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Escrita e reescrita não faltaram nas formulações das perguntas abertas e do enunciado que originaram o instrumento de pesquisa semiestruturado e o balanço de saber, respectivamente.

O cuidado com as palavras, com a meticulosidade do texto para não pressupor, muito menos interferir nas manifestações narradas, guiaram-me na elaboração de proposições que indagavam os processos, os porquês e suas pluralidades de sentidos. Assim, ao ampliar as possibilidades do dizer docente para narrativas que ultrapassem o âmbito do “sim” e do “não”, foram elaborados enunciados que possibilitassem abertura para interlocuções com os sujeitos empíricos. Desse modo, o dito pelos professores constituiu-se de enunciados marcados por uma linguagem clara e concisa, definidos em tempos e espaços específicos.

Após o processo de construção dos instrumentos de aplicação, solicitei, na Secretaria Municipal de Educação, por meio de protocolo administrativo, liberação para realizar pesquisa junto aos professores de Língua Portuguesa, o qual teve parecer deferido (Apêndice A).

A partir do consentimento da mantenedora, dei sequência à investigação, procurando encontrar a melhor maneira de estabelecer uma interlocução com os professores. Inicialmente, deparei-me com a ideia de enviar os instrumentos por e-mail e solicitar que os professores respondessem. Em seguida, atentei-me a ir para algumas escolas para manter um diálogo presencial com alguns professores. No entanto, tinha clareza de que, desse modo, não conseguiria atingir um número expressivo de professores, tendo em vista o tempo reduzido que eu disponibilizava para desenvolver a pesquisa.

Aliada a esse contexto, no qual eu buscava alternativas viáveis para realizar a investigação, a Secretaria Municipal da Educação (SMED) lançou a proposta de revistar os referenciais curriculares municipais, interligando-os às discussões apontadas BNCC. Para tanto, todos os professores da RME foram convidados pela SMED a participar de formações continuadas com vistas a esse fim.

Previamente a esse momento, contatei novamente a Secretaria Municipal da Educação e solicitei a possibilidade de ser-me concedido um tempo nesse encontro para que eu pudesse aplicar os instrumentos de pesquisa: o instrumento de pesquisa semiestruturado e o balanço de saber.

Considerando que a temática da pesquisa estava condizente com a proposta de debates curriculares, foi-me concedido, aproximadamente, o tempo de duas horas, reservado no momento final do encontro, tanto no turno da manhã quanto no turno da tarde, para eu atuar junto aos professores. Era o tempo e a ocasião que se aproximavam do meu propósito.

Entendi que esse seria o melhor momento para aplicar os instrumentos de pesquisa, uma vez que nesse tempo e local estaria concentrado o maior número de professores da Rede Municipal de Ensino, refletindo sobre o currículo de Língua Portuguesa. Diante disso, compareci apenas no momento marcado, com o propósito de me distanciar, intencionalmente, da situação de formação, para, assim, desenvolver com mais rigorosidade a pesquisa proposta.

A formação continuada para professores de Língua Portuguesa realizou- se, no dia nove de novembro de dois mil e dezoito, com uma proposta centrada nos estudos sobre o desenvolvimento de competências a serem desenvolvidas no componente curricular de Língua Portuguesa, conforme o que preconiza a BNCC. Na ocasião, estiveram presentes 109 professores de Língua Portuguesa, o que corresponde a 98% dos professores atuantes do 6º ao 9º ano em escolas da Rede Municipal de Ensino. Apenas dois professores não compareceram ao momento de formação continuada ofertado pela Secretaria Municipal da Educação. Dos 109 professores, 76 participaram no turno da manhã e 33, à tarde, conforme seus turnos de atuação na escola.

No dia de formação, inicialmente apresentei-me aos professores, sendo que a grande maioria já me conhecia, expliquei os motivos que me levaram a pesquisar a temática da relação dos professores com o saber, tratei dos objetivos da pesquisa e do meu engajamento com os referenciais curriculares. No momento em que eu conversava sobre a docência e sobre ser professor, já tive indícios de que a dimensão da minha pesquisa transbordava para as relações com o ensinar, com as emoções. Naquele momento, penso que entendi um pouco mais sobre a teoria da relação com o saber.

