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Toda a liberdade que Israel ganhara se devia ao amor leal (hesed — 15.13) que Javé tinha para com seu povo. Outros povos ouviam e tremiam, mas o povo de Deus, ao qual ele comprara (qãnâh — 15.16), viu a “salvação do Se n h o r”

(yesu at Y H W H— 14.13). A manipulação humana foi claramente excluída; era o “livramento” da parte de Deus (3.8; 6.6). Era o “parente-resgatador” de Israel (gô’el — 6.6) que, com milagres e “braço estendido” tomou-os e chamou-os “meu povo” (6.7).

O significado deste evento já fora m anifesto na cerim ônia da Páscoa, cele­ brada durante a últim a noite de Israel no Egito. Aquele rito deveria ser cele­ brado anualmente, acom panhado da explicação autorizada dada em Êxodo 13.14-16. Vocês devem dizer — foi a explicação — a gerações posteriores que “o Se n h o r matou todos os prim ogênitos na terra do Egito, tanto dos

hom ens com o dos anim ais; por isso, sacrifico ao Se n h o r todos os prim eiros

anim ais m achos a saírem do ventre, e resgato (pãdâh) todo prim ogênito de meus filhos” (v. 15).

Assim foi Israel constituído com o “povo”. De fato, Êxodo 12.3 chama Israel de “comunidade” (‘êdâh) pela primeira vez, ao com eçar o preparo da refeição da Páscoa em cada família. Abraão se tornara numeroso; de fato, ele agora veio a ser grande nação, e os dois grandes atos redentores da parte de Deus, a Páscoa e o êxodo, sublinharam a realidade desta nova realização.

A posição de Israel com o “propriedade exclusiva” de Deus (següllâh— 19.5) era o mais surpreendente de tudo. O que, afinal, fez com que Israel fosse tão valioso, e o que exatamente significava a expressão? O significado deste termo especial foi elucidado por Moshe Greenberg, que indicou seu equivalente aca- diano, sikiltum3, e por C. Virolleaud, que notou o ugarítico sglt, por ele tradu­ zido como “proprieté” [propriedade]4. A raiz básica deste term o era sakãlum,

“separar uma coisa ou uma possessão”. Era o oposto de bens imóveis tais com o terras, casas e fazendas, que não podiam ser movidos. O fg ü llâh de Deus, por sua vez, era seu tesouro móvel. O valor de Israel, portanto, baseava-se no amor e na afeição que Deus dedicava a ele. Israel se tornou sua propriedade, o objeto de sua afeição.

Mais tarde, em Deuteronômio, Israel tam bém foi chamado “santo” (qãdôs)

além de ser a “propriedade exclusiva”. Estas passagens, porém, sempre se vin­ culavam com o conceito do “povo” ('am — D t 7.6; 14.2; 26.18,19; sem foú llâ h

— 14.21; 28.9); assim sendo, a mesma verdade foi conservada: Israel tinha de ser o tesouro distintivo (“exclusivo” ou “peculiar”) de Deus, separado para um propósito específico.

Com isto, temos um quarto term o novo para referir-se à situação de Israel perante um Deus que o escolhera e chamara, não individualmente, e, sim, cole­ tivamente, dando o significado completo à sua condição de povo e de nação. Todo o conceito pode ser reduzido a uma simples frase: “Eu vos tomarei por meu povo” (Êx 6.7). Esta afirmação tornou-se a segunda parte da fórmula trí­ plice do plano da promessa de Deus: “E serei vosso Deus e vós sereis meu povo”. Só faltava a terceira parte: “E habitarei no m eio de vós”. Esta parte chegaria logo.

Quem, porém, era este Deus, e quem poderia ser comparado a ele (15.11)? Moisés e M iriã já celebraram a resposta, por ocasião da libertação no mar Vermelho, em cântico que exaltava a incomparável grandeza de Deus. O livra­ mento que ele operou ao salvar os israelitas do Egito (15.1-12), tam bém assi­ nalando sua futura ajuda na entrada do povo em Canaã (v. 13-18), deixou bem clara sua indiscutível soberania sobre os homens, as nações e a natureza: “O

S e n h o r reinará eterna e perpetuamente” (v. 1 8 ).

Poucas passagens são mais essenciais para a análise do nom e e caráter de Deus do que Êxodo 6.2-8.5 A distinção entre sua aparição aos patriarcas com o

El Shaddai e sua presente manifestação a Moisés com o Javé (Y H W H ) continua sendo fonte de debates e conjecturas entre os estudiosos. É certo que os patriar­ cas não ficaram sem, conhecim ento algum do nom e “Javé”, porquanto apareceu

3. Moshe Greenberg. “Hebrew s ’g ú l l a : Akkadian s i k i l t u”, Journal o f the American Oriental Society 71 (1951): 172ss.

4. Conforme citado por Moshe Weinfeld, “The Covenant of Grant in the Old Testament and the Ancient Near East”. Journal o f the American Oriental Society 90 (1970): 195, n. 103.

5. Ver Walter C. Kaiser Jr., “Name”, Zondervan Pictorial Encyclopedia o f the Bible, 5 vol., Grand Rapids: Zondervan, 1975,4:364.

no registro de Gênesis bem mais do que uma centena de vezes. O que Êxodo 6.3 ressaltou foram os dois verbos reflexivos, w ã’erã’ ("apareci”) e nôda’ti (“não me fiz conhecido”), e a preposição hebraica be (“como”) antes de El Shaddai, e, por implicação, antes de Javé.

Esta preposição, conhecida tecnicam ente com o bêth essentiae, deve ser tra­ duzida por “com o”, significando que “Deus se mostrou a Abraão, a Isaque e a Jacó no caráter de (i.e., com os atributos intrínseco ao nome de) El Shaddai;

contudo, no caráter do meu nom e Javé não me fiz conhecido deles”. O nome, portanto, revelava o caráter, as qualidades, os atributos e a essência da pessoa assim designada.

Esta análise de Êxodo 6.3 pode ser confirmada por um exame de 3.13. Quando Deus prometeu que acompanharia Moisés quando este estivesse diante do faraó e do povo, Moisés perguntou: “Quando eu for aos israelitas e lhes disser: ‘O Deus de vossos pais me enviou a vós’, e eles me perguntarem: ‘Qual é o nom e dele?’, que lhes direi?”.

Conform e M artin Buber6 e outros já notaram, o interrogativo “que?” deve ser distinguido de “quem?” (mi). Esta palavra só pedia o título ou designação da pessoa, enquanto mâh, especialmente se ligada à palavra “nome”, procurava saber as qualidades, caráter, potências, e capacidades que residiam no nome.

Assim sendo, a resposta voltou claramente. Seu nom e era: “Eu So u me enviou a vós” (3.14). Não era tanto uma designação ontológica ou noção estática de ser (p. ex., “Sou o que sou”); antes, era a promessa de uma presença dinâmica e ativa. Assim como Deus se revelara aos patriarcas no controle sobrenatural da natureza, agora Moisés e Israel, filho de Javé, conheceriam sua presença numa experiência do dia a dia, com o nunca fora conhecida. Posteriormente, em Deuteronôm io, isto se desenvolveria em toda uma teologia de nomes. O nome passou a representar a presença do próprio Deus, em vez da m era experiência dos efeitos de sua presença.