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6. DA PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL DE

6.4. Dois elementos fundantes do direito à previdência social

6.4.1. Contingência social

A expressão contingência social serve para designar os eventos infortunísticos eleitos pelo legislador321 (no caso brasileiro, pelo constituinte, conforme art. 201, incisos I

a V, da Constituição) como hábeis a gerar o direito à percepção de uma dada prestação positiva estatal, notadamente de cunho financeiro, em favor daqueles filiados ao regime jurídico protetivo.

Trata-se de eventos futuros, de ocorrência incerta ou não, mas que, uma vez ocorridos, deflagram o direito público subjetivo dos participantes do regime à obtenção de certa prestação estatal322.

      

319Confiram-se, a propósito: i) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social, cit., p. 25-29; ii) MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, cit., p. 27-28.

320Por se tratar de trabalho voltado ao estudo dos benefícios previdenciários por incapacidade, faço aqui um corte metodológico e deixo de analisar os princípios fundamentais da seguridade social como um todo (englobadora dos direitos à previdência, à assistência e à saúde) arrolados no artigo 194, § único, da Constituição.

321Sobre a necessidade de sua prévia previsão em lei, confira-se: “Tendo em vista a natureza securitária da previdência social, é natural a prévia definição das contingências sociais ensejadoras da proteção previdenciária. No seguro privado, a indenização do dano somente se verificará se o evento coberto pelo contrato de seguro se realizar. Na previdência social, a proteção previdenciária só será prestada se o evento legalmente previsto atingir o segurado”. DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. op. cit., p. 51-52.

322“É a ocorrência do evento legalmente previsto que faz nascer o direito subjetivo à proteção previdenciária para o segurado e/ou seu dependente. A seguradora estatal tem obrigação, em abstrato, de proteger o segurado. Em termos concretos, esta obrigação apenas se verifica se ocorrer a contingência legalmente prevista, isto é, se esta se materializar. E pela simples ocorrência do evento, presume a lei que a necessidade terá se instalado para o segurado ou seu dependente. Não há necessidade de comprovar que o evento legalmente previsto efetivamente causou um estado de necessidade. A lei presume que a verificação do evento tem como corolário o estado de necessidade”. Id. Ibid., p. 52.

Não se trata do único requisito necessário à obtenção do direito a cada proteção previdenciária, mas, inegavelmente, é seu requisito mais importante, verdadeira razão de

ser da prescrição da proteção estatal.

Sua preocupação está na base do próprio surgimento histórico do direito humano fundamental à previdência social, uma vez que, assegurado o direito ao trabalho como conquista civilizatória, tendo os trabalhadores como grupo humano beneficiado, houve a necessidade, imediata, de se garantir proteção no caso da ocorrência de eventos infortunísticos geradores da impossibilidade de manutenção financeira própria e da família pelo labor.

Ou seja, o direito humano fundamental à previdência social surge da necessidade de se garantir uma proteção financeira aos trabalhadores e familiares no caso da ocorrência de eventos geradores da incapacidade para o próprio sustento pela via do labor.

Não é sem razão que os dois primeiros eventos historicamente eleitos pelo legislador como hábeis a gerar a proteção social foram a incapacidade laboral (inclusive pela morte) e a velhice.

Outra questão importante, que deve estar muito bem sedimentada, é aquela atinente à evolução histórica do próprio conceito de contingência social, que evoluiu da concepção originária de seguro, abarcando unicamente eventos futuros e incertos, expandindo sua abrangência para outros eventos, também futuros, mas, de ocorrência certa ou parcialmente certa (p.e.: velhice, maternidade, reclusão).

Assim é que, partindo de uma preocupação securitária, na qual prevalecia a noção de álea, o direito à previdência social evoluiu de seu conceito originário de seguro social para o de contingência social, expandindo sua atuação de modo a abarcar outros eventos futuros, mesmo que de ocorrência certa ou provável, com ênfase na noção de necessidade

financeira e social.

