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O que Deus prometera a Davi não era um tema totalmente novo, sem relacio­ namento com suas bênçãos anteriores do plano da promessa. Já existira um longo desenvolvimento teológico que poderia permear e contribuir à aliança

17. Moshe Weinfeld, “The Covenant o f Grant in the Old Testament and in the A ncient Near East”, Journal o f the American Oriental Society 90 (1970): 194.

com Davi. Entre os temas familiares conhecidos a Davi, passados em revista nesta palavra dirigida a ele em 2Samuel 7, havia:

1. “Agora te tornarei famoso” (2Sm 7.9; cf. Gn 12.2, etc).

2. “Também estabelecerei o meu povo Israel num lugar e ali o plantarei” (2Sm 7.10; cf. Gn 15.18; D t 11.24-25; Js 1.4-5).

3. “Providenciarei um sucessor dá tua descendência” (2Sm 7.12; cf. Gn 17.7-10,19).

4. “Ele será meu filho” (2Sm 7.14; cf. Êx 4.22).

5. “Eu serei o teu Deus e tu serás meu povo” (2Sm 7.23-24; cf. Gn 17.7-8; 28.21; Êx 6.7; 29.45; Lv 11.45; 22.33; 23.43; 25.38; 2 6 .1 2 ,4 4 -4 5 ; Nm 15.41; D t 4.20; 29.12-13, passim ).

6. A natureza singular de Deus (2Sm 7.22; cf. Êx 8.10; 9.14; 15.11; D t 33.26; Sl 18.31; 89.6, 8, passim).

7. A natureza singular de Israel (2Sm 7.22; cf. Êx 1.9; Nm 14.12; D t 1.28-31; 5.26; 7.17-19; 9.14; 11.23; 20.1; 33.29, passim ; e especialmente o verbo no plural em 2Sm 7.23: “Que outra nação na terra é semelhante a teu povo Israel, a quem tu, ó Deus, foste resgatar para ser teu povo?”, citação deliberada de D t 4.7-8, com a mesma peculiaridade gram atical).18 8. O emprego excepcional de “Adonai Javé” (2Sm 7.18-19 [2 vezes],22,28-

29), que não aparece outra vez em Samuel ou Crônicas. Provavelmente, o significado especial deste nome, que surge apenas cinco vezes antes disto, seja aquele captado por R. A. Carlson19. Ele notou que foi este o nome empregado quando Deus prometeu a Abraão uma “semente”, em Gênesis 15.2,8. Seu emprego repetido em 2Samuel 7 é por demais marcante para ser acidental.

Portanto, a bênção de Abraão foi continuada numa bênção de Davi:

“Agora, na tua vontade, abençoa a família do teu servo, para que subsista

para sempre diante de ti; pois tu, ó Senhor Deus, prometeste; e com a tua

bênção a família do teu servo será abençoada para sempre” (2Sm 7.29).

Quando, porém, Davi de repente entendeu aquilo que lhe fora dado nesta proposta alternativa, ficou completamente dominado pela gratidão. Sentindo

18. Para uma lista de vinte e quatro chamadas sem elhanças deuteronomísticas a 2Samuel 7, ver Frank M. Cross Jr., Canaanite Myth and Hebrew Epic.Cambridge: Harvard University Press, 1973, p. 252-254. 19. R. A. Carlson, David the Chosen King: A Traditio-Historical Approach to the Second B ook o f Samuel,trad. Eric Sharpe e Stanley Rudman. Estocolm o: Alm qvist & W iksell, 1964, p. 127. As outras cinco instâncias de “Adonai Javé” são Deuteronôm io 3.24; 9.26; Josué 7.7; Juizes 6.22; 16.28. N ote-se o conteúdo de promessa em cada oração. Em Reis, o nom e duplo só ocorre em IR eis 2.26; 8.53, enquanto “Adonai” aparece em 3.10,15; 22.6; 2Reis 7.6; 19.23.

a solenidade e a im portância do momento, entrou na presença de Deus, profe­ rindo uma oração que pode ser esboçada com o segue:

1. Gratidão pelo favor divino a ele agora (v. 18-21).

2. Louvores pela obra de Deus em prol de Israel no passado (v. 22-24). 3. Oração para que Deus cumprisse esta promessa no futuro (v. 25-29). O ponto alto da oração veio em 2Samuel 7.19, depois de Davi ter protes­ tado no versículo 18 que ele era pessoalmente indigno de honra tão grande e singular. Perguntou, de fato: “O que há de tão especial em mim? E o que há de tão especial em m inha família?”. A resposta que esperava era: “Nada!”. Sentia, obviamente, que a bênção da parte de Deus era incomparavelmente m aior do que qualquer coisa que merecesse. Depois, acrescentou no versículo 19a seu pasmo adicional: “E, com o se esta bênção [agora, para m im e m inha família] não bastasse na tua estimativa, Senhor Deus, tam bém estendeste a tua promessa com respeito à dinastia do teu servo para o futuro distante”.

