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7. DAS CONTINGÊNCIAS SOCIAIS PROTEGIDAS PELO REGIME GERAL DE

8.2. Da contingência social protegida: questão terminológica

No tocante ao objeto em si deste trabalho, deve ficar claro desde já que a

contingência social deflagradora do direito humano fundamental à percepção de um dos

três benefícios integrantes desta categoria específica de direito à previdência social não é a doença e/ou a invalidez prescritos literalmente no artigo 201, I, da Constituição, mas sim a

incapacidade laboral decorrente de tais eventos.

Uma intepretação literal da disposição constitucional levaria a uma conclusão equivocada no sentido de que bastaria a ocorrência dos eventos de doença e/ou invalidez para que o segurado fizesse jus à prestação estatal, o que não é verdade, pois, conforme já demonstrado nos capítulos 6 e 7, o surgimento e consolidação históricos da previdência social como direito humano fundamental têm como grande preocupação a ocorrência de infortúnios geradores da incapacidade para o trabalho por parte dos trabalhadores.

Assim, a ocorrência de eventos desfavoráveis, porém que não levem à perda da capacidade para o labor, não possui o condão de gerar o direito à percepção de uma prestação estatal dentro da previdência social.

Logo, a contingência social única deflagradora do direito à percepção de um dos três benefícios previdenciários inseridos em uma categoria própria dentro do direito previdenciário é a incapacidade laboral decorrente de doença ou invalidez351.

      

351Tal constatação restou trazida por Michel Cutait Neto da seguinte forma: “Como se viu, a Constituição não trouxe, expressamente no rol dos incisos do artigo 201, a figura da incapacidade como evento que merecia a proteção social da previdência social. Nem precisava trazer, porque a incapacidade referida aqui é fruto daquilo que se convencionou adotar como primado dentro da ordem social, o trabalho. A incapacidade como risco social é fruto do trabalho, ou, mais precisamente que isso, a incapacidade se refere ao trabalho, à especial situação que retira, suprime, diminui e afeta o exercício do trabalho. (...) Como o risco social da incapacidade para o trabalho pode se manifestar no mundo da vida de várias maneiras, sob vários níveis e gravidades, e em relação a diversos fatos, o legislador constituinte preferiu adotar na Constituição Federal de 1988 um rol mais detalhado, com a identificação mais precisa dos eventos que possam causar gravame ao exercício do trabalho. (...) Pode-se, a partir da especificidade da Constituição Federal, adotar como gênero o evento incapacidade e como espécies três* das quatro situações de necessidade apontadas no inciso I do artigo 201 da Constituição Federal, quer sejam, a doença, a invalidez e a morte”. CUTAIT NETO, Michel. Auxílio-doença. Leme: J.H. Mizuno, 2006. p. 116-117.

*Não obstante o autor faça referência à morte como evento integrante da contingência social da

incapacidade laboral, não me parece ser o caso, pois a morte não pode ser considerada evento deflagrador de direito à própria pessoa que falece, que deixa de existir em termos jurídicos (art. 6º, do Código Civil), mas, unicamente em favor de seus dependentes. No caso, a morte é contingência social deflagradora do benefício da pensão por morte, mas não de benefícios por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente), cujos eventos integrantes são aqueles outros dois arrolados no trecho supra transcrito, a saber: doença e invalidez.

É por isso que os artigos 42, §2º352 e 59, § único353, da Lei n. 8.213/91, ao tratarem,

respectivamente, dos benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e auxílio- doença, excluem do direito à sua percepção os segurados já portadores de doença ou lesão quando da filiação ao regime geral de previdência social, ressalvando os casos em que a incapacidade laboral sobrevier de progressão ou agravamento das mesmas.

Isso porque é o momento do surgimento da incapacidade laboral o marco

temporal relevante juridicamente para efeitos de aplicação da legislação de regência das prestações previdenciárias por incapacidade, como direito humano fundamental social,

exatamente porque a contingência social protegida pelo Estado é a incapacidade laboral, decorrente de doença ou invalidez.

Logo, se a pessoa, ao se inscrever no regime geral de previdência social, é portadora de doença ou lesão, porém, que não gera incapacidade laboral, vindo apenas posteriormente a se tornar incapaz para o labor, em razão de progressão ou agravamento da doença ou lesão, possui direito à prestação estatal correspondente, não se lhe aplicando o óbice da doença preexistente.

O que é vedado é a percepção de prestação estatal em decorrência de incapacidade laboral preexistente à filiação.

Isso em razão do caráter securitário do regime de previdência social, bem como de seu caráter obrigatoriamente contributivo, fincado no princípio da solidariedade social354.

      

352“A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”.

353“Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”.

354Observação que não passou despercebida a Miguel Horvath Júnior: “Doença preexistente – A vedação da cobertura previdenciária ao segurado que ingressa no sistema já incapacitado para o trabalho revela a Previdência Social como executora de técnicas de seguro social. O sistema previdenciário existe para dar cobertura ao segurado e dependentes quando da ocorrência de um dos riscos ou contingências sociais protegidas que os impeça de obter sua subsistência através de seu trabalho, desde que eles ocorram após o ingresso no sistema. Não podemos esquecer o caráter contributivo do sistema. A lei veda a proteção previdenciária ao segurado que ingressa no sistema já incapacitado, porém lhe concede proteção nos casos da existência da doença ou lesão preexistente à filiação, desde que a incapacidade tenha sobrevindo por motivo de progressão ou agravamento dessa doença, como, v.g., no caso de segurado já hipertenso que se filiou à previdência social, mas que, no entanto, ainda estava apto para o trabalho. Isso porque a hipertensão é doença progressiva que, com o tempo, pode levar à incapacidade laboral”. HORVATH JÚNIOR, Miguel. op. cit., p. 264.