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Para alcançar os objetivos propostos neste estudo, direcionei minha lente investigativa para o professor, de modo a compreender sua relação com o saber. Assim, para a coleta e construção dos dados, foram utilizados três procedimentos pertencentes a modalidades diferentes (oral e escrita) e com propósitos distintos. São estes: instrumento de pesquisa semiestruturado, balanços de saber e narrativas orais, por meio do Grupo Focal. Assim, passo a explicar cada um e, na sequência, detalho o contexto de aplicação desses.

4.2.1 Instrumento de pesquisa semiestruturado

Esse instrumento20, de caráter exploratório, teve o propósito de contextualizar o cenário de pesquisa, o perfil dos sujeitos participantes, por meio da obtenção de dados sociográficos, bem como de entender a relação do docente com as emoções e com as latências que envolvem o ensinar. Para tanto, o instrumento aplicado apresentou cinco questões abertas e seis fechadas, cujas

19 Dados oferecidos pelo setor de Escrituração Escolar da Secretaria Municipal da Educação. 20 As questões do instrumento de pesquisa semiestruturado encontram-se no apêndice B desta

elaborações tiveram como referência teórica os pressupostos da relação com o saber.

Envolveu a participação de 109 professores de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul, representando quase a totalidade de professores atuantes em sala de aula, no ano de 201821.

Com o propósito de entender os sentidos atribuídos aos referenciais curriculares, optei pelos “balanços de saber”, instrumento desenvolvido por Charlot, cuja explicitação segue na sequência.

4.2.2 Balanço de saber

Com vistas a compreender melhor os processos que constituem a relação do docente com o saber, especialmente, no que diz respeito aos sentidos atribuídos aos referenciais curriculares de Língua Portuguesa, lancei mão do instrumento proposto por Charlot, denominado balanço de saber22, também intitulado inventário de saberes, o qual, por meio de narrativas escritas, “visa identificar processos e, em seguida, construir constelações (configurações, tipos ideais), e não caracterizar indivíduos.” (CHARLOT, 2001, p. 22)

O instrumento balanço de saber, consoante Charlot (2001, p. 37), representa a produção de um texto no qual o sujeito avalia os processos e os resultados de sua aprendizagem. Charlot, juntamente a seus pesquisadores, ao propor os balanços de saber aos jovens de periferia, desenvolveu o seguinte enunciado: “Desde que nasci, aprendi muitas coisas; em casa, no bairro, na escola, em muitos lugares. O que me ficou de mais importante? E agora, o que eu espero?” (CHARLOT, 2001, p. 37).

Na linha de pensamento de Charlot (2009, p. 20), “os balanços de saber são tratados como um texto só, onde se procuram encontrar regularidades que permitam identificar processos”. E esse estudo de identificação, exploração,

21 De acordo com dados fornecidos pelo setor de Departamento Pessoal da Secretaria Municipal

da Educação, o número de professores de Língua Portuguesa atuantes em sala de aula, no ano de 2018, representa o universo de 111 docentes.

22 Segundo Charlot (2009, p. 19), os “(...) balanços de saber não nos indicam o que o aluno

aprendeu (objetivamente) mas o que ele diz ter aprendido no momento em que lhe colocamos a pergunta, nas condições em que a questão é colocada”.

construção de elementos e processos constitui a investigação sobre a relação com o saber. Por conseguinte, os balanços de saber são narrativas escritas organizadas em um único texto, cujos saberes são interpretados na relação com o saber.

Do ponto de vista metodológico, a teoria da relação com o saber investiga “relações com lugares, pessoas, objetos, conteúdo de pensamento, situações, normas relacionais, etc; na medida em que, é claro, está em jogo a questão do aprender e do saber.” (CHARLOT, 2000, p.79). Motivo esse que possibilita dialogar com esta pesquisa.

Nesse sentido, embora em sua versão original, o balanço de saber tenha se destinado a estudantes, no âmbito desta investigação, esse instrumento direcionou-se aos docentes, pelo fato de abarcar o professor como um sujeito que se relaciona com o saber.

Apoiada no modelo proposto por Charlot, porém elaborado com outra construção frasal, tendo em vista atender ao propósito desta pesquisa, formulei enunciado específico para esse fim, conforme Apêndice C, cujo registro, escrito, assumiu a tipologia textual de uma narrativa. Participaram do balanço de saber os 109 professores que, também, responderam ao instrumento de pesquisa semiestruturado.

Por certo, o valor das narrativas produzidas no balanço de saber não se ateve em identificar resultados, sejam esses favoráveis ou não, acerca da existência dos Referenciais da Educação da RME de Caxias do Sul, mas, por meio de uma leitura positiva do cotidiano escolar, compreender os sentidos atribuídos pelos docentes a esse documento, bem como as mobilizações de cada um no engajamento com o ensinar. Tanto as narrativas obtidas nas respostas às questões abertas do instrumento de pesquisa quanto a produção do balanço de saber permitiram configurar tipos de relações comuns entre os participantes, por meio de categorias de análise.

Tecidas as considerações acerca do balanço de saber, entendidas como narrativas escritas, prossigo, em conjunto, para as narrativas orais, verbalizadas por meio do Grupo Focal.

4.2.3 Grupo Focal

Na intenção de ampliar o debate e o diálogo provocados no que tange à relação do docente com os Referenciais da Educação da RME de Caxias do Sul, ampliando para reflexões sobre as práticas de sala de aula, foram convidados 30 professores que manifestaram, por meio de e-mail e/ou contato telefônico, interesse em dar continuidade às reflexões promovidas no instrumento de pesquisa semiestruturado e no balanço de saber. Desses, 20 retornaram suas respostas, sendo que 12 manifestaram desejo de participar, porém não poderiam na data estipulada; 8 confirmaram presença, comparecendo presencialmente no encontro.

Na ocasião, foi realizada a técnica, denominada Grupo Focal, que, consoante Neto, Moreira e Sucena (2002), é definida como

(...) uma técnica de pesquisa na qual o pesquisador reúne, num mesmo local e durante um certo período, uma determinada quantidade de pessoas que fazem parte do público-alvo de suas investigações, tendo como objetivo coletar, a partir do diálogo e do debate com e entre eles, informações acerca de um tema específico. (NETO, MOREIRA, SUCENA, 2002, p. 5).

As narrativas orais advindas do debate com os professores imbuíram-se de concepções e impressões retratadas a partir de suas trajetórias individuais e sociais. Histórias que se constituíram nas e pelas relações que os sujeitos estabeleceram com suas experiências, articulando, “pelo menos, três dimensões do vivido: ter experiência, fazer experiência e pensar a experiência” (STECANELA, 2012, p. 25).

Diante desse cenário, os desencadeadores para discussão no Grupo Focal seguiram temas e problematizações, os quais serão explicitados na próxima seção.

4.3 ITINERÁRIOS DELINEADOS NOS CONTEXTOS DE ELABORAÇÃO E