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O espírito e a teologia de Deuteronôm io se estenderam muito além dos lim i­ tes dos dias finais da era de Moisés, e até além dos limites de uma única obra. Deuteronômio serviu não apenas como desfecho à Torá, mas também como introdução à maioria, se não à totalidade, dos profetas anteriores: Josué, Juizes, Samuel, Reis — também chamados de livros históricos. M artin Noth conside­ rava Deuteronômio até 2Reis uma obra original que se propunha a escrever am a história de Israel, desde Moisés até ao exílio, interpretando-a do ponto de vista da teologia.1 Esta interpretação foi uma das contribuições mais perspicazes

i o s estudos de Antigo Testamento no século X X . Definir se foi a obra de um ?ò autor que escreveu a maior parte de Josué— 2Reis,_depois de se passarem as sombras da queda de Samaria em 721 a.C. e da queda de Jerusalém em 586 a.C., e outro assunto. Pouquíssimo debate, porém, pode existir quanto à motivação :eológica básica e tonalidade profética geral desses livros.

Deuteronômio, em grande parte, consiste dos últimos sermões de Moisés.

A ssim , esses capítulos dão desfecho não apenas à vida e m inistério de Moisés,

—as também à Torá como um todo. A ênfase do livro não é tanto “a segunda d l conforme o denominou a Septuaginta (incorretamente, com base nas pala­ vras de Deuteronômio 17.18); antes, é destacada a graça de Deus a despeito da

"trínseca inclinação da nação para a pecaminosidade.

O livro, em diversos sentidos, antecipou os benefícios da nova aliança, -zòretudo em 30.1-14, que se resume no versículo 6: “O Se n h o r, teu Deus, ;ircuncidará o teu coração, e o coração da tua descendência, a fim de que ames

: Se n h o r, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a alma, para que vivas”.

Martin Noth, Überlieferungsgeschichtliche Studien 1: Die sammelnden under bearbeitenden Geschichtswerke 'A íten Testament. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1943.

A persistente recusa israelita de obedecer a Deus não será a última palavra; é a graça de Deus e a circuncisão dos corações que será a última palavra da história.

Deuteronôm io tam bém reflete o padrão dos tratados entre o rei e seus súditos, como era com um no O riente Próximo, no segundo milênio antes de Cristo. O padrão típico, peculiar aos tratados dé meados do segundo milênio a.C., envolvia as seguintes partes, que correspondem ao desenvolvimento do conteúdo de Deuteronômio:

Preâmbulo ou introdução (D t 1.1-5)

R ecap itulação h istó rica dos relacion am en tos passados entre as partes (1.6—4.49)

As estipulações básicas (5.1— 26.19)

As sanções na forma de bênçãos e maldições (27.1—30.20) As testemunhas do tratado (32.1-47)

O meio de leitura e armazenamento do tratado (31.1-30; 32.48— 34.12) Conquanto haja grandes semelhanças entre as formas do Antigo Oriente Próximo e o livro de Deuteronômio, a estrutura tam bém mostra certa inde­ pendência em relação ao padrão clássico. Moisés, no entanto, aparentemente escreveu o livro tendo em mente o padrão de tratado/pacto, a fim de que tanto a estrutura do livro quanto as reiteradas exortações constantemente levassem o povo de volta ao conteúdo do próprio pacto.

Pode-se ver onipresente o estreito relacionam ento entre D euteronôm io e os livros de Josué— 2Reis, que os estudiosos se deleitam em cham ar obra do historiador deuteronôm ico. O lugar de prim azia entre estas semelhanças é ocupado pela fraseologia deuteronôm ica alistada por M oshe W einfeld2 com muitos porm enores.

