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Depois de o povo ter sido solenemente admoestado quanto à sua culpa por pedir a nomeação de um rei com base em seus princípios mundanos,

receberam licença para erguer um dentre eles ao trono [...] E, para tornar

manifesto a todos quantos tinham olhos para ver e ouvidos para ouvir

qual era o propósito divino quanto a isto, o Senhor permitiu que a esco­

lha recaísse em alguém que — como representante da sabedoria e proeza

mundanas do povo — estava pouco disposto a reinar em humilde sub­

missão à vontade e autoridade do Céu, e que seria, portanto, substituído

por alguém que agiria como representante de Deus, levando de maneira

distinta o nome de servo dele.7

Foi assim que Deus deliberadamente permitiu que a lição demonstrasse aos homens que somente Deus era o rei supremo; qualquer governo tinha de fun­ cionar sob a sua autoridade. Foi assim que a sorte caiu temporariamente sobre Benjam im (10.20) em vez de Judá. Saul era incomparável8 a todos os demais, porque somente ele, à exclusão de todo o restante, era o hom em que Deus esco­ lheu, segundo Samuel (v. 24). Sua estatura (v. 23) era sinal, mas foi sua eleição divina que realmente o fez incomparável.

Em última análise, não é sabido se Deus teria dado a Saul o “reino” que mais tarde seria conhecido como reino das dez tribos, subsequentemente separa­ das e dadas a Jeroboão, conservando apenas “uma tribo” (nota-se que Judá e Benjam im aqui eram considerados como um a só tribo!) para seu servo Davi,

7. Patrick Fairbairn, The Typology o f Scripture,2 vol. Grand Rapids: Zondervan, 1963, 1:121-22.

8. Para um a discussão desta fórmula de incomparabilidade, ver C. J. Labuschagne, The Incamparability o f Yahweh in the Old Testament.Leiden: E.J. Brill, 1966, p. 9-10.

a fim de que sempre tivesse uma “lâmpada” em Jerusalém, a cidade que Deus escolhera para ali colocar seu nome (IR s 11.33-37).9 Uma coisa é certa: Efraim sempre estava à procura de motivos para briga, e estava pronta a desafiar as demais tribos ou separar-se delas à m ínim a provocação durante todo o período dos juizes (Jz 8.1; 12.1). Em conseqüência, há muito tempo, existia a possibili­ dade de uma separação. Isto pelo m enos sugere o que teria acontecido a Saul caso ele tivesse continuado obediente a Deus.

A monarquia permitida devia, mesm o conform e a previsão em Deuteronômio 17.14-20, limitar-se a certas restrições. O povo não devia nom ear pessoa alguma que não fosse escolhida por Deus, e o rei não devia fazer sua própria vontade e beneplácito; tinha de reinar de acordo com a lei de Deus. Sendo assim, Israel ainda tinha espécie de teocracia, mediante a qual o rei reinava meramente como vice-rei de Javé, o soberano celestial.

É lugar-com um entre estudiosos contem porâneos dividir as narrativas acerca da instituição da m onarquia em duas fontes básicas: uma favorável à m onarquia (IS m 9.1-10; 11.1-11,15; 13.2— 14.46) e a outra posterior, com ponto de vista deuteronom ístico e antim onárquico (7.3— 8.22; 10.17-27; 12.1- 25). Mais recentem ente, H ans-Jochen Boecker10 m ostrou que é por demais simplista rotular 1 Samuel 8 e 12 de antim onárquico. É verdade que estas passagens dão uma aceitação mais condicional do reinado com o instituição da parte de Deus, mas isto era principalm ente porque a m onarquia levava consigo um perigo m aior de apostasia.

Estes capítulos não eram mais antim onárquicos do que a fábula de Jotão em Juizes 9.7-21. Segundo a análise cuidadosa de Eugene H. M aly11, esta fábula continha uma caricatura de Abimeleque, o pretenso rei, e uma descrição figurativa da destruição im inente que aguardava os siquemitas. A inutilidade do reinado do espinheiro (Abim eleque) e a predição do fogo que sairia do espinheiro para destruir os siquemitas não era condenação generalizada da própria m onarquia; pelo contrário, sua crítica era dirigida contra aqueles que eram tão estultos que buscavam proteção desta natureza e levavam a sério o próprio rei indigno. M ais uma vez, a ênfase recaía sobre a reação humana, e não sobre a instituição por si só.

Um soberano ungido

/f

Quando Saul foi rejeitado, o Senhor procurou “um hom em segundo o seu cora­ ção” (IS m 13.14); Davi, o filho de Jessé, foi sua escolha. Em primeiro lugar, Davi

9. J. Barton Payne, “Saul and the Changing W ill o f God”, Bibliotheca Sacra129 (1972): 321-325. Ele distingue entre a vontade permissiva de Deus e sua vontade diretiva ao deixar que Saul fosse o prim eiro rei; todavia, deixou de vincular diretam ente Gênesis 49.10 e ISam uel 13.13b a esta discussão.

10. Conform e citado por Bruce C. Birch, “The Choosing o f Saul at Mizpah”, Catholic Biblical Quarterly37 (1975): 447-448, n. 4.

foi ungido pelo profeta Samuel (16.13); depois, foi ungido como rei de Judá (2Sm 2.4); e a unção final foi para reinar sobre todo o Israel (5.3). Assim com o Saul fora chamado “ungido do Senhor” (mãsíah YHWH, ISm 24.6,10; 26.9,11,16,23; 2Sm 1.14,16) por dez vezes, assim também agora Davi é “ungido”, e “daquele dia em diante, o Espírito do Se n h o r se apoderou de Davi” (IS m 16.13). Ele também foi

chamado “ungido do Senhor” por dez veze§. O óleo da unção, quando empre­ gado no culto, era símbolo do Espírito divino; na consagração de reis, porém, assinalava a dádiva do Espírito de Deus para ajudar o rei de Israel a administrar o seu reino. Marcava Davi como recipiente e representante da majestade divina. Saul, também, recebera o “Espírito de Deus” (11.6), como também o receberam os “juizes” antes dele, desde Otoniel a Samuel. Quando, no entanto, Saul se afas­ tou do Senhor depois de um início brilhante ao libertar Israel dos filisteus (9.16: 14.47), ele se tornou totalmente inepto para governar o povo.

Em bora o título “ungido” tenha sido aplicado duas vezes, por transferência, com respeito aos patriarcas em Salmo 105.15, e uma vez com respeito a Ciro, governante designado por Deus (Is 45.1; cf. lR s 19.15), era somente com res­ peito ao rei que se empregava de form a absoluta. Subsequentemente, a palavra veio a ser o título do grande descendente de Davi que estava para vir e completar o esperado reino de Deus. No total, o substantivo mãsíah, “ungido”, ocorre trinta e nove vezes no Antigo Testamento. Vinte e três vezes, é o título do m onarca reinante de Israel.12

Isto quer dizer que sobraram nove passagens nas quais o “ungido” referia-se a alguma pessoa que estava para vir, comumente na linhagem de Davi (IS m 2.10; 2.35; Sl 2.2; 20.6; 28.8; 84.9; Hc 3.13; Dn 9.25-26). Era o rei da parte de Javé que reinaria sobre seu reino eterno na terra; simultaneamente, porém, era o Homem escolhido na linhagem da eleição, tendo o direito de assentar-se no trono de Davi com o representante de Deus. Conquanto este term o não tenha sido, de modo algum, o mais claro ou mais freqüente no Antigo Testamento, o costume o definiu como o termo mais apropriado, em preferência a todos os demais títulos, para descrever o Rei esperado — o Messias.