• Nenhum resultado encontrado

5 RELAÇÃO DO DOCENTE COM AS EMOÇÕES: VOZES QUE CAUSAM

5.1 PROFESSOR E EDUCAÇÃO: UM CORAÇÃO QUE PULSA

5.1.1 Coração que bate pela aprendizagem

De acordo com as narrativas produzidas, muitos fatores impulsionam o coração dos professores em bater mais forte, entre eles é perceber a diferença que fazem na vida dos alunos, especialmente no que diz respeito à aprendizagem. Perceber o desejo do aluno nas atividades intelectuais propostas em sala de aula, ou seja, em querer aprender, também pode ser considerada uma das grandes realizações dos docentes na esfera educacional.

Nessa perspectiva, Charlot (2000, p. 54) esclarece que “educação supõe o desejo, como força propulsionadora que alimenta o processo.” Ao encontro desse pensamento, ecoam os discursos dos docentes, que explicitam essa fundamentação.

O querer saber dos estudantes, a troca de saberes e o crescimento intelectual dos alunos. (Nilce)

[...] a dedicação dos alunos com as atividades, quando eles se envolvem e gostam da proposta de trabalho é muito significativo para mim. (Marta )

Quando um aluno demonstra interesse e engajamento em um tópico estudado. (Sofia)

Quando os alunos abraçam a proposta de uma nova atividade. (Regina)

Por certo, quando há desejo de saber, por parte do aluno, isto é, quando ele “abraça a proposta”, o professor sente-se realizado em ensinar, e, talvez, esse seja um dos grandes propulsores da profissão docente, principalmente, quando o saber tem sentido para o professor e para o aluno. De acordo com Charlot (2000, p.53), desejo “remete a uma alteridade que tem uma forma social, quer se trate do outro como pessoa, quer como objeto de desejo.”

A alteridade pode ser representada pela relação do eu com o outro. Dito isso, é possível pensar que o professor passa a ser o outro na relação com o aluno, exercendo o papel de mediador da aprendizagem. Essa relação de alteridade dá sentido à existência pessoal e profissional docente, conforme relatos das narrativas que seguem:

Quando vejo interesse em aprender nos olhos deles, valorização do nosso papel e de nós como indivíduo. (Deise)

Quando o que ensinamos tem algum significado para nós e para os estudantes. (Gilmara)

A tomada de consciência sobre a aprendizagem dos estudantes e seu processo de construção parecem ser fatores que chamam a atenção dos docentes, pois as situações de sucesso escolar demonstram o sentido do ensino. Isso dá satisfação de competência ao professor, visto que se torna indicativo de aprendizagem.

Quando um aluno tem um insight, mostrando que o que ensinamos fez sentido. (Flávia) Quando o estudante diz: -Ah! Agora entendi! (Alessandra)

O feedback dos estudantes no momento em que percebem a significação de sua aprendizagem, a superação de suas dificuldades, a construção de saberes. (Daiane)

Percebo que o docente reconhece a importância de observar que sua aula, seu planejamento e seu modo de ensinar estão no caminho da aprendizagem, especialmente, quando o aluno estabelece conexão do conteúdo ensinado com situações aplicáveis fora do contexto escolar. Com efeito, para o professor, é por meio do conhecimento que o aluno se torna competente no que faz, integrando- se cada vez mais na sociedade e vislumbrando perspectivas de um futuro melhor.

Ver o meu aluno aprender e vibrar pelo conhecimento obtido, ver que é capaz, sentindo- se parte. (Sirlei)

Quando uma aula dá certo e você ganha o feedback da turma (através da participação, discussão e produção deles. (Vera)

Quando um aluno consegue estabelecer ou relacionar qualquer fato, evento do mundo lá fora com os conceitos que os ajudo a desenvolver em sala de aula. (Sheila)

No discurso que segue, visualizo satisfação da professora ao perceber o estudante mobilizado em uma atividade intelectual: a interpretação de um poema, de modo a expressar sua subjetividade. Essa situação, conforme depoimento, configura-se uma raridade no contexto da educação contemporânea. O que me parece é o fato de haver uma sinalização de que atualmente a manifestação das interpretações subjetivas dos alunos está em extinção. Diante disso, indago-me: por que não é comum alunos expressarem suas subjetividades nas atividades intelectuais promovidas no cotidiano escolar?

Ainda na narrativa em questão, a professora evidencia a existência de variáveis entre o planejamento e a execução de uma aula, demonstrando seu contentamento quando “apesar de tudo”, consegue atingir seu objetivo, que é a aprendizagem dos alunos. Novamente, surge uma questão: o que compreende esse “apesar de tudo”? Seriam a indisciplina, a falta de recursos técnicos, as defasagens de aprendizagem dos alunos, ou outros motivos que dificultam, muitas vezes, a realização de uma aula planejada? Talvez essas problematizações possam ser mobilizadoras de novas pesquisas.

