• Nenhum resultado encontrado

A psicologia de Vygotsky12 também se aproxima dos estudos que tratam da relação com o saber, ao considerar o homem como um ser geneticamente social, cuja aprendizagem é resultado das interações do sujeito consigo, com os outros e com o mundo, mediadas pela linguagem.

Vygotsky (1993) concebe o homem como um sujeito social e histórico, que passa por transformações a cada ação, devido às mudanças que acontecem na sociedade e na cultura. Nessa perspectiva, todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas, que se concretizam via linguagem. O homem se constitui como homem nas e pelas interações do sujeito com o mundo, de modo que o sujeito responde aos estímulos externos, atuando sobre eles, e, por conseguinte, construindo seu próprio conhecimento.

Um dos estudos defendidos pelo teórico diz respeito ao entendimento de fala e pensamento. Para Vygotsky (1993), fala e pensamento têm origens distintas e esse posicionamento é comprovado no primeiro capítulo da obra Pensamento e Linguagem, intitulado O problema e a abordagem, quando Vygotsky (1993, p.2) questiona tanto o método de análise, que considera pensamento e linguagem como sendo uma fusão, ou seja, uma “única e mesma coisa”, portanto, sem

12 No âmbito deste trabalho, será adotada a grafia Vygotsky para denominar o sobrenome do

autor, embora se reconheça a existência de muitas outras; e vigotskiano, para se referir aos pressupostos teóricos desse pesquisador.

relação entre si, quanto o que concebe pensamento e linguagem como processos separados e independentes. O estudioso (1993, p.4) define um método de análise intermediário, denominado “análise em unidades”, que, por sua vez, preserva as propriedades do todo. Assim, o significado da palavra passa a ser a unidade de análise de suas investigações, uma vez que é no significado da palavra “que pensamento e fala estão inter-relacionados”.

Do ponto de vista vigotskiano (1993, p. 4), a significação pressupõe uma unidade constituída pelo pensamento generalizante, pertencente ao âmbito conceitual, entendido como um estágio avançado da palavra, bem como pelo desenvolvimento social. Nesse sentido, o instrumento linguístico e as interações sociais, mediadas pela linguagem, são fundamentais para o desenvolvimento intelectual da criança. Daí sua teoria ser intitulada como histórico-social.

Vygotsky entende que a linguagem, inicialmente, tem origem social, como meio de interação da criança com outros sujeitos. Posteriormente, transforma-se em função mental interna, processo individual e constituinte do pensamento. Dito de outro modo, das interações sociais do sujeito com outros sujeitos e com a cultura chega-se à linguagem interior. Desde essa perspectiva, a concepção de linguagem interior, apresentada pelo psicólogo, fundamenta-se nos pressupostos de Piaget, no que diz respeito à linguagem egocêntrica.

Consoante Vygotsky (1991),

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para memória lógica e para formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. (VYGOTSKY, 1991, p. 64, grifos do autor).

Sob esse viés, o autor (1993) diferencia as funções mentais elementares das superiores. Enquanto essas compreendem comportamentos naturais do ser humano, como reflexos, reações automáticas, associações, entre outros; estas correspondem ao funcionamento psicológico humano, por meio de ações conscientes e controladas, como atividades de pensamento abstrato, memória, ação intencional. Assim, a criança, quando pequena, apresenta funções psicológicas elementares, porém, por meio da interação com o mundo e com outros sujeitos, essas funções transformam-se em mentais superiores, entendidas

como pensamento e memória. Logo, as funções psicológicas superiores são de natureza social e cultural, ou seja, têm origem nas relações sociais que o sujeito mantém com o objeto de conhecimento.

No processo de interação, a linguagem constitui-se como elemento mediador na relação com o saber. Com efeito, linguagem é entendida, no âmbito desta pesquisa, como a capacidade humana de representar simbolicamente, verbalmente ou não, ideias, objetos, fenômenos, emoções, enfim, tudo o que o sujeito desejar expressar.

Ainda no que diz respeito ao desenvolvimento intelectual e linguístico da criança, o psicólogo considera a existência de um estágio pré-intelectual da fala e de um pré-linguístico do pensamento, esse último evidenciado pelo balbucio, pelo choro. Admite que pensamento e fala apresentam origens diferentes e independentes, no entanto, aproximadamente, aos dois anos de idade da criança, as curvas da evolução dessas duas funções (pensamento e fala) encontram-se, e, desde essa perspectiva, a fala passa a ser instrumento do intelecto; e o pensamento torna-se verbalizado. Essa constatação pode ser observada na criança, quando começa a demonstrar uma curiosidade repentina pelas palavras, ampliando seu vocabulário. Nesse sentido, afirma o psicólogo que

o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas completamente independentes de desenvolvimento, convergem. (VYGOTSKY, 1991, p. 27).

