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O tem or do Senhor, mais do que qualquer outra expressão, vinculava a pro­ messa patriarcal à lei e à sabedoria. Hans Walter W olff argumentou a favor deste mesmo fato, ao menos para aquela revelação, com base em seu ponto de vista quanto às fontes, quando observou que “a palavra normativa de Deus pronun­ ciada no monte Sinai diante de todo Israel dirige-se ao mesmo propósito que ele estabeleceu para os patriarcas: o temor a Deus, que produzia obediência pela confiança na promessa de Deus (Gn 2 2 )” 10.

Wolff, em seguida, buscou em alguns materiais patriarcais e m osaicos aquilo que julgava ser um dos temas dominantes: “o tem or a Deus”. Surgiu na era patriarcal com o a resposta da fé obediente de Abraão em Gênesis 22.12, quando ele se dispôs a oferecer seu filho Isaque a Deus; na resposta da fé dada por José (42.18); e especialmente na qualidade de vida, divinamente aprovada, eviden­ ciada por Jó (1.1,8-9; 2.3).

Na era mosaica, aumentou-se a visibilidade do temor a Deus. As parteiras estavam entre as pessoas que temiam a Deus (Êx 1.17). Desse modo, “o povo aumentou e se tornou muito forte” (v. 20), e as famílias das parteiras prospera­ ram — e, mais uma vez, o texto sublinhava a razão — “porque as parteiras tem e­ ram a Deus” (v. 21). Assim tam bém Israel tem ia a Deus no Êxodo (Êx 14.31); de fato, caso aquele tem or sempre ficasse com eles, não pecariam (20.20). Uma vez que o Senhor era Deus de Israel, os israelitas sempre deveriam tem ê-lo (Lv 19.14,32; 25.17,36,43) e, assim, viver.

Foi, porém, o livro de Deuteronôm io que fez com que o tem or ao Senhor se tornasse um ponto focal de atenção (4.10; 5.29; 6.2,13,24; 8.6; 10.12,20; 13.4; 14.23; 17.19; 28.58; 31.12-13). Este tem or não era sentim ento artificialmente produzido de pavor numinoso; era, pelo contrário, o resultado de ouvir, apren­ der e responder à Palavra de Deus (4.10; 8.6). Em Deuteronôm io, o tem or ao Senhor andava lado a lado com o “guardar seus mandamentos”, “andar após ele”, “servi-lo”, “amá-lo”, e “apegar-se a ele” (cf. esp. 10.12-13; 13.5). Portanto, tem ê-lo era amá-lo, apegar-se a ele, e servi-lo (10.20; 13.4-5).

Temer a Javé era entregar-se a Javé pela fé, assim como fizeram alguns dos egípcios (Êx 9.20,30; cf. a “mistura de pessoas” que deixou o Egito com Israel em 12.38). Além disto, Salomão não tinha orado por “todos os povos da terra” que viriam a conhecer seu nom e e tem ê-lo em lR s 8.43?

Era necessário, no entanto, aprender como tem er a Javé (D t 4.10; 14.23; 17.19; 31.12-13; SI 34.11). Este tem or era princípio orientador para todos os aspectos da vida e “todos os dias que viverem na terra” (Dt 4.10; 5.29; 14.23; 31.13;

10. Hans Walter Wolff, The Vitality o fO ld Testament Traditions, ed. W alter Brueggemann e Hans W. Wolff. Atlanta: John Knox Press, 1975, p. 75.

Pv 2 3 .1 7 ) .11 Incluía a obediência, o amor, a lealdade e a adoração do crente, conform e a conclusão tirada por R. N. Whybray12. Foi o que Obadias disse a Elias: “Mas eu, teu servo, temo o Se n h o r desde a m inha juventude” (lR s 1 8 .1 2 ).

Quando chegamos aos livros e salmos de sabedoria, vemos que o tem or ao Senhor já se tornou a essência do conhecim ento e sabedoria divinos. Embora esta expressão tenha ocorrido pouco mais do que duas dúzias de vezes, além das formas com sufixos (tais com o “teu tem or”) ou as declarações verbais, suas loca­ lizações muitas vezes são estratégicas e frequentemente serviam com o o propó­ sito inteiro para escrever alguns destes livros. Em Provérbios 1.7, servia de lema do livro inteiro, enquanto em Eclesiastes 12.13-14 funcionava como resumo total do argumento do livro inteiro (cf. também Ec 7.18; 8.12). Semelhantemente, em Jó 28.28 formava o clím ax dramático do poema inteiro sobre a sabedoria; este poema, por sua vez, era o âmago de todo o debate tempestuoso. Em vez de considerar Jó 28 com o interrupção interposta no fluxo do argumento entre Jó e os seus amigos, devemos reconhecer que era a tentativa do escritor no sentido de dar aos seus leitores uma perspectiva revelatória em meio a tanta conversa desprovida de sabedoria divina. Assim, em três dos quatro livros sapienciais, o tem or a Deus/ao Senhor era de im portância crítica para entendê-los.

