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3. OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS COMO PREVISTOS E

4.1. Caráter fundamental dos direitos sociais

Procurei demonstrar, ao longo dos três primeiros capítulos, que os processos de surgimento, sedimentação, positivação e ampliação dos direitos humanos fundamentais e do constitucionalismo são duas faces de uma mesma moeda: um processo de lutas pelo

reconhecimento da pessoa humana como sujeito de direitos.

No atual estágio, não há mais preocupação com relação ao reconhecimento e positivação desses dois mecanismos de proteção da pessoa humana: os direitos humanos

fundamentais fazem parte de quase todas as cartas constitucionais dos Estados Nacionais, os quais, por seu turno, possuem invariavelmente uma Constituição, como ápice do sistema jurídico vigente.

Ademais, a “via de mão dupla” existente entre os dois sistemas protetivos é realidade pacífica entre os doutrinadores, no sentido de um extrair do outro seu fundamento de

validade e de se utilizar do outro para a irradiação de efeitos jurídicos140141.

A maior preocupação nos dias atuais é com a efetividade, com o cumprimento dos comandos plasmados nas constituições ao redor do globo, pois, não obstante as previsões e

      

140Aqui no Brasil, confira-se o escólio de Ingo Wolfgang Sarlet: “Com base nas ideias aqui apenas pontualmente lançadas e sumariamente desenvolvidas, há como sustentar que, além da íntima vinculação entre as noções de Estado de Direito, Constituição e direitos fundamentais, estes, sob o aspecto de concretizações do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justiça, constituem condição de existência e medida da legitimidade de um autêntico Estado Democrático e Social de Direito, tal qual como consagrado também em nosso direito constitucional positivo vigente”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 74.

141Confira-se escólio de José Joaquim Gomes Canotilho: “A positivação constitucional não significa que os direitos fundamentais deixem de ser elementos constitutivos da legitimidade constitucional, e, por conseguinte, elementos legitimativo-fundamentantes da própria ordem jurídico-constitucional positiva, nem que a simples positivação jurídico-constitucional os torne, só por si, <realidades jurídicas efectivas> (ex. catálogo de direitos fundamentais em constituições meramente semânticas). Por outras palavras: a positivação jurídico-constitucional não <dissolve> nem <consome> quer o momento de

<jusnaturalização> quer as raízes fundamentantes dos direitos fundamentais (dignidade humana,

fraternidade, igualdade, liberdade). Neste sentido se devem interpretar logo os arts. 1º e 2º da CRP, ao basearem, respectivamente, a República na <dignidade da pessoa humana> (art. 1º), e o Estado de direito democrático no <respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais>”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 378.

a criação de mecanismos constitucionais para a eficácia de tais direitos – vide o caso brasileiro, com os mecanismos já estudados da aplicabilidade imediata das normas constitucionais que versam sobre direitos humanos fundamentais e sua inserção dentre as chamadas “cláusulas pétreas” – ainda persiste forte resistência por parte da doutrina e dos próprios governos no cumprimento dos comandos constitucionais, notadamente em se tratando de direitos humanos fundamentais sociais142.

Na verdade, boa parte da celeuma doutrinária acerca do caráter fundamental (ou não) dos direitos sociais se dá em razão da enorme influência da doutrina constitucionalista alemã nos demais países europeus, bem como na América Latina – inclusive no Brasil.

Isso porque, na Alemanha, os direitos humanos fundamentais sociais não se encontram positivados na carta constitucional, qualificadora do modelo de Estado adotado como sendo uma “República Federativa”. Lá, apenas há menção à cláusula genérica e aberta de que o Estado alemão se constitui em um “Estado Social”.

Ao contrário, no Brasil e em Portugal as respectivas cartas constitucionais trazem generoso rol de direitos humanos fundamentais sociais, além de mecanismos de proteção e efetividade de tais direitos: os já mencionados e estudados mecanismos da aplicabilidade imediata e vedação de reforma constitucional supressiva.

Sucede que a doutrina pátria acabou por internalizar conceitos e desenvolvimentos doutrinários realizados na Alemanha, sem um olhar crítico, de adaptação dos modelos para a nossa realidade, na qual todos os direitos humanos fundamentais contam com elevado grau de positivação e proteção constitucionais, inclusive os sociais, todos inseridos dentro de um regime jurídico protetivo único143.

      

142Resistência que não possui mais razão de ser, conforme muito bem observado por Jorge Reis Novais, em exemplar passagem a ser sempre rememorada: “Com efeito, quando uma Constituição consagra e reconhece inequivocamente os direitos sociais como direitos fundamentais, elencando-os, de resto, de forma muito pormenorizada e desenvolvida, toda a discussão sobre a sua controversa natureza jusfundamental perde grande parte do sentido. Portanto, se, como acontece entre nós, o legislador constituinte, atendendo à respectiva fundamentalidade no quadro de um Estado social e democrático de Direito, intencionalmente acolhe os direitos sociais como direitos fundamentais, podemos discutir o alcance desse reconhecimento, podemos discutir o que significa ser um direito fundamental, mas deixa de fazer sentido consumir o essencial dos esforços dogmáticos a apurar se há ou não, e com que fundamentos, direitos constitucionais sociais”. NOVAIS, Jorge Reis. op. cit., p. 84.

143Tal crítica foi muito bem sintetizada por Jorge Reis Novais: “Logo, a base de partida é qualitativamente diferente da alemã, o que tem implicações dogmáticas não negligenciáveis. Assim, entre nós, os direitos sociais, sendo direitos fundamentais constitucionais, gozam, portanto, à partida, do regime dos direitos fundamentais enquanto normas jurídicas vinculativas de força superior e gozam desse regime relativamente a todo o seu conteúdo, tal como os direitos de liberdade, e não apenas relativamente a um dificilmente delimitável 'mínimo social’. Da mesma forma, não se vê qual o préstimo do conceito dos direitos sociais

derivados, os famosos direitos derivados a prestações, quando, em paralelo, não há conhecimento que

O fato é que a constituição alemã não positivou direitos humanos fundamentais sociais de forma individualizada, mas isso não significa que a doutrina não os reconheça, bem como sua respectiva proteção, na ordem constitucional. Ao revés, os conceitos mencionados por Jorge Reis Novais representam exatamente um olhar neoconstitucionalista sobre a carta constitucional alemã, extraindo do princípio aberto e indeterminado do “Estado Social” a carga normativa necessária para fazer valer tais direitos144.

Ou seja, mesmo em um sistema normativo constitucional como o alemão, em que não

há positivação específica de direitos humanos fundamentais sociais, a doutrina constitucional conseguiu criar um sistema protetivo de elevada envergadura e carga eficacial.