Além da influência de linguagem e estilo, Deuteronômio contribuiu com a tradição teológica básica do Antigo Testamento. Segundo Gordon J. W enham 3, os livros de Deuteronôm io e Josué são vinculados teologicamente por cinco leit- motifs (razões básicas ou temas recorrentes): (1) a guerra santa da conquista; (2) a distribuição da terra; (3) a unidade de todo o Israel; (4) Josué com o sucessor de Moisés; e (5) a aliança. Cada um destes cinco temas apareceu no primeiro capítulo de Josué: guerra santa (v. 2,5,9,11,14); a terra (v. 3-4,15); a unidade de Israel (v. 12-16); o papel de Josué (v. 1-2,5,17); e a aliança (v. 3, 7-8,13,17-18).4

Ainda há mais. Nesses livros, a tradição da aliança abraâmico-davídica será vinculada à aliança sinaítico-mosaica. Por exemplo, Davi e seu sucessor reco­

2. Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic School, Oxford: Clarendon Press, 1972, apêndice A, p. 320-359. Ver também a lista de S. R. Driver, A Criticai and Exegetical Commentary on Deuteronomy., Nova Iorque: Charles Scribners Sons, 1916, lxxviii-lxxxiv.

3. Gordon J. Wenham, “The Deuteronomic Theology of the Book of Joshua”, Journal o f Bíblical Literature 90 (1971): 140-148.

nheceram a sua obrigação de obedecer à “lei de Moisés”, de guardar os estatutos, mandamentos e ordenanças de Deus ali escritos, a fim de que prosperassem em todas as suas atividades e fossem estabelecidos (lR s 2.1-4; 9.4-5). De fato, Salomão apelava livremente à obra antiga de Deus no Êxodo e à dádiva prome­ tida da terra àquela geração (8.16,20,34,36,53).

Uma das preocupações mais imediatas, porém, vinculando as tradições patriarcais e mosaicas aos profetas anteriores de Josué—2Reis, era a freqüente referência ao local que Javé escolheria, ou já tinha escolhido, para a habitação de seu nome. Estreitamente vinculado a este conceito, havia o tema do “descanso” — a “herança” que seria a possessão de Israel ao entrar na terra. Estas duas ênfases surgem com o os temas teológicos dominantes na era pré-monárquica.

A teologia dos profetas anteriores, no entanto, é mais do que m era coleção de temas deuteronômicos. Para os profetas anteriores, havia, conform e Dennis J. M cCarthy já indicou5, três declarações programáticas que dominavam tanto a história quanto a teologia desde o êxodo até ao exílio: Deuteronôm io 31, Josué 23, e 2Samuel 7. Estas três passagens surgiram de três dos m omentos mais des­ gastados em ocionalmente na história de Israel: o cântico final de Moisés (Dt 31), o discurso final de Josué (Js 23) e a inesperada declaração divina feita a Davi quando ele planejava construir a casa de Deus (2Sm 7). Estas declarações- -chaves sublinhavam a ênfase profética nas bocas dos porta-vozes de Deus para os momentos mais cruciais na história e teologia de Israel.

Seis outras passagens, contudo, deram seqüência a essas três declarações programáticas, com discursos bem colocados pelos principais atores daquela história (Js 1.11-15; ISm 12; lR s 8.14-61), ou a avaliação e resumo daqueles tempos feitos pelo próprio escritor (Js 12; Jz 2.11-23; 2Rs 17.7-23). Na realidade, duas passagens eram combinadas com cada um dos três textos programáticos. O padrão resultante foi o seguinte:

I. Deuteronôm io 31 A. Josué 1 B. Josué 12 II. Josué 23 A. Juizes 2.11-23 B. 1 Samuel 12 III. 2Samuel 7 A. IReis 8 B. 2Reis 17

5. Dennis J. McCarthy, “II Samuel 7 and the Structure of the Deuteronomic History”, Journal o f Biblical Literature 84 (1965): 131-138.

Em bora esta estrutura nos ajude a compreender o plano teológico global nos profetas anteriores (Josué— 2Reis), não pode formar todo o progresso da teologia para a totalidade da história subsequente de Israel, do êxodo até ao exílio — muito se negligenciaria, p. ex., a teologia sapiencial e os profetas posteriores. Sua adoção aqui não diminui o tema já descoberto nas eras pré- patriarcal, patriarcal ou mosaica — o plano da promessa de Deus. O tema de ambos os discursos de despedida, pronunciados por dois dos maiores líderes de Israel, Moisés e Josué, centralizava-se no cumprimento momentâneo daquela promessa anunciada desde a antiguidade: uma terra, um descanso, e um local escolhido por Javé (D t 31.2-3,5,7,11,20,23; Js 23.1,4,5,13,15). Estes três aspectos dominaram a transição da era m osaica para a era pré-monárquica.