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A promessa da terra de Canaã, feita a Abraão, Isaque, Jacó e sua descendência, continuava presente em todas essas narrativas com o o segundo dos três temas principais (12.1,7; 13.15,17; 15.7-8,18; 17.8; 24.7; 26.3-5 (pl. “terras”); 28.13-14; 35.12; 48.4; 50.24; e, posteriormente, reafirmado em Êx 3.8,17; 6.6; 23.23,24, no total de cerca de vinte ocorrências).

Gênesis 15.18 deu a descrição da terra, dizendo que as suas fronteiras se estendiam “desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates”. Gênesis 17.1-8 enfa­ tizava que a terra seria “propriedade perpétua”. E Gênesis 15.1-21 explicou que o patriarca possuiria a palavra prometida relacionada à terra, mas apenas provaria um pouco da realidade de estar pessoalmente na terra, porque a plena realidade seria protelada até à “quarta geração”, depois de estivesse completa “a medida da maldade dos amorreus” (v. 16).

A partir do primeiríssim o momento da chamada que Deus dirigiu a Abraão, ele falava da “terra” ou “país” para onde haveria de enviar o patriarca (12.1). Albrecht Alt errou ao rejeitar a promessa da terra como parte autêntica da promessa patriarcal.8 Semelhantemente, Gerhard von Rad não tinha funda­ mentação ao negar que a entrada das doze tribos na terra fosse precisamente a mesma visão que os patriarcas tinham .9 Somente M artin Noth concedeu que a promessa da terra e a promessa de uma semente faziam parte da religião patriarcal.10 A fidelidade à mensagem do texto, na forma canônica que chegou até nós, exige que ambas as promessas sejam tratadas como partes igualmente autênticas e necessárias da mensagem de Deus aos patriarcas.

A solenização desta oferta de terra ocorreu na chamada aliança dos peda­ ços (15.7-21). Abraão, obedecendo às instruções dadas por Javé, tomou vários animais sacrificiais e dividiu cada um em dois pedaços. Depois do pôr-do-sol, “surgiu um fogo fumegante e uma tocha de fogo que passaram entre aquelas metades” (v. 17), e Javé fez aliança que concedia aquela terra inteira a Abraão e à sua semente.

Esta bênção material ou temporal não deveria ser separada à força dos aspec­ tos espirituais da grande promessa de Deus. Nem deveria ser espiritualizada

8. Albrecht Alt, “The God of the Fathers”, Essays on Old Testament History and Religion, trad. R. A. Wilson. Garden City: Doubleday, 1968, p. 83-84.

9. Gerhard von Rad, Old Testament Theology. Londres: Oliver and Boyd, 1962, 1:168-170 [publicado em português com o título Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: ASTE/Targumim, 2007].

10. Martin Noth, A History o f Pentateuchal Traditions, trad. B. W. Anderson. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1972, p. 54-58, 79-115, 147-156.

ou transmutada para tipificar a Canaã celestial da qual a Canaã terrestre seria apenas modelo. O texto era enfático, especialmente o capítulo 17, ao declarar que a aliança haveria de ser eterna. Já em Gênesis 13.15, porém, o oferecimento da totalidade daquela terra foi feito a Abraão “para sempre”. E, quando Abraão tinha noventa e nove anos, a promessa foi transformada em “aliança perpé­ tua” (ífrít ‘ôlãm — 17.7,13,19), e a terra haveria de ser “propriedade perpétua”

h u zzat ‘ôlãm — 17.8; e tam bém 48.4). A palavra ‘ôlãm, “perpétuo”, “eterno”, tem de acrescentar algo mais ao substantivo que acompanha, porque, no caso de uma aliança, já havia forte senso de perpetuidade.11

As promessas ancestrais foram cumpridas pela colonização posterior da terra feita sob o comando de Josué. Esta, por sua vez, veio a ser sinal ou penhor da futura concessão completa da terra, assim com o as ocupações anteriores foram simultaneamente reconhecidas como “exposições, confirm ações e expansões da promessa”12. Desse modo, mesmo a ocupação da terra por Josué não esgotou a promessa quanto a esta terra com o lugar escolhido por Javé para seu povo. Isso porque, assim com o a promessa de um filho fora expandida para abranger naquela filiação todos os descendentes do patriarca, também ocorreu “transbor- damento” na promessa da terra, desde a época da ocupação da terra por Josué até o dia em que Deus trouxe Israel de volta do exílio.

Um legado

O terceiro elemento na promessa era culminante: Abraão, e cada filho sucessivo da promessa, teria de ser a fonte de bênçãos; de fato, seriam a pedra de toque da bênção para todos os outros povos. Todas as nações da terra seriam abençoadas por eles, porque cada um deles era o mediador de vida para as nações (quanto a Abraão — 12.3; 18.18; 22.17-18; quanto a Isaque — 26.3-4; e quanto a Jacó - 2 8 .1 3 - 1 4 ) .

Mais tarde, o apóstolo Paulo destacaria esta frase (“todas as famílias da terra serão abençoadas por meio de ti”, Gn 12.3), declarando que era o mesmo “evangelho” que ele pregava. Em palavras simples, as boas novas eram: “Em ti [na semente prometida] serão abençoadas todas as nações” (G1 3.8). Assim, o embrião das boas novas da parte de Deus podia ser reduzido à palavra-chave “bênção”. Aquele que fora abençoado agora levaria a efeito bênçãos de propor­ ções universais. Em contraste com as nações que Buscavam um “nome” para elas mesmas, Deus fez de Abraão um grande nome a fim de que pudesse ser o meio de bênçãos para todas as nações.

11. Ver os estudos um tanto insatisfatórios de E. Jenni, “Das Wort (ólãm in AT” Zeitschrift fü r die alttesta- mentliche Wissenschaft 84 (1952): 197-248; idem, “Time” Interpreters Dictionary o fth e Bible, 4 vol. Nashville: Abingdon, 1964,4:644; James Barr, Biblical W ordsfor Time. Naperville: Allensons, 1962, p. 69, n. 1.

12. Jürgen Moltmann, Theology ofH ope, Nova Iorque: Harper & Row, 1965, p. 105 [publicado em português com o título Teologia da Esperança. São Paulo: Herder, 1971].

Pode-se perguntar: com o as nações receberiam esta bênção através de Abraão ou de qualquer dos seus filhos sucessivos? O método terá de ser o mesmo apli­ cado a Abraão. Seria mediante a fé: “E Abrão creu no Se n h o r; e o Se n h o r

atribuiu-lhe isso com o justiça” (Gn 15.6).

A tradução literal de Gênesis 15.6 é simplesmente: “ele creu em Javé” (he’emm ha Y H W H). Isto, naturalmente, era mais do que um vago assentimento intelec­ tual à existência de uma deidade suprema, por meio da qual ele se tornou teísta. O objeto da sua fé tinha de ser encontrado no conteúdo integral da promessa. Nesta promessa, a primazia deve ser dada à parte primeira, mais antiga e central dela: a pessoa do hom em da promessa, o descendente masculino que surgiria da semente (3.15). Tanto é assim que, quando Deus se encontrou com Abraão pela primeira vez, o assunto de filhos não foi especificamente incluído, mas inferido (12.1-3), pois a prim eira oração prometeu fazer de Abraão uma grande nação. Sua confiança, portanto, estava no Senhor — mas, especificamente, no Senhor que prometera.

Vale a pena atentar para o resumo proposto por Conrad von Orelli no tocante à ligação entre Abraão e a fé das nações:

Como o próprio Abraão, em virtude do seu relacionamento especial