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5. DIREITOS SOCIAIS E SUA PROTEÇÃO JURISDICIONAL: DO ATIVISMO

5.3. Rebatendo os principais argumentos contrários à legitimidade do Poder Judiciário

5.3.3. Da alegada violação ao princípio democrático

Também se equivocam, com todo o respeito, aqueles que defendem que a intervenção do Poder Judiciário na seara das políticas públicas implicaria em violação ao

princípio democrático.

Constato que tais autores enxergam tal garantia, basilar na atual conformação de Estado Nacional Soberano, ainda em seu formato liberal-burguês do século XVIII, no qual o conceito de democracia quase que se confundia com a noção da regra da maioria. Esta era entendida como o poder que a maioria eleitoral possuía de fazer valer sua vontade sobre a sociedade como um todo, mediante o mecanismo da eleição de seus representantes no parlamento, aos quais competia a elaboração das leis, as quais ainda eram vistas como o centro dos ordenamentos jurídicos estatais.

Há que se recordar que a elaboração doutrinária inicial de Montesquieu foi formulada em um contexto de lutas pelo reconhecimento da classe burguesa como sujeito de direitos, contra o então Estado Absolutista monárquico unipessoal, no qual o poder ficava concentrado, de forma absoluta, nas mãos do monarca.

Logo, por evidente que a elaboração de uma teoria voltada à desconcentração do poder estatal tinha por objetivo maior a criação de um sistema impeditivo da supremacia de uma função perante as demais, com sua consequente limitação.

Agora, ciente de que na prática uma relativa concentração e supremacia de uma das funções estatais sobre as demais era quase que inevitável, Montesquieu procurou concentrar as funções mais nobres junto ao parlamento, pois seus integrantes são eleitos pelo povo, extraindo daí o fundamento de validade e legitimidade para a elaboração das leis, gerais e abstratas, assegurando-se uma igualdade formal, o que na ocasião representou enorme conquista civilizatória.

Assim, no modelo originário de separação de poderes elaborado por Montesquieu, ao Poder Legislativo cabia a função estatal mais nobre e de maior envergadura e responsabilidade – a elaboração das leis formais -, uma vez que seus integrantes eram escolhidos diretamente pelo povo, mediante votação pela regra da maioria, ou seja, mediante a utilização de um critério objetivo e matemático, logo, mais seguro e de mais fácil aceitação pela coletividade.

Aos outros dois Poderes – Executivo e Judiciário -, historicamente ligados ao monarca, foram atribuídas funções de menor envergadura, já que representavam resquícios do Ancien Régime, derrubado pela Revolução Francesa.

Mas, assim como ocorreu com a noção da separação de poderes, o conceito de democracia foi sofrendo transformações ao longo dos últimos 250 anos, notadamente em razão dos movimentos de: i) ampliação dos direitos humanos fundamentais222; ii)

reconhecimento de outras classes sociais como sujeitos de direito; iii) reconhecimento do direito de voto às mulheres e, paulatinamente, a todos os cidadãos (sufrágio universal); iv) transformação do modelo de Estado liberal-burguês para o Estado Social, e deste para o atual modelo de Estado Social Democrático de Direito223.

Passa-se, pois, da noção inaugural de democracia representativa, na qual o direito de voto era quase que o único direito assegurado, para a noção de democracia

participativa, com a criação e garantia de mecanismos de participação semidireta e direta

na tomada das decisões estatais estratégicas224 (p.e.: referendo, plebiscito, recall, poder de

iniciativa, veto popular, audiências públicas, orçamento participativo, dentre outros mecanismos).

Logo, o conceito inaugural simples e restrito de democracia vai se ampliando, na mesma medida em que crescem as demandas populares e se reconhecem direitos às diversas camadas da sociedade, até se chegar ao atual contexto, no qual a preocupação maior está na legitimação das decisões estatais estratégicas tomadas pelas suas três funções clássicas.

Ou seja, a concepção original de que se passava um verdadeiro “cheque em branco” para os representantes eleitos para o parlamento e para o executivo para o desempenho de suas atividades não possui mais validade, uma vez que o atual estágio evolutivo do conceito de democracia exige a criação de uma série de mecanismos de participação popular na tomada das mais diversas decisões estatais.