O “tem or ao Senhor”, além de surgir com o lema do livro de Provérbios, ocorre treze vezes neste Livro: 1.29; 2.5; 8.13; 9.10; 10.27; 14.26-27; 15.16,33; 16.6; 19.23; 22.4; e 23.17. Ademais, devemos tam bém considerar as formas ver­ bais em 3.7; 14.2; 24.21; e 31.30.

Este tem or era o “princípio” (rêsit, 1.7) do conhecimento, o “primeiro prin­ cípio” (fh illâh , 9.10) da sabedoria. Quando os homens estavam em relaciona­ m ento correto com Deus, seu relacionamento era apropriado para entenderem as coisas e o próprio mundo.

Quando os hom ens tem iam ao Senhor, tam bém evitavam o mal (Sl 34.11,14; Jó 1.1,8; 2.3; 28.28). De fato, odiavam o m al (Pv 3.7; 16.6) e, pelo contrário, andavam na retidão (14.2) e não na perversidade (16.17). Os resultados deste tipo de vida eram o aumento da duração de vida (10.27); o aumento das rique­ zas e da honra (22.4); e segurança e proteção (14.26; 19.23). A conexão da bem -aventurança e da qualidade de uma vida santa com o tem or a Deus não era acidental.

Os crentes que temiam a Deu^ facilmente se distinguiam dos seus opostos em Salmos também. Eram pessoas dedicadas e justas na congregação do Senhor (Sl 34.7,9; assim acontecia também nos salmos não sapienciais, tais como 25.12,14; 33.18; 103.11,13,17; 145.19). Guardam a le i de Deus e nela meditam de dia e de

11. Ver a discussão de Weinfeld sobre o “tem or de Deus”, em “W isdom Substrata”, p. 274-281; Gerhard von Rad, Wisdom in Israel. Nashville: Abingdon, 1972, p. 65-73; Bernard J. Bamberger, “Fear and Love o f God in the Old Testament”, Hebrew Union College Annual 6 (1929): 39-53.

noite (19.7-14; 112.1; 119.33-38,57-64). Louvam o nome de Javé (22.22-23) e o favor do Senhor repousa sobre eles (33.18; 103.13; 147.11).

O autor de Eclesiastes também contribuiu para ensinar algo semelhante: Deus fizera o hom em de tal maneira que, sem um conhecim ento pessoal do Deus vivo (i.e., o temor a ele), tudo o mais seria insípido (Ec 3.14). Tudo, porém, iria bem para aqueles que temessem a Deus (8.12), e se sairiam vitoriosos depois de se terem apegado à verdadeira sabedoria, rejeitando o mal (7.18). A própria adoração destes homens refletiria sua situação de tementes a Deus (5.1-7). Esta, de fato, era a integralidade e totalidade dos hom ens e mulheres: tem er a Deus e guardar seus mandamentos. Foi este o propósito inteiro da redação do livro de Eclesiastes (12.13).

Pode-se dizer, portanto, em plena confiança, que o tem or ao Senhor era o conceito dominante e princípio teológico organizador na literatura sapiencial. Era a resposta da fé à palavra divina da promessa e da bênção, exatamente como funcionara nos dias de Abraão e Moisés.

Aqui havia, no entanto, muito mais do que apenas uma resposta de fé, crença, obediência e adoração. Era o modo de entrar no entendimento e gozo de todas as coisas criadas.13 Uma das bênçãos de Deus era sua obra de criação; esta tam bém fazia parte de sua obra na história! É verdade que aquela não tinha relacionamento direto com o processo redentor em Israel, mas, mesmo assim, era uma das suas palavras e obras de bênção — em todos os sentidos da palavra: uma dádiva graciosa à humanidade. E a própria sabedoria mediante a qual ele originalmente criara o mundo, agora oferecia aos homens e mulheres com o sua sabedoria. Sem aquela sabedoria, a humanidade ficaria destituída de liderança eficaz, indo para a falência quanto à sua apreciação ou apreensão de Deus, dos homens e das coisas; de fato, a própria vida perderia o sentido, e ficaria isenta de satisfação e alegria. Quando, porém, o tem or ao Senhor guia os homens pelo caminho, então a vida é uma bênção de Deus.