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2. DOS DIREITOS SOCIAIS: CONCEITO, ABRANGÊNCIA (PLANOS

2.2. Conceito, características principais e espécies

2.2.1. Esclarecimento prévio

Deve ficar claro desde já que a expressão “direitos sociais” é utilizada neste trabalho para fazer menção a um grupo de direitos humanos fundamentais surgido

historicamente nos séculos XIX e XX, tendo como principais beneficiários os trabalhadores, como fruto de longo processo de lutas pelo reconhecimento dessa categoria específica de pessoas como sujeitos de direito.

Ou seja, a expressão nomina uma dimensão própria de direitos humanos fundamentais, a segunda na ordem de surgimento e positivação históricos.

Trata-se de um conceito restrito de “direito social”46, abrangente unicamente das

normas jurídicas voltadas à proteção dos trabalhadores, não se referindo, portanto, ao seu

      

44Um apanhado muito bem elaborado de tal dinâmica é dado por José Afonso da Silva: “Todos esses fundamentos foram sendo superados pelo processo histórico-dialético das condições econômicas, que deram nascimento a novas relações objetivas com o desenvolvimento industrial e o aparecimento de um proletariado amplo sujeito ao domínio da burguesia capitalista. Essas novas condições materiais da sociedade teriam que fundamentar a origem de outros direitos fundamentais – os direitos econômicos e

sociais – e concomitantemente a transformação do conteúdo dos que serviam à burguesia em sua luta

contra o absolutismo. Daí também sobreviriam novas doutrinas sociais, postulando a transformação da sociedade no sentido da realização ampla e concreta desses direitos. Essas novas fontes de inspiração dos direitos fundamentais são: (1) o Manifesto Comunista e as doutrinas marxistas, com sua crítica ao capitalismo burguês e ao sentido puramente formal dos direitos do homem proclamados no século XVIII, postulando liberdade e igualdade materiais num regime socialista; (2) a doutrina social da Igreja, a partir do Papa Leão XIII, que teve especialmente o sentido de fundamentar uma ordem mais justa, mas ainda dentro do regime capitalista, evoluindo, no entanto, mais recentemente, para uma Igreja dos pobres que aceita os postulados sociais marxistas; (3) o intervencionismo estatal, que reconhece que o Estado deve atuar no meio econômico e social, a fim de cumprir uma missão protetora das classes menos favorecidas, mediante prestações positivas, o que é ainda manter-se no campo capitalista com sua inerente ideologia de desigualdades, injustiças e até crueldades”. SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 174-175.

45Para um maior aprofundamento sobre a evolução histórica ocorrida nos séculos XIX e primeira metade do XX, que culminou com o surgimento, sedimentação e positivação dos direitos sociais como direitos humanos fundamentais de segunda dimensão, confiram-se: i) PINTO, Airton Pereira. Direito do trabalho,

direitos humanos sociais e a Constituição Federal. 1. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 63-72; ii) SARLET,

Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 56-58; iii) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. op. cit., p. 59-65; iv) MARMELSTEIN, George. op. cit., p. 44-48.

46“Por Direito Social Restrito ou Direito Social ‘tout court’, compreendemos: ‘a ciência dos princípios e leis

geralmente imperativas, cujo objetivo imediato é, tendo em vista o bem comum, auxiliar as pessoas físicas, dependentes do produto de seu trabalho para a subsistência própria e de suas famílias, a satisfazerem convenientemente suas necessidades vitais e a terem acesso à propriedade privada”. CESARINO

conceito amplo, qual seja, de direito como regulação do comportamento humano47.

Nesse diapasão, vale recordar antiga crítica à adoção da expressão48, na medida em

que todo direito é social, pois o ser humano vive em sociedade e os comportamentos humanos relevantes para o direito são, em sua esmagadora maioria, aqueles praticados por mais de uma pessoa, por meio de relações interpessoais49.

Não obstante, é de se ressaltar o uso consagrado de tal expressão dentro do estudo dos direitos humanos fundamentais, forma pela qual a mesma também é por mim utilizada. Estou de acordo, assim, com as razões apontadas por Antônio Ferreira Cesarino Júnior como aptas a justificar o emprego da expressão “direito social” em nosso meio jurídico:

Ora, a bibliografia da disciplina mostra que não são tão poucos os autores que adotam o nome ‘Direito Social’. A alegada ambiguidade do qualificativo social não existe nas demais expressões em que ele figura (questão social, política social, previdência social, etc.). Por que existiria somente na denominação Direito Social? Ademais é ele essencialmente antiindividualista e foi, historicamente pelo menos, direito autônomo, representando o exemplo mais completo da socialização do direito, o que lhe justifica a denominação social, muito embora todo direito se socialize! Na realidade, a economia, a política social e a sociologia aplicada não são ciências jurídicas, mas se tornam tais quando seus ensinamentos são formulados em normas legais, como acontece no que chamamos Direito Assistencial. Aliás, a denominação Direito Social é mais compreensível e tem sujeitos próprios, os economicamente débeis, que

      

47“Por Direito Social Genérico, entendemos o sentido social que hoje domina todo o Direito, levando alguns autores a falar numa ‘socialização do Direito’, e o definimos: ‘complexo de princípios e normas

imperativas que têm por objeto a adaptação da forma jurídica à realidade social, considerando os homens na sua personalidade concreta e como membros dos grupos sociais diferentes do Estado e, tendo em vista, principalmente, as diferenças de situação econômica entre eles existentes’”. CESARINO JUNIOR,

Antônio Ferreira. op. cit., p. 42.

48“Objeções à denominação Direito Social são sintetizadas por Evaristo de Moraes Filho: 1) contam-se a dedo os autores que adotam essa nomenclatura; 2) o qualificativo social é ambíguo, excessivamente genérico e equívoco; 3) usa-se muito a expressão social em oposição ao direito individual; 4) o chamado

direito social é uma das manifestações da socialização do direito e não todo ele; 5) direito social tem

também o sentido de exteriorização jurídica de corpos sociais autônomos, tais como os sindicatos e outros, independentes de sanção expressa e direta da vontade do Estado; 6) compreender o Direito Social como nós o fazemos é estender demasiado o campo do Direito do Trabalho, invadindo os domínios da economia, da política social e da sociologia aplicada; 7) na denominação direito social a qualificação não pode ser aplicada nem a um círculo de pessoas, nem a determinados estados de fato ou a diferenças específicas”. Id. Ibid., p. 37.

49“Direito Social e Legislação Social incidem na arguição de que todo o direito é naturalmente social, pois só há Direito em sociedade: Ubi societas, ibi jus. Respondem seus partidários que o termo ‘social’, na denominação, visa opor esta disciplina ao direito individualista, oriundo da Revolução Francesa, significando predominância do interesse coletivo sobre o individual. Têm razão, embora hoje ‘todo o direito’ se socialize, se imbua de sentido social, como tão bem demonstram Le Fur, Josserand e Radbruch. Apesar do sentido social da ‘Humanização do Direito’ ser comum a todos os seus ramos, ele se acentuou, se concentrou no ramo dos conhecimentos chamados Legislação ou Direito Social. Daí existir o Direito Social lato sensu ou Direito Social Genérico e o Direito Social stricto sensu, Direito Social Restrito ou Direito Social propriamente dito, por abreviação, Direito Social”. Id. Ibid., p. 33-34.

chamamos hipossuficientes, e se refere a um estado de fato determinado, a

hipossuficiência ou debilidade econômica50.