      

222Para a relação intrínseca entre democracia e direitos humanos fundamentais, confira-se: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 290-291.

223Para maior aprofundamento, confira-se: ALBUQUERQUE, Felipe Braga. Direito & política: pressupostos para a análise de questões políticas pelo judiciário à luz do princípio democrático. Florianópolis: Conceito, 2013. p. 76-82.

224Chamo de “estratégicas”, para fins desta obra científica, as decisões tomadas por cada uma das funções estatais, ligadas diretamente aos seus fins precípuos: i) programas de governo e políticas públicas, no caso do Poder Executivo; ii) atos de legislar, no caso do Poder Legislativo; iii) atos de decisão, no caso do Poder Judiciário.

Não basta a mera eleição dos representantes. A regra da maioria não é mais suficiente para fazer frente às demandas de participação popular na tomada das decisões estratégicas estatais. Tais decisões não mais se legitimam pelo simples fato de seus atores terem sido democraticamente eleitos.

A própria definição de regra da maioria225 sofreu transformações em razão das

observações empíricas no sentido de que tal regra, entendida unicamente como a prevalência da posição defendida pela maioria dos eleitores, levou a distorções que culminaram na instituição da “ditadura da maioria”, esmagadora dos interesses da minoria e impositiva de um único entendimento sobre cada tema, o que viola, de forma flagrante, o multiculturalismo inerente à condição humana. Havia que se criar mecanismos, assim, para se assegurar os interesses também da minoria, impedindo-se sua fulminação.

Tal compreensão já havia sido argutamente desenvolvida por Hans Kelsen em seu clássico ensaio intitulado “Essência e valor da democracia”, escrito em 1929226.

Também a relevantíssima noção de que a legitimidade das decisões tomadas no parlamento depende da participação efetiva dos diversos grupos eleitos no seio de seu

      

225Conceito filosófico moderno e atual para a “regra da maioria” é dado por Campilongo: “Uma definição parcial, incompleta e ciente de suas limitações: a regra da maioria é uma técnica rápida de tomada de decisões coletivas que maximiza a liberdade individual e assegura a ampla e igual participação política dos cidadãos, aproximando governantes e governados por meio de uma prática social de legitimação eventual, finita no espaço e no tempo, que sujeita as decisões à contínua revisão e mantém a sociedade unida.” CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 38. Para maior aprofundamento, indico a leitura das seguintes passagens da mesma obra: p. 27-54 e 107-125. Confira-se, outrossim: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 329-330.

226“Impedir o domínio de classe é o que o princípio majoritário – no âmbito do parlamentarismo – tem condições de realizar. Já é característico que, na prática, ele se mostre compatível com a proteção da minoria. De fato, a existência da maioria pressupõe, por definição, a existência de uma minoria e, por consequência, o direito da maioria pressupõe o direito à existência de uma minoria. Disto resulta não tanto a necessidade, mas principalmente a possibilidade de proteger a minoria contra a maioria. Esta proteção da minoria é a função essencial dos chamados direitos fundamentais e liberdades fundamentais, ou direitos do homem e do cidadão, garantidos por todas as modernas constituições das democracias parlamentares. (...) A forma típica de qualificação de tais leis constitucionais com respeito às leis ordinárias é representada por um aumento no quorum e por uma maioria especial de dois terços ou três quartos. (...) Essa autolimitação significa que o rol dos direitos fundamentais e das liberdades fundamentais se transforma, de instrumento de proteção do indivíduo contra o Estado, em instrumento de proteção da minoria – de uma minoria qualificada – contra a maioria puramente absoluta; significa que as disposições referentes a certos interesses nacionais, religiosos, econômicos ou espirituais só podem ser decididas depois da aprovação de uma minoria qualificada, portanto só se maioria e minoria estiverem de acordo”. KELSEN, Hans. A

democracia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla e

procedimento de tomada, disciplinado juridicamente227, aparece no texto elaborado por

Kelsen228.