Após contextualizar o propósito de minha presença no encontro, bem como da pesquisa desenvolvida, convidei os professores a contribuírem com suas impressões e subjetividades, por meio de registros escritos. Dito isso, esclareci da não obrigatoriedade de participação, do sigilo e do anonimato das informações

prestadas, bem como da importância do preenchimento do termo de consentimento.

Na sequência, expliquei que a proposta seria escrever um pouco sobre nossos sentimentos em relação à educação, à docência, bem como sobre os documentos curriculares oficiais, denominados Referenciais da Educação da RME – Planos de Trabalho – caderno 3, considerando praticamente dez anos de sua implementação.

Após o aceite dos professores em participar, entreguei-lhes, primeiramente, o instrumento de pesquisa semiestruturado, o qual contemplava questões fechadas (alternativas para serem preenchidas, a fim de obter informações sociográficas sobre o professor de Língua Portuguesa, por exemplo, idade, tempo exercido na profissão, carga horária semanal, entre outras) e abertas (cujas temáticas abrangentes instigavam o pensamento e a reflexão do docente sobre o que faz bater o coração mais forte na educação, o que dá mais medo, o que o mobiliza a ensinar).

Penso que as interlocuções estabelecidas, a partir desse instrumento, representam os primeiros passos para compreender as relações do docente consigo mesmo, com os alunos, com a educação, com o ensino e a aprendizagem.

A seguir, desafiei os professores a refletirem sobre os sentidos atribuídos aos referenciais curriculares de Língua Portuguesa, transcorridos quase dez anos desde sua implementação. Explicitei que a intenção era fazer um balanço sobre a existência desses documentos curriculares, resgatando aproximações e distanciamentos com a prática de sala de aula.

Desse modo, os professores iniciaram suas narrativas, conforme imagens registradas. Todos presentes responderam às situações propostas, seja o instrumento de pesquisa semiestruturado, seja o balanço de saber.

Interessante destacar que, ao final da folha destinada à produção do balanço de saber, havia um convite ao professor que desejasse dar continuidade às reflexões curriculares, em outro momento a ser combinado. Para tanto, fazia- se necessário deixar o contato, por meio de e-mail e/ou telefone.

Figura 18 - Balanço de Saber

Ao término do encontro, quando os professores entregavam suas escritas e já se encaminhavam para saída, muitos me procuraram para expressar sua satisfação em refletir e registrar, especialmente, sobre suas emoções, sobre o que fazia bater o coração e os seus medos. Outros, ainda, mencionaram que, a partir das provocações feitas, sentiram desejo de retornar aos estudos acadêmicos, de frequentar um mestrado, doutorado.

Ora, se esta pesquisa serviu de motivação para novos desejos, mobilizações e prazeres dos professores, já me sinto contemplada.

Movida por curiosidade, realizei, imediatamente, a leitura das narrativas produzidas nos balanços de saber, as quais apresentavam uma variação de três a quinze linhas. Percebi que as narrativas, cuja temática pautava-se, essencialmente, em reflexões sobre os referenciais curriculares, não abriam caminhos para a amplitude da qual eu esperava.

Por esse fato, adentrei-me a ler as narrativas referentes às emoções e ao ensinar, e, de fato, compreendi que a latência da escrita estava no sentir, no ser docente. Na ocasião, senti uma leve frustração porque dediquei os balanços de saber e o objeto de pesquisa a uma temática que tinha mais sentido para mim que para os professores.

Com o olhar menos direcionado a buscar desejos próprios desta pesquisadora, intencionei a compreender os deslocamentos percebidos para além do referencial curricular, de modo a entender aquilo que realmente toca o professor e o sensibiliza, e isso está imbricado às suas experiências, ao que vivencia no cotidiano da sala de aula, não diretamente aos documentos curriculares.

Perceber isso modificou minha relação com o saber, pois aquilo que, aparentemente, estava nítido e claro nas certezas começou a embaçar-se nas dúvidas e inquietações com o objeto de pesquisa. Penso que, desde então, comecei a entender o que representa a constituição de ser pesquisador.