Ver meus alunos conseguirem interpretar um poema usando sua subjetividade. É algo muito raro, mas já vi acontecer. Outra coisa que eu amo é quando um planejamento, apesar de tudo, dá certo e atinge o objetivo de fazer com que aprendam e ainda ouvir deles que a minha aula é a mais legal. (Isabel)

Compreender o progresso dos discentes, mais especificamente dos que apresentam dificuldades, é motivo de realização dos professores, pelo fato de acompanharem suas trajetórias de aprendizagem, exercendo intervenções pedagógicas e constatando os avanços. Dessa perspectiva, perceber o engajamento do estudante a uma atividade intelectual proposta em sala de aula faz bater aceleradamente o coração do docente.

O meu coração bate mais forte quando percebo que um aluno com dificuldades está aprendendo. (Beatriz)

Sem dúvida, o progresso dos alunos. Amo quando participam e se entregam a uma proposta de sala de aula. (Cecília)

Evidencio que muitos professores são pontuais ao demonstrarem realização em ver o aluno lendo e produzindo textos de diferentes complexidades, argumentando suas ideias com propriedade e eficiência, de modo a encantar-se pela aprendizagem de Língua Portuguesa. O encantamento pelas palavras, mais precisamente, pelo saber da língua materna, permite a contemplação e a descoberta do novo.

O encantamento do aluno, ao ler, discutir um texto e posicionar-se de forma coerente. (Helena)

O resultado de um trabalho, de um desafio: quando um jovem diz: "Esse foi o primeiro livro que eu li inteiro e gostei.” (Rejane)

Um texto bem escrito com argumentações coerentes. Isso mostra a sede de saber que o estudante tem. (Sônia)

Mantendo o viés da aprendizagem como eixo fundante deste tópico, há que se destacar a voz do professor que clama por mais alunos engajados na aula e na aprendizagem, e que, por sua vez, a esses seja garantido seu direito de aprender. Ou seja, alguns alunos que poderiam avançar em sua aprendizagem são prejudicados pelo fato de, segundo as narrativas, “outros não permitirem”. Sob esse ponto de vista, Stecanela (2016, p. 346) explica que os docentes “produzem narrativas considerando seus próprios percursos e tendo os sentidos que atribuíram a sua escolarização como ponto de conexão para julgarem os sentidos que seus alunos conferem à escola.”

Ademais, para os professores, o direito de todos à aprendizagem encontra resistência na sala de aula, provavelmente, devido a problemas indisciplinares. Mas por que ocorrem indisciplina e resistência nos espaços escolares? Seriam essas situações expressões de resistência ao aprender?

Penso que esses questionamentos podem ser interpretados a partir de fatores envolvendo as subjetividades, os aspectos socioculturais, as dificuldades de se “abrir” ao desejo de aprender, entre outros.

Dessa perspectiva, o sentimento de raiva é evocado pelo professor, ao reconhecer que alguns alunos, embora demonstrem desejo de aprender, são prejudicados pelos colegas que têm resistência à aprendizagem. Há uma contradição nos sentimentos do professor envolvendo amor e ódio, os quais se mesclam no desejo de ensinar. Os ecos dessas narrativas evidenciam uma dualidade de sentimentos: amor pelo aluno que quer aprender; ódio pela realidade encontrada na sala de aula com a presença de “alunos medíocres”.

Ademais, identifico, em algumas escritas dos professores, um certo saudosismo que recorda o tempo passado, no qual os alunos demonstravam mais desejo de aprender, diferentemente do contexto atual. A expressão “houve um tempo” remete-se a um tempo em que, segundo as narrativas, a aprendizagem era considerada importante para os alunos. Esse tempo também pode se referir ao contexto no qual a escola podia segregar e convidar os estudantes a se retirarem. No entanto, com o que está preconizado na Constituição Brasileira e nas políticas educacionais promulgadas a partir de 1988, o direito à educação assegura e obriga todos a estar na escola.

De acordo com Stecanela (2016, p. 348), há necessidade de refletir sobre “o paradoxo do direito à educação e à escolarização obrigatória e de estabelecer relações com o que começa a ser processado no cotidiano da escola à medida que a adesão deixa de ser espontânea para ser compulsória.”

Bate mais forte de "raiva" vendo alunos com grandes potenciais serem atrasados pelos medíocres. (Fabio)

Quando encontro alunos que têm esse desejo de aprender, tão raro hoje em dia. (Lucila) Hoje não acontece tanto, mas houve tempo em que os estudantes aceitavam e respondiam aos desafios propostos. (Tânia)

Em síntese, a primeira categoria explicita o coração de um professor que bate por uma educação na qual o estudante demonstra desejo de aprender, quando se engaja nas atividades intelectuais de sala de aula, sendo sujeito singular de sua história, mas, ao mesmo tempo, compreendendo a importância de aprender conhecimentos construídos socialmente ao longo da humanidade. Sob esse entendimento, o professor sente-se valorizado, uma vez que se reconhece mediador do processo de aprendizagem do aluno, cujo papel é contribuir na construção dos saberes. Dito isso, passo a explicitar a segunda categoria.