Ou seja, já na segunda década do século XX a noção de democracia e de regra da maioria não mais correspondia, em termos teóricos, aos conceitos originários de Montesquieu. Isso de forma contemporânea ao surgimento dos direitos humanos fundamentais sociais, cujas exigências de efetivação iriam pressionar ainda mais no sentido da ampliação dos mecanismos democráticos de participação popular direta e de controle na tomada das decisões estatais estratégicas.

De qualquer sorte, a passagem do modelo de democracia representativa para os de democracia participativa229 e deliberativa230 também provoca mudanças na forma de

concepção do Poder Judiciário.

Em um primeiro momento no sentido de se criticar a suposta ausência de legitimação democrática do Poder Judiciário como função estatal, o que, rapidamente, evolui para o reconhecimento da sua enorme importância em uma função moderadora, de

coordenação e mediação dos diversos conflitos sociais, inclusive entre Estado e

      

227É por tais razões que Kelsen é grande entusiasta do modelo de democracia parlamentar, a seu ver aquele mais eficaz e coerente em termos de tomada de decisões de acordo com a vontade popular.

228“De fato, todo o procedimento parlamentar, com sua técnica dialético-contraditória, baseada em discursos e réplicas, em argumentos e contra-argumentos, tende a chegar a um compromisso. Este é o verdadeiro significado do princípio de maioria na democracia real. Portanto, seria melhor dar a tal princípio o nome de princípio majoritário-minoritário, uma vez que ele organiza o conjunto dos indivíduos em apenas dois grupos essenciais, maioria e minoria, oferecendo a possibilidade de um compromisso na formação da vontade geral, depois de ter preparado esta última integração obrigando ao compromisso acima mencionado, que é a única coisa que pode permitir a formação tanto do grupo da maioria quanto do grupo da minoria: relegar a segundo plano o que separa os elementos a serem unidos, em favor daquilo que une”. KELSEN, Hans. A democracia, cit., p. 70.

229Para uma abordagem moderna e atual sobre o conceito de democracia, em termos de efetividade no bojo de Estados Nacionais populosos, confira-se a construção do modelo de “poliarquia”, no qual vários órgãos e estruturas voltados à tomada de decisões estatais estratégicas são constituídos, com participação popular, modelo esse levado a cabo por Robert Alan Dahl, em sua obra Democracy and its critics. New Haven: Yale University Press, 1989. Para um estudo sobre os diversos modelos de democracia, confira-se: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 1409-1421.

230“Imagine, por exemplo, que adotemos a perspectiva da democracia deliberativa. Não obstante seja possível distinguir várias versões diferentes deste modelo, eu proporei aqui uma versão identificada pelas duas características que seguem. Primeiro, suporei que esta visão de democracia demanda decisões públicas a serem tomadas após um amplo processo de discussão coletiva. Segundo, suporei que a visão deliberativa demanda, em princípio, a participação de todos aqueles potencialmente afetados por esta decisão”. GARGARELLA, Roberto. Theories of democracy, the judiciary and social rights. In: GARGARELLA, Roberto; DOMINGO, Pilar; ROUX, Theunis (Orgs.). Courts and social transformation in new

democracies: an institutional voice for the poor. London: Ashgate Publishing Limited, 2006. p. 26

particulares e entre as próprias funções estatais, além de suas primordiais funções de guarda da constituição e de garantidor dos direitos humanos fundamentais231.

Atualmente, a maioria da doutrina reconhece o relevantíssimo papel exercido pelo Poder Judiciário em favor da consolidação da democracia, seja em termos de proteção e efetivação dos direitos humanos fundamentais, dentro de um necessário viés contramajoritário232, seja em termos de proteção das minorias233, uma vez que a

legitimidade democrática de tal atuação advém da própria constituição, como ápice do ordenamento jurídico estatal234.

E, para que possa fazer frente a essas novas funções e atribuições, o próprio processo judicial passa a sofrer transformações e influxos, voltados à maior abertura e

participação de partes e grupos interessados na tomada de decisões.

Assim é que se verifica, nas últimas décadas, a criação de institutos processuais como o amicus curiae e a realização de audiências públicas, para que outras pessoas interessadas sejam ouvidas, que não as estritas partes do processo, tudo com vistas à maior

participação da coletividade no processo de tomada de decisões judiciais.

