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5. DIREITOS SOCIAIS E SUA PROTEÇÃO JURISDICIONAL: DO ATIVISMO

5.3. Rebatendo os principais argumentos contrários à legitimidade do Poder Judiciário

5.3.1. Da alegada violação ao princípio da separação dos poderes

Não convence o argumento utilizado por aqueles que negam legitimidade ao Poder Judiciário para fazer valer os direitos humanos fundamentais sociais no sentido de que tal intervenção implicaria em violação ao princípio da separação dos poderes215.

É sabido que a independência entre as funções estatais deve ser compreendida dentro da lógica dos checks and balances (“freios e contrapesos”), ou seja, como garantia

      

213Embora não seja objeto do presente trabalho, indicam-se importantes estudos filosóficos acerca da “justiça distributiva”: i) LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática, cit., p. 132-183; ii) FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros Ed., 2002, notadamente p. 52-67; iii) FARIA, José Eduardo. Justiça e conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1992.

214“O Judiciário foi alçado a novas funções, com expansão de suas competências, a fim de fazer frente ao próprio agigantamento de Executivo e Legislativo, oriundo de uma transformação das funções do Estado que o tornam cada vez mais burocrático, na finalidade de conseguir de fato exercer o papel de ‘contrapeso’ não só do Executivo, mas também do Legislativo.” ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. Direitos

fundamentais sociais e ponderação: ativismo irrefletido e controle jurídico racional. Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris, 2014. p. 170.

215Para aprofundamento sobre o tema, confira-se: i) JORGE NETO, Nagibe de Melo. op. cit., p. 59-71; ii) PASSOS, Daniel Silva. Intervenção judicial nas políticas públicas: o problema da legitimidade. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 72-81; iii) CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 65-96; iv) ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas de. op. cit., p. 156-174; v) BITENCOURT, Caroline Müller. op. cit., p. 223-245; vi) SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Os direitos sociais

e a sindicabilidade judicial das políticas públicas sociais no Estado Democrático de Direito. São Paulo:

contra o poder absoluto e ilimitado, garantindo-se uma entrega de parcela do poder estatal de forma equilibrada e balanceada a cada função estatal, sendo cada qual dotada de estrutura e regime jurídico próprios, de modo que uma função não se sobressaia às demais, subjugando-as.

A garantia de independência a cada função estatal demanda, de forma imperiosa, a entrega de parcela de poderes fiscalizatórios recíprocos, de modo que cada função possua poder de fiscalização das atividades dos demais, o que garante exatamente a existência de “freios” e “contrapesos” na distribuição das funções estatais.

Jamais tal garantia significou a atribuição de atividades únicas e exclusivas por parte de cada função, de modo a ficar absolutamente afastada a realização de atividades de mesma natureza jurídica pelas outras parcelas do poder estatal, até mesmo porque tal interpretação levaria, inexoravelmente, ao reconhecimento de nichos absolutistas de poder, já que, dentro de seu feixe de atribuições, estar-se-ia falando em uma atuação exclusiva, desprovida de controle por parte das demais funções216.

Tal interpretação, ademais, simplesmente desconsidera a necessária harmonia que deve existir entre as diversas funções estatais, como garantia de que tal separação não leve à desconfiguração e à disputa entre tais, mas sim à realização das atividades estatais de forma coordenada, voltada a fins compartilhados, o que exige, inequivocamente, o encontro e debate de fins e objetivos conjuntos a serem perseguidos. É o reconhecimento de que o poder estatal é único, e que a separação de funções serve para controle de excessos, sem desconfigurar a unidade que é o Estado Soberano217218.

      

216Confira-se, a propósito, o item 2 de artigo de minha lavra intitulado “O tempo como elemento viabilizador do cumprimento das sentenças proferidas em sede de controle judicial de políticas públicas”, publicado na L & C – Revista de Administração Pública e Política, v. XVII, 2014, p. 42-48.

217“Aliás, tal regime de cooperação entre os poderes não é novo. Conforme anotado, o próprio regime de separação, tal como idealizado por Montesquieu, previa que o exercício do poder somente seria possível em caso de coincidência de vontades. Assim não ocorrendo, o regime de pesos e contrapesos incumbir-se-á de neutralizar o exercício do poder. Agora, os poderes têm, mais uma vez, que unir forças de modo a desenvolver a normatividade constitucional em toda a sua envergadura e profundidade”. PASSOS, Daniel Silva. op. cit., p. 80.

218Sobre o papel que o princípio da separação dos poderes passa a exercer no moderno e atual Estado Social Democrático de Direito, confira-se: “A contenção do arbítrio e a limitação do poder, que são os objetivos fundamentais da separação dos poderes, têm, portanto, uma perspectiva diversa e mais rica no Estado pós- moderno. A igualdade é marca dessa mudança. Limitar o poder entre nós implica assegurar que o poder estatal esteja sempre a serviço da igualdade e da promoção do bem comum dos cidadãos por meio de ações positivas. Karl Loewenstein, atento às modificações operadas pelo pós-guerra e pelo Estado do bem-estar social, foi o primeiro autor a propor uma reclassificação das funções estatais com base nas políticas públicas e não na lei. Para ele, as funções do Estado são: policy determination, policy execution e policy

Logo, não há que se falar em violação do núcleo essencial das outras funções estatais em razão do controle jurisdicional e da sindicabilidade dos direitos humanos fundamentais sociais219, mas, ao revés, em legitimidade da atuação do Poder Judiciário

nesta seara, sob pena de criação de uma esfera de irresponsabilidade estatal nas atividades desempenhadas pelos Poderes Executivo e Legislativo – exatamente o que se buscou coibir no bojo da Revolução Francesa – logo, em reprovável retrocesso histórico.