Na atual quadra de evolução, busca-se a expansão da proteção estatal previdenciária para cobrir eventos futuros geradores de necessidades sociais323, quais sejam, aqueles

      

323Mesmo autores que ainda utilizam a expressão “riscos sociais” para designar tais eventos geradores de necessidades sociais não destoam do conceito e alcance consagrados pela doutrina atual, não obstante eu não concorde com a utilização, atualmente, dessa expressão. Confira-se, a propósito: i) ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. op. cit., p. 29-30; IBRAHIM, Fábio Zambitte. op. cit., p. 27-28; iii) CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. op. cit., p. 26; iv) CONCEIÇÃO, Apelles J. B. op. cit., p. 25-27.

inviabilizadores da manutenção própria e familiar pelas próprias forças, sejam eles incertos, ou mesmo certos324325.

Conceito de peso para a expressão contingência social326 é dado da seguinte forma:

Por contingências se entendem aqueles acontecimentos, possíveis e/ou prováveis, mesmo que dotados de uma relativa incerteza a respeito de sua realização em cada sujeito concreto, mas que, ao ocorrerem, geram uma situação de necessidade a ser protegida socialmente. Suas notas caracterizadoras são, portanto, as seguintes: deve ser um acontecimento possível, porque sem essa possibilidade não surge o sentimento de insegurança; deve ser incerto, é dizer, pode ocorrer ou não, como é o caso do acidente de trabalho ou o desemprego e, de forma mais relativa, os casos da morte ou da maternidade; e é aleatório, no sentido de involuntário por parte da pessoa protegida, como nos casos de doença ou desemprego. Se bem que a existência de voluntariedade não impede a proteção em outros casos como na maternidade ou nas responsabilidades familiares327.

Por fim, importante salientar que a necessidade de prévia previsão em lei dos eventos cobertos pela proteção estatal previdenciária faz parte do conceito atual de

contingência social, já que se trata de sistema protetivo gerido pelo Estado soberano, não

sendo possível a proteção de todo e qualquer evento gerador de necessidade social, mas, unicamente, aqueles previamente previstos, até mesmo para que o sistema guarde o necessário equilíbrio financeiro e atuarial, o que, aliás, é regra constitucional expressa no Brasil (art. 201, caput, da Constituição)328.

      

324Tal preocupação aparece de forma flagrante na obra de DIAS e MACÊDO: “O termo ‘contingências’ para fins de proteção da previdência social deve ser entendido nos seus devidos moldes. A previdência, genericamente, visa à proteção contra riscos, ou seja, eventos futuros e incertos. A previdência social tem por objetivo resguardar o trabalhador das consequências dos eventos que possam atingir a sua atividade laboral. O que é relevante para qualificar tais eventos como merecedores do amparo da previdência social é a sua repercussão econômica na vida do trabalhador. As características de “futuro e incerto” perdem relevância para a previdência social na definição das contingências a serem por ela cobertas. Tudo aquilo que repercutir negativamente na economia do trabalhador deve ser objeto de proteção por parte da previdência social. Mesmo que o evento seja atual, querido e previsto, ainda assim, se abalar a economia do trabalhador, deverá ser alvo de cobertura pela previdência social”. DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. op. cit., p. 31.

325Para maior aprofundamento acerca das transformações do conceito e alcance da noção de risco social, evoluindo para a atual concepção de contingência social, confira-se: ZUBA, Thais Maria Riedel de Resende. O direito previdenciário e o princípio da vedação do retrocesso. São Paulo: LTr, 2013. p. 29-41. 326Também utilizam tal expressão os seguintes autores: i) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade

social, cit., p. 22; ii) ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio. op. cit., v. 1, p. 23 e 190-191.

Já a utilização da expressão risco social, em seu alcance originário, mas, acompanhado das expressões contingência e sinistro, inclusive com o desenvolvimento de tais conceitos e seus respectivos âmbitos de abrangência, como modalidades de eventos cobertos pela previdência social, é encontrado em MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário, cit., p. 194-200.

327VIDA SORIA, José et al. op. cit., p. 215 (tradução do original, em espanhol).

328“Em todo caso, em que pese a vocação ‘universal’ também em seu sentido objetivo por parte do artigo 41 CE, resta claro que a Seguridade Social não cobre qualquer risco ou estado de necessidade dos sujeitos incluídos em seu âmbito, senão unicamente aqueles expressamente reconhecidos pelo próprio ordenamento jurídico, com o alcance e os meios também previamente fixados”. VIDA SORIA, José et al. op. cit., p. 214 (tradução do original, em espanhol).