Ou seja, criam-se canais processuais de participação popular na tomada das

decisões pelo Poder Judiciário, entendido como novo locus de participação política pela

sociedade, a gerar ganhos de legitimidade democrática em seu favor, possibilitando-se sua atividade de intervenção e controle nas políticas públicas.

      

231Confira-se, a propósito: “O fortalecimento democrático exige, em segundo lugar, a atuação de órgãos da justiça constitucional como verdadeiros árbitros da sociedade, agindo como um verdadeiro Poder moderador em defesa da plena aplicabilidade das normas constitucionais e em garantia da integral efetividade na proteção aos Direitos Humanos Fundamentais”. MORAES, Alexandre de. Jurisdição constitucional e tribunais

constitucionais: garantia suprema da Constituição. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 62.

232Confira-se, a propósito, a interessante natureza de “trunfos contra a maioria” atribuída aos direitos humanos fundamentais por Jorge Reis Novais em sua obra Direitos sociais: teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais, cit., p. 319-331.

233Para maior aprofundamento, confira-se: i) ALBUQUERQUE, Felipe Braga. op. cit., p. 127-141; ii) SCHWARZ, Rodrigo Garcia. op. cit., p. 192-200.

234“É, insistimos, da própria Constituição, ou seja, dessa manifestação ímpar, virtuosa e substancialmente democrática do poder soberano do demos, que emana o mandado que pauta a atuação do Judiciário, não como um órgão limitador, mas atualizador e garantidor de uma limitação previamente estabelecida por ela própria (a Constituição) para garantir a sua supremacia (da Constituição) e, portanto, a prevalência de um pacto social concertado em termos políticos, econômicos, sociais e culturais através dela expressado – e, em síntese, a supremacia da vontade soberana do demos consubstanciada no pacto social instituinte. (...) Ademais, a extensão do controle jurisdicional, realidade irrefutável, longe de pautar-se pela falta de legitimação democrática, vem, ao contrário, efetivar o paradigma democrático, superando a chamada dificuldade contramajoritária. Assim, ao menos conjunturalmente, na verdadeira democracia representativa, a tutela dos direitos fundamentais e dos princípios relacionados ao próprio Estado social e democrático de direito não pode estar adstrita, apenas, a órgãos executivos e legislativos, naturalmente sensíveis a demandas que não veiculam possíveis benefícios eleitorais imediatos, ou ainda àquelas demandas que escapam à pauta das prioridades políticas estabelecidas por certa ‘lógica de partido’”. SCHWARZ, Rodrigo Garcia. op. cit., p. 194-195.

Em tal sentido é a proposta formulada por Roberto Gargarella235:

A pergunta que guiará minha exposição será a seguinte: Dado que queremos que nosso sistema político responda de um modo adequado à vontade das maiorias e que, por sua vez, assegure uma devida proteção às minorias, qual poderia ser o papel do Poder Judiciário (se é que deve assumir algum) dentro deste sistema? Minha resposta estará inserida dentro do que vou chamar de uma “tradição (genuinamente) radical”. Isto é, uma tradição que entende que “todos os possíveis afetados” por uma determinada decisão devem tomar parte de tal processo de tomada de decisões; mas que simultaneamente reconhece a falibilidade que é própria dos processos de tomada de decisões majoritárias236.

Dentro dessa mesma linha de transformação do Poder Judiciário como novo locus de debates políticos, com a consequente abertura e criação de canais de participação popular direta, confira-se o conceito de “political accountability” desenvolvido por Siri Gloppen e outros, bem como a função desempenhada pelo Poder Judiciário dentro desta lógica democrática moderna:

A responsabilidade política implica uma relação entre dois conjuntos de atores; cidadãos, que são a principal fonte de legitimação da autoridade política, e os governantes, que são seus agentes. Esta relação envolve a troca de responsabilidades e potenciais sanções como base para o governo legítimo. É uma relação de poder: o governante, a quem os cidadãos têm confiado a autoridade, é obrigado a manter os cidadãos (ou seus representantes) informados e oferecer explicações e justificativas para as decisões tomadas. Se o governante não o fizer, ou a prestação de contas não for satisfatória, os cidadãos (ou seus representantes) podem impor sanções predeterminadas (Goetz and Jenkins, 2005; Schmitter, 2004). (…)

(...)

