas.

Neste capítulo, apresentei os instrumentos utilizados e os procedimentos metodológicos adotados na construção dos dados. Na sequência, detalho a análise interpretativa dos elementos que eclodiram das narrativas docentes.