Logo em seguida, no versículo 19b, surgiram as palavras u f z ’ôt tôrat hã’ãdãm

(“E esta é a leia para os homens”). Que tipo de frase é formado por estas pala­ vras? Era uma frase interrogativa, ou uma exclamação? Considerando o con ­ texto, e as formas paralelas de u f z ’ôt tôrat seguido por um genitivo no Antigo Testamento20, deve ter sido um tipo de exclamação. Nada mais se encaixaria na seqüência, ao juntar esta frase com os versículos 20 ss.

O que, pois, era “isto”? O antecedente teria de ser a substância do oráculo e não a m aneira ou o m odo pelo qual chegaram estas grandiosas palavras a Davi. O ponto central da questão não era que Davi perguntava: “É esta tua maneira usual em falar a homens tais como eu?” Uma interpretação deste tipo com eteria dois erros: (1) preferiria encarar estas palavras com o pergunta; e, pior, (2) insis­ tiria em traduzir a palavra “lei” (tôrâh) com sentidos inteiramente anômalos, tais com o “costume”, “maneira”, ou “estado”, conform e fazem as bíblias mais conhecidas em inglês (“Authorized Version”, “New American Standard Bible”, “New International Version” e “New English Bible”).21 Tais palavras, no entanto, servem para traduzir palavras hebraicas tais como: hõq, mispãt e gôrãl.

Conform e concluiu W illis J. Beecher, “‘isto’ deve significar, logicamente pelo contexto, a revelação mencionada na passagem que trata da semente’ de Abraão, Israel, e Davi, que existirá e reinará para sempre, filho de Javé, rei de Javé, e canal de bênçãos, da parte de Javé, para todas as nações”.22

20. Ver nosso artigo, “Blessing o f David”, p. 311.

21. Todavia, a tradução inglesa English Standard Version (ESV ) acertou, dizendo: “E isto é instrução para a humanidade, ó Senhor Deus”. Bruce K. Waltke com enta: “Walt Kaiser interpreta plausivelmente tôrat hã’ãdãm

(2Sm 7.19), na reação de Davi à aliança, com o ‘um a carta magna para a humanidade’ im pactando todas as nações” [An Old Testament Theology. Grand Rapids: Zondervan, 2007, p. 692 (em português, em breve, lançam ento de Edições Vida Nova)].

C. F. D. Erdmann argumentou, semelhantemente, que “deve ser o conteúdo

das palavras do Senhor acerca do futuro de sua casa que o comove, [...] não o fato de que o Senhor se condescende a ele [...], mas aquilo que ele agora fa lo u a ele [...] Este é o preceito ou torá divino [...] para as pobres criaturas humanas”23. Como, pois, deve-se entender a palavra tôrâh? Comumente, tôrâh é “instru­ ção, ensino”; deriva-se da raiz verbal yãrâh, “dirigir”, “ensinar”, “instruir”. Entre as duzentas e vinte ocorrências deste'substantivo no Antigo Testamento, é somente em dezessete casos que significa algo diferente da lei de Deus24.

A “lei do homem” (tôrat h ã’ãdãm) não pode ser traduzida por “lei de A dão”, visto que nenhuma referência a Adão ou a uma aliança feita com ele surge em qualquer outro lugar na era davídica. Nem se pode interpretar: “lei do H om em ”,

ou seja, do Senhor Deus, já que tal emprego da expressão não era conhecido até aqueles tempos. Nenhuma destas traduções servirá.

Uma vez que “isto” em 2Samuel 7.19b se refere ao conteúdo da promessa traçada com tanta paciência nas palavras de Natã, e uma vez que se sabia que esta promessa se estendia a “todas as nações da terra” já nas antigas revelações aos patriarcas, concluím os que a m elhor tradução é “esta é a carta magna para a humanidade”. É possível que H enri Cazelles25 tenha colocado seu dedo na expressão cognata exata, equivalente à “carta magna da humanidade” de Davi, quando, em 1958, indicou o termo acadiano têrit níse. Conform e sua tradução da frase acadiana, era um oráculo “que determina o destino dos hom ens”, ou: “o decreto acerca da humanidade em geral”.

É exatamente assim na nossa passagem! Davi, reconhecendo que acabara de receber uma dinastia, dom ínio e reino para todo o sempre, exclamou em gozo incontido: “E esta é a carta magna para toda a humanidade, ó Senhor Deus!”26. Dessa forma, o antigo plano da promessa de Deus haveria de continuar, agora incluindo um rei e um reino. Além disso, esta bênção abrangeria o futuro de toda a humanidade.