      

235“Uma vez aceita essa versão do conceito deliberativo de democracia, e rejeitada a supremacia do judiciário, qual função deveria ser reservada aos juízes, se o caso? Em minha opinião, quando aceitamos que os juízes são subordinados – na verdade, servos – do debate público, aí sim podemos começar a ver o judiciário como um mecanismo crucial do debate público. Com efeito, os juízes estão excepcionalmente bem situados para cumprir essa tarefa, porque sua função principal é receber as reclamações de todos aqueles marginalizados ou severamente afetados pelas decisões dos poderes políticos. Falando em termos institucionais, o judiciário representa o principal canal pelo qual grupos desfavorecidos podem se fazer ouvir, quando os poderes políticos se recusam a tanto ou descartam indevidamente suas reivindicações. Os juízes estão muito bem posicionados para exigir uma justificativa melhor sobre as decisões tomadas por aqueles poderes, em nome do povo e de seus representantes. Desta forma, os juízes podem desempenhar um papel muito importante em relação aos direitos, incluindo os direitos sociais, que são normalmente reivindicados por grupos que se consideram marginalizados pelas forças políticas dominantes. Os juízes podem contribuir decisivamente na “ativação” e no enriquecimento dessas discussões, favorecendo uma tomada de decisões públicas mais imparcial. A necessidade de reforçar a imparcialidade no processo de tomada de decisões deveria ser suficiente para justificar esse tipo de ativismo judicial. Contudo, a intervenção judicial nessas matérias pode ser adicionalmente fundada em razões como as seguintes: a relação entre certos direitos básicos (por exemplo, o direito de cada pessoa de criticar o governo) e a preservação do processo democrático; a conexão íntima que existe entre os direitos sociais e a participação política; e a necessidade de se respeitar a constituição, principalmente quando incluem de forma expressa direitos sociais, como é o caso da maioria dos países latino americanos.” GARGARELLA, Roberto. Theories of democracy, the judiciary and social rights, cit., p. 28-29 (tradução do original, em inglês). 236Id. Ibid., p. 13 (tradução do original, em espanhol).

Os Tribunais também podem servir como um mecanismo de controle popular ou de prestação de contas para a sociedade, permitindo a indivíduos e grupos usar o contencioso para proteger e promover seus direitos e interesses (Peruzzotti and Smulovitz, 2006). Semelhante ao canal eleitoral, esta é uma relação de responsabilização vertical legalmente especificada. A importância relativa da mobilização jurídica como um canal de responsabilização vertical varia e depende, dentre outras coisas, do quão bem funcionam os outros canais populares de controle. Mas, dada a natureza casuística, geralmente custosa e não representativa do contencioso, possui limitações como principal mecanismo de controle democrático. Isto é, contudo, apenas um aspecto das funções de prestação de contas dos tribunais. Como mencionado, os tribunais são cruciais para o sistema de prestação de contas horizontal entre instituições estatais, na medida em que submetem outros atores estatais à lei e à constituição. Na medida em que eles protegem a lei – como resultado do processo político – eles prestam uma função altamente relevante em termos democráticos. Ao agir de acordo com sua responsabilidade de proteger a lei e a constituição, eles também servem para proteger os canais verticais, de controle popular do governo (o canal eleitoral, a mídia, e o ativismo da sociedade civil) contra tentativas egoístas pelos operadores históricos de evadir-se da prestação de contas ou de bloquear os canais de mudança política237.

Na atual quadra, portanto, longe de carecer de legitimidade democrática, o Poder Judiciário começa a ocupar relevante espaço como locus público de debate acerca das políticas públicas traçadas e implementadas pelos outros poderes constituídos, bem como de cobrança acerca das razões pelas quais os poderes eleitos tomaram certas medidas, em detrimento de outras em prol de classes sociais marginalizadas nos debates políticos