Assim, aberta a novos sentidos, impregnei-me na leitura do material empírico acerca dos discursos realizados pelos professores. Transcorridos quatro meses após a aplicação do instrumento de pesquisa semiestruturado e do balanço de saber, e já iniciado o processo de interpretação dos dados, senti necessidade de ampliar as possibilidades de percepções, especialmente no que se refere aos sentidos atribuídos aos referenciais curriculares, objeto de estudo da pesquisa.

Por esse motivo, elenquei os professores que disponibilizaram seus contatos no dia da aplicação dos instrumentos, e os convidei para participarem de um Grupo Focal, com objetivo de dar continuidade às reflexões sobre os referenciais curriculares e as práticas de sala de aula. Ressalto, novamente, que foram convidados 30 professores, porém 8 confirmaram presença e compareceram ao encontro.

O convite aos professores foi elaborado com a seguinte proposta:

Quadro 4 - Convite para encontro de Grupo Focal

Prezado(a) professor(a),

Você está convidado(a) a refletir e a dialogar sobre a temática “Relação do docente com o saber: sentidos atribuídos aos referenciais curriculares de Língua Portuguesa, às práticas de ensino e de sala de aula.

Data: 18/04/2019 Horário: 19h30min

Local: Universidade de Caxias do Sul Mediadora: Carla Roberta Sasset Zanette Fonte: elaborado pela autora.

Antes de iniciar o debate, apresentei-me como mediadora do grupo. Em seguida, expliquei o propósito do encontro e as combinações pertinentes à modalidade que constitui o Grupo Focal23, ressaltando que o tempo máximo de duração seria duas horas. Após, solicitei que assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido24 (Apêndice E), evidenciando que os discursos seriam gravados para fins de pesquisa, porém os dados e os resultados individuais da pesquisa estariam sob sigilo ético, não sendo mencionados os nomes dos/das participantes. Importante destacar que, embora nas análises apareça referência nominal para os docentes, essa representa um codinome, na intenção de preservar a identidade dos entrevistados.

A temática que desencadeou o debate foi motivada pela tirinha que segue.

23 As temáticas desenvolvidas no Grupo Focal encontram-se no Apêndice Ddesta investigação. 24 Os professores que participaram do instrumento de pesquisa semiestruturado, do balanço de

saber e do grupo focal assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme descritos nos Apêndices E e F.

Figura 19 -Tirinha

Fonte: https://www.facebook.com/tirasarmandinho/

A partir da leitura, foi proposta a primeira temática, cujas problematizações versaram sobre o sentido do ensino de Língua Portuguesa no contexto de uma sociedade contemporânea, bem como sobre as práticas de sala de aula. Por conseguinte, duas perguntas foram elaboradas sob essa perspectiva.

Quadro 5 - Práticas de sala de aula

a) Observando a sua trajetória em escola pública e o contexto da sociedade contemporânea, o que você ensina em Língua Portuguesa? Como você decide o que é importante ensinar? Fale sobre suas práticas de sala de aula.

b) Em que medida aquilo que você ensina contribui para ajudar os adolescentes e jovens a aprender e a compreender o mundo?

Fonte: elaborado pela autora

Após esgotarem os discursos referentes às problematizações anteriores, em que os professores dialogaram e manifestaram seus pontos de vista, foi explicitada a segunda temática, que se relacionou, mais especificamente, com os sentidos atribuídos aos referenciais curriculares de Língua Portuguesa implementados na RME de Caxias do Sul. Outras duas perguntas impulsionaram o debate.

Quadro 6 - Sentidos atribuídos aos Referenciais Curriculares de Língua Portuguesa

a) Você participou da escrita dos Referenciais de Língua Portuguesa? De que forma?

b) Os referenciais curriculares originam os planos de estudo e os planos trabalho, os quais os professores elaboram periodicamente. Qual é o sentido desses documentos para você? Por que você os faz?

O tempo de duração do encontro foi de, aproximadamente, uma hora e cinquenta minutos. As narrativas verbalizadas foram gravadas e transcritas, posteriormente, para fins de análise e interpretação dos dados.

As imagens a seguir retratam o momento vivenciado no encontro.

Figura 20 – Reuniões do Grupo Focal