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5 RELAÇÃO DO DOCENTE COM AS EMOÇÕES: VOZES QUE CAUSAM

5.2 DOCENTE E EDUCAÇÃO: UM CORAÇÃO COM MEDO

5.2.4 Medo da burocracia pedagógica: qual é o seu sentido para a educação?

Todo professor que já passou pela sala de aula sabe o que representam os registros pedagógicos e legais que lhe são exigidos, sejam os Planos de Estudo, os Planos de Trabalho, os Planos de aula e as Planilhas de registros diários de aula. São documentos que fazem farte do cotidiano docente, os quais necessitam ser elaborados e entregues à coordenação da escola, periodicamente.

Ninguém duvida da legalidade desses documentos, porém a indagação é esta: o tempo destinado à burocracia está dificultando o planejamento de ensino do professor? Se sim, é preciso que os gestores em educação repensem a forma como estão sendo administrados os tempos destinados aos registros burocráticos, tendo em vista o objetivo principal, que é promover estratégias voltadas à aprendizagem dos alunos.

Segundo depoimentos, os professores, em seus horários disponíveis, e, muitas vezes, além da sua carga horária, estão ocupando seu tempo com preenchimento de papéis burocráticos, deixando para trás a criação de desafios para otimizar o ensino e a aprendizagem.

Ter de escolher entre pesquisar e planejar aulas problematizadoras a preencher os documentos específicos escolares é uma das queixas apontadas pelos professores.

As interpretações percebidas nas narrativas docentes exprimem esses medos burocráticos que cansam e rompem com a construção do planejamento de aulas.

O descaso, O "não dá nada". Temos uma burocracia imensa que nos cansa e desanima cada vez mais. (Laura)

A falta de limites; a pouca valorização do profissional/professor, inclusive por parte das propostas políticas/pedagógicas. Hoje o professor passa mais tempo preenchendo papéis do que tendo o prazer de estar em contato com o fazer da aprendizagem (ensinar x aprender) (Júlia)

Mas por que há tanta burocracia a ser realizada? A serviço de que e de quem está essa burocracia pedagógica?

Valendo-me de minha experiência docente, posso relatar que na Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul, os professores dos diferentes componentes

curriculares elaboram trimestralmente os Planos de Trabalho, cujo documento contempla essencialmente o objetivo geral do trimestre, as competências, as habilidades, os conceitos, os conteúdos e os critérios de avaliação. Além disso, há o preenchimento de planilhas de registros diários, com apontamentos para a frequência do aluno e aproveitamento escolar. Considerando que um professor de Língua Portuguesa tenha quatro turmas, terá quatro planilhas para preencher. A situação se agrava ainda mais, por exemplo, para Língua Inglesa, a qual, na maioria das escolas municipais, apresenta apenas um período semanal. Calculando que um professor precisa atuar dezesseis horas semanais, são dezesseis planilhas para preencher.

Ainda, desde 2015, foi implementada pelo Conselho Municipal da Educação, a produção de sínteses avaliativas para os alunos que não atingiram satisfatoriamente o desempenho no trimestre.

Na síntese avaliativa também são explicitados os principais objetivos a serem trabalhados no trimestre seguinte, como forma de contribuir com o estudante, com sua família e para fundamentar o plano de trabalho do período subsequente, objetivando a aprendizagem de cada um. (PARECER CME nº 070, de 08 de dezembro de 2015.p. 31)

Esses documentos são exigidos pela equipe gestora da escola, bem como pela Secretaria Municipal da Educação, que acompanha o desempenho dos alunos. A não entrega desses documentos devidamente preenchidos implica sanções ao professor.

A partir das narrativas dos professores, passo a refletir sobre as seguintes questões: a elaboração desses documentos contribui para a aprendizagem? Que sentido os professores atribuem a esses registros burocráticos?

Penso que os registros têm a finalidade detalhar e descrever o planejamento do trimestre, das aulas, bem como as aprendizagens construídas e as que ainda precisam ser. Mas tudo isso, segundo depoimentos, fica no plano do papel, da teorização. As interpretações dos discursos permitem vislumbrar um sentido apenas burocrático não com propósito educativo, uma vez que “roubam o tempo de planejamento”.

No que diz respeito ao entendimento de burocracia excessiva, Motta e Pereira esclarecem que a papelada tem o seu princípio correto de organização e arquivamento, porém, o problema

(...) consiste em determinar o ponto em que o emprego desses documentos deixa de ser necessário e transforma-se em “papelada”. É muito difícil determinar tal ponto (...) Enfim, ocorre o fenômeno que se costuma chamar “papelada”, que muitas vezes é confundido com a própria burocracia, mas que na verdade é um de seus efeitos imprevistos, uma de suas conseqüências não desejadas, que uma administração eficiente pode evitar em grande parte. (MOTTA; PEREIRA, 2004, p. 45-46).

Assim, é fundamental transformar esses registros em práticas pedagógicas favoráveis à aprendizagem. Ou seja, se o professor não atribui sentido a esses registros burocráticos, há que se repensar no modo como eles estão (re)produzidos e em suas respectivas finalidades.

A educação está muito ligada a questões burocráticas e políticas e esquecendo do papel fundamental, que é desenvolver o indivíduo intelectualmente e como ser humano, para contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. (Keli) A burocracia, a cobrança excessiva de papéis e o desencantamento pelo aprender. (Amanda)

A rigidez burocrática. (Francisca)

O tempo que gasto com burocracia e a possibilidade de não ter liberdade de criar, expressar e fomentar ideias. (Priscila)

Serviços burocráticos que roubam o tempo de planejamento ou atropelam o planejamento já feito. (Mara)

Com base nas categorias analisadas, é possível perceber as diferentes maneiras do docente se relacionar com o medo: a) em relação a situações que lhes são próprias; b) em relação aos alunos e; c) em relação à família, à sociedade e ao mundo.

A relação com o saber proposta neste capítulo busca valorizar a subjetividade dos docentes em toda a sua amplitude, no âmbito das relações com as emoções, com os sentimentos, com os desdobramentos que envolvem os processos de ensinar e de aprender, compreendendo ainda os sentidos atribuídos aos documentos curriculares norteadores das práticas educativas. Isso por que a relação do docente com o saber pressupõe pesquisas que abordam “a questão antropológica uma vez que acabam se questionando sobre a relação do sujeito humano com o mundo, com os outros e consigo mesmo.” (CHARLOT, 2005, p. 42). Portanto, não se constitui somente nos processos de ensino e aprendizagem, mas também na relação do docente com as emoções, com os sentimentos que

mobilizam os desejos para novos modos de pensar e de fazer práticas reflexivas. Essa foi a proposta que procurei analisar nas categorias interpretadas.

Na sequência, apresento a terceira temática, que trata da relação dos docentes com o processo de ensinar, na intenção de buscar sentidos que os mobilizam a ensinar.

6. RELAÇÃO DO DOCENTE COM O ENSINAR: A PAIXÃO DE ENSINAR E DE