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5 RELAÇÃO DO DOCENTE COM AS EMOÇÕES: VOZES QUE CAUSAM

5.1 PROFESSOR E EDUCAÇÃO: UM CORAÇÃO QUE PULSA

5.1.2 Coração que bate pela transformação de si, do outro e do mundo

Por certo, quando a aprendizagem transforma, de algum modo, a vida do estudante, permitindo-lhe sonhar e viver em condições mais dignas, o coração do professor bate ainda mais forte.

Charlot (2000, p. 65) entende que todo “(...) ser humano aprende: se não aprendesse, não se tornaria humano.” É o entendimento de que o processo de humanização acontece por meio da educação que mobiliza o docente a continuar acreditando na educação e na vida.

As narrativas verbalizadas pelos professores clareiam o entendimento de que a aprendizagem construída no cotidiano escolar adquire muito mais sentido quando permite que o ser humano transforme a si próprio, aos outros e ao mundo que o cerca, de modo a transcendê-la para além dos bancos escolares. Nesse contexto, postulam-se os pressupostos da teoria da relação com o saber, pois,

consoante Charlot (2000, p. 64), “um saber só tem sentido e valor por referência às relações que supõe e produz com o mundo, consigo e com os outros.”

O fato de muitos docentes identificarem-se como “peça importante” na formação intelectual e humana dos alunos atribui um sentido valioso à atividade docente. Os diálogos que seguem evidenciam percepções dos professores acerca de transformações ocorridas a si próprios, aos alunos e à sociedade em geral, evidenciando a presença de estar no mundo. Para Freire (2000, p. 17), é por que somos seres transformadores, “que percebemos que a nossa possibilidade de nos adaptar não esgota em nós o nosso estar no mundo. É por que podemos transformar o mundo, que estamos com ele e com outros.”

Meu ânimo se renova quando vejo que faço a diferença na vida daqueles a quem ensino. (Cinara)

Ver que o trabalho faz a diferença na vida dos alunos. (Alana)

A percepção de que eu sou uma peça importante no processo de formação de outras pessoas. Saber que contribui com algum avanço, seja intelectual ou humano, faz-me sentir e ver sentido na existência. (Susana)

Adquire força, nesse contexto, a dimensão de educação como possibilidade de mudança, de novas perspectivas de ser e existir no mundo. É o senso de realização e de produção de sentidos ao fazer, à docência.

A possibilidade de abrir horizontes. Transformar o aluno em leitor da vida. (Débora) Alunos que atingem a excelência e mudam a sua realidade. Já valeu toda a luta. (Adriana)

Por certo, o desejo de fazer a diferença na vida dos estudantes parece ser crucial nas falas dos professores, tendo em vista a intenção de buscar um ensino e uma aprendizagem que contribuam efetivamente com mudanças, tanto no docente quanto no aluno e no mundo em que vivem. Segundo Charlot (2000, p. 53), “esse movimento longo, complexo, nunca completamente acabado, que é chamado educação.”

Dito isso, a educação passa a ser compreendida como um processo contínuo e constituinte do ser humano, sendo considerada um dos pilares fundamentais para a transformação da realidade.

O fato de que acredito que é por meio da educação que se mudam e melhoram vidas. (Lara)

Perceber a educação e o conhecimento a serviço de uma lógica de mundo, que é o direito humano à vida. (Noemia)

É por meio do conhecimento que o homem se liberta e atinge sua autonomia. No que tange à concepção de conhecimento, Freire (1993) esclarece que esse se constrói na ação e na reflexão crítica do homem, com vistas à libertação e à transformação da realidade, como propulsora da construção de uma sociedade mais justa e humanizadora.

Sob esse entendimento, é possível pensar: que concepção de educação é essa referida nas narrativas docentes? Será uma educação que circunda apenas a dimensão escolar? Ou será que transita também para a não escolar?

Penso que as narrativas interpretadas dialogam mais com a educação realizada nos contextos escolares, no entanto, faz-se necessário refletir também acerca da educação não escolar, pois, segundo Stecanela (2010, p. 52-53), os sujeitos não aprendem somente aquilo que a escola os propõe como fundamental, “mas sim através da capacidade que cada um tem de governar suas experiências escolares, construídas numa vertente subjetiva e capaz de converter os atores em autores de sua educação.”

O poder libertador que o conhecimento proporciona. A possibilidade de desvendar outros mundos. (Amanda)

Depoimentos de alunos acerca do sentido, do significado, do desvelamento do mundo que o conhecimento possibilita. (Judite)

A possibilidade que a educação dá a autonomia dos sujeitos, ou seja, contribuir para a formação de pessoas que, por meio da escola, podem se libertar. (Inês)

Colaborar para que se tornem seres humanos autônomos e éticos. (Keli)

A educação que visa à libertação e à autonomia dos homens é a que promove uma sociedade mais digna, que respeita as diferenças, as singularidades do sujeito, suas histórias de vida e suas posições sociais, portanto, uma sociedade transgressora de exclusões.

Ver os estudantes desenvolver suas habilidades e competências e, desta forma, conseguir buscar um lugar digno dentro da sociedade exclusiva que vivemos. (Leila)

Saber que cada estudante é protagonista da sua vida, independentemente de qualquer estereótipo que exista. (Vanessa)

A certeza de, através da linguagem, contribuir para a formação de pessoas melhores, e, consequentemente, de uma sociedade melhor, mais justa e igualitária. (Juliana)

É possível reconhecer o professor como um ser impulsionador de sonhos, um semeador de futuros, que se reconhece e reconhece o aluno como um ser humano inacabado, inconcluso, portanto, em constante aprendizagem.