Para o psicólogo russo, pensamento e memória (funções psíquicas superiores) só se desenvolvem nos seres humanos porque esses são capazes de formar conceitos, por meio de operações intelectuais, que, combinadas ao desenvolvimento histórico-social do sujeito, são abstraídas, sintetizadas e simbolizadas por intermédio de um signo. Esse entendimento leva a compreender a linguagem como elemento constituinte no processo de formação de conceitos.

Daí a compreender o caráter fundamental atribuído à linguagem na constituição e na organização do pensamento. É por meio da linguagem que as funções intelectuais são possíveis. Isso posto, entendo que o pensamento verbal não existe a priori no sujeito, uma vez que é resultado das interações do sujeito

com o objeto de conhecimento, considerando suas condições históricas, culturais e sociais.

A aprendizagem, sob esse viés, passa a ser potencializada à proporção da quantidade e da qualidade das interações vivenciadas e atribuídas de sentido pelo sujeito. Com efeito, para Vygotsky, a criança nasce em um mundo onde lhe preexistem palavras e significações (palavras e conceitos). É nesse ponto que o professor atua como mediador da aprendizagem do aluno.

A concepção de mediação é defendida por Vygotsky (1993), especialmente no que se refere aos processos de desenvolvimento mental da criança, que são partilhados entre pessoas. Isso pode ser explicado da seguinte maneira: quando a criança é pequena, os processos interpsíquicos são concebidos entre os adultos, que, por sua vez, atuam como mediadores da criança com o mundo. No entanto, ao passo que as crianças vão crescendo, a interação ocorre entre as próprias crianças.

Consoante o teórico (1993), o processo de formação de conceitos passa por dois estágios de evolução: de espontâneos ou cotidianos a científicos, que, embora distintos, estão interligados e atuam um sobre os outros. No primeiro, a criança agrupa diversos objetos que apresentam características comuns, nomeando-os em um único atributo. Já no segundo, ocorre um isolamento dos objetos, também, devido aos atributos comuns, chegando à generalização mais complexa e à verbalização do conceito em forma de discurso.

Para Vygotsky, todo conceito, espontâneo ou científico, representa uma forma de generalização, no entanto, o grau mais complexo de abstração e de tomada de consciência encontra-se nos conceitos científicos. Ademais, são as relações de interação da criança com os saberes que possibilitam a distinção entre os conceitos espontâneos e científicos.

Acrescentam-se a esses estudos as investigações a respeito da relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo. Vygotsky (1993) entende que a aprendizagem da criança começa antes da etapa escolar, pois, no período pré- escolar, a criança já realiza operações matemáticas, tem contato com noções de quantidade, formula perguntas e respostas etc. No entanto, essa aprendizagem difere-se da escolar, considerada etapa posterior, que se realiza em espaço formal, de modo sistematizado.

Dito isso, o teórico exemplifica seu posicionamento afirmando que a criança, em período pré-escolar, já estabelece um diálogo com o adulto, ao realizar perguntas e receber respostas; tem contato com noções de quantidade, com operações matemáticas, sejam simples ou complexas. Compartilhando desse entendimento, Charlot compreende que os jovens aprendem muito fora da escola, pois:

Eles já construíram relações com “o aprender”, com aquilo que significa aprender, com as razões pelas quais vale a pena aprender, com aqueles que lhes ensinam as coisas da vida. Portanto, sua(s) relação(ões) com o(s) saber(es) que eles encontram na escola, e sua(s) relação(ões) com a própria escola não se constroem a partir do nada, mas a partir de relações com o aprender que eles já construíram. Não se vai à escola para aprender, mas para continuar a aprender. (CHARLOT, 2001, p. 149).

No entanto, vale esclarecer que o saber do cotidiano se diferencia do científico, por ser este consciente, intencional, voluntário e sistemático. As interações e interlocuções, por sua vez, acontecem ao longo da vida e são condições da existência humana, “condição que faz dele um sujeito, ligado ao outro, desejando, partilhando um mundo com outros sujeitos e com eles transformando esse mundo.” (CHARLOT, 2000, p. 49).

É no entendimento de uma sociologia que vê o sujeito e sua ação no mundo, como ser singular e social, em seu processo histórico, na relação com o outro, movido por desejo, atuando e transformando seu mundo, que se encontra a relação com o saber. Nesse sentido, na sequência, explano a relação com o saber sob o viés da antropológico.