Sentir que auxiliei de alguma maneira no crescimento dos alunos, principalmente que acreditem neles mesmos, apostem nos seus sonhos, tenham sonhos. (Luísa)

Sentir que sou eu quem pode fazer a diferença na vida de alguém pelo motivo de me preocupar com seu futuro. (Lorena)

Saber que meu trabalho contribui para a formação, para a realização dos sonhos de algumas pessoas. (Jaqueline)

Esse professor olha para seu aluno e o considera, acima de tudo, como um sujeito de saber, ator de sua história, que constrói sua identidade, ao mesmo tempo em que é construído pela dos outros. Essas narrativas comunicam a presença de um docente que acredita e tem esperança na educação e no ser humano.

A possibilidade de cada dia ser diferente. (Vitória)

O brilho no olhar dos estudantes cativados, a possibilidade de modificar o país. (Maria Eduarda)

Amo mostrar novos horizontes, ver a esperança de uma melhor vida para os alunos. (Mara)

Acreditar que dias melhores virão. (Alcione)

As possibilidades de ser uma sementinha de esperança plantada a tantos jovens. (Laura) O olho no olho do ser humano, é saber, ao mesmo tempo de muita indiferença e desconsideração por parte de alguns, somos ainda a esperança para muitos. (Viviane)

Vislumbrar a esperança nos alunos, e, ao mesmo tempo, representar esse sentimento para eles, ecoa como uma forma de reconhecimento ao profissional da educação, especialmente, neste um cenário atual, no qual, muitas vezes, o

professor não se sente valorizado, por inúmeras questões, sejam emocionais, financeiras, entre outras, que são dignas de reflexão.

Conceber a educação sob essa ótica pressupõe compreender que, no cotidiano escolar, professor e aluno são sujeitos do processo educacional, uma vez que ambos ensinam e aprendem em contextos que se imbricam. São movimentos que se entrelaçam na incompletude e no inacabamento humano.

Quando vejo interesse em aprender nos olhos deles, valorização do nosso papel e de nós como indivíduo. (Deise)

Acreditar que com a educação/conhecimento somos capazes de promover mudanças no mundo. (Luciane)

Nessa perspectiva, as narrativas produzidas pelos docentes concretizam pressupostos teóricos filiados à relação com o saber, ao compreender que o sentido da educação está no conjunto de relações do sujeito de saber e na pluralidade de relações que mantém consigo, com o outro e com o mundo.

A tomada de consciência dessa complexidade, no âmbito do cotidiano escolar, implica entender que o saber só existe porque os atores da educação (professor e aluno) relacionam-se com o saber. Nesse aspecto, conceber a ideia de que docente e discente atribuem sentido ao ensino e à aprendizagem pressupõe compreender que tanto um quanto outro são sujeitos que se relacionam com o mundo.

Por esse viés relacional, é próprio do ser humano reinventar-se e reinventar o mundo. Essa conscientização vislumbra uma educação em movimento, que transforma pessoas. Com efeito, o professor, ao mencionar que a educação e o “constante reinventar-se”, está percebendo o percurso de uma “docência em movimento”, não estática e finalizada, mas sim, em processo de reconstrução.

O constante reinventar-se, o “dar-se conta” das transformações que podemos causar nos outros e em nós mesmos; a atualização e a necessidade de estar sempre um passo à frente, contribuindo para uma sociedade mais justa. (Marili)

A transformação do estudante é a minha própria. (Bruna)

O meu papel transformador na vida dos meus alunos. Eu aprendo e ensino diariamente. Eu choro e rio muito. (Elisabete)

Entendo que compreender a relação com o saber pressupõe, ainda, considerar a relação com a linguagem e com o tempo. É na e pela linguagem que

o homem define sua existência, manifestando seu pensamento, atuando e transformando a realidade.

Com efeito, uma interação autêntica se constitui por meio de um diálogo humilde e humanizador, que se estabelece na relação do eu com o outro, na enunciação de um tempo e de um espaço. Conforme Freire,

A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais (FREIRE, 2005, p.112).

Por sua vez, as relações dialógicas do professor com o aluno e deste com aquele são perpassadas por emoções. Talvez esse entendimento possa explicar, conforme minhas percepções e experiências em sala de aula, por que alunos demonstram mais interesse por uma determinada disciplina quando expressam uma relação de diálogo, de afetividade com o professor que ministra esse componente curricular. No que diz respeito à relação pedagógica dialógica, Stecanela (2018) afirma que o

(...) desejo do diálogo na relação pedagógica surge como princípio e como método através do qual a escola contemporânea poderia se aproximar não somente da efetivação do seu propósito no acesso aos conhecimentos considerados socialmente relevantes, mas também da dimensão socializadora que a acompanha, nas relações individuais e coletivas que permeiam o seu cotidiano. (STECANELA, 2018, p. 937)

Quem sabe essa reflexão possa ser propulsora de novas investigações, por parte desta pesquisadora ou por outros que se sentirem mobilizados a compreender um pouco mais as variáveis de que existem entre a tríade de relações: docentes, discentes e atividade intelectual.

Após interpretar discursos que evocam a relação do docente com a aprendizagem e com uma educação transformadora, prossigo apresentando a terceira categoria, que trata da relação do docente com o reconhecimento do outro.