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7. DAS CONTINGÊNCIAS SOCIAIS PROTEGIDAS PELO REGIME GERAL DE

7.3. Conclusões

No caso brasileiro, fixadas as contingências sociais aptas a ensejar a proteção estatal pelo seu legislador constituinte, a forma de abordagem levada a cabo nesta obra permite, desde já, a fixação de algumas importantes conclusões:

1. O legislador ordinário deverá disciplinar e esmiuçar em lei todas as contingências sociais fixadas pelo constituinte, sob pena de incidir em

inconstitucionalidade por omissão;

2. É vedado ao constituinte derivado excluir qualquer das contingências sociais do rol constitucional, sob pena de ofensa à garantia da cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV, da Constituição) e, por via reflexa, à garantia da vedação do retrocesso social;

3. O legislador ordinário poderá ampliar o rol de contingências sociais fixado pelo constituinte, pois trata-se de um standard mínimo a vincular o Estado;

4. O estudo do direito à previdência social deverá partir da análise das

contingências sociais eleitas como aptas a gerar a proteção social estatal, e não das

prestações fixadas em lei, como corolário da prevalência das normas constitucionais sobre as legais (supremacia da constituição).

No tocante especificamente à última conclusão supra, é de se salientar que a doutrina previdenciária, nacional e estrangeira, aglutina e classifica as prestações estatais previdenciárias de acordo com alguns critérios, sendo os principais os seguintes: i) quanto ao aspecto pecuniário: benefícios ou serviços; ii) quanto aos destinatários: segurados,

dependentes ou ambos; iii) quanto ao caráter substitutivo da remuneração (critério aplicável unicamente aos benefícios): substitutivos ou não substitutivos345.

O legislador ordinário, ao disciplinar tais prestações, claramente optou pela divisão calcada no critério subjetivo, ou seja, dividiu as prestações com base nos seus destinatários, assim prescrevendo o artigo 18, da Lei n. 8.213/91:

Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

I - quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade;

c) aposentadoria por tempo de contribuição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 123, de 2006) d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio-acidente;

i) abono de permanência em serviço; (Revogada pela Lei nº 8.870, de 1994) II - quanto ao dependente:

a) pensão por morte; b) auxílio-reclusão;

III - quanto ao segurado e dependente:

a) pecúlios; (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995) b) serviço social;

c) reabilitação profissional

Não obstante, a meu ver o critério a ser observado na divisão e classificação das prestações previdenciárias deve ser aquele adotado pelo legislador constituinte, aliás, seguindo a orientação fixada pela OIT, qual seja, aquele fulcrado no fato gerador da

prestação, na contingência social deflagradora do direito humano fundamental à previdência social.

Trata-se, ademais, de critério muito mais útil e eficaz, pois permite o aglutinamento

de diversos benefícios em torno da contingência social equivalente, com enormes ganhos       

345Para maior aprofundamento, confira-se: DIAS, Eduardo Rocha; MACÊDO, José Leandro Monteiro de. op. cit., p. 187-188. Em Portugal, profunda classificação é feita por: CONCEIÇÃO, Apelles J. B. op. cit., p. 150-153.

em termos de efetividade e proteção social, o que será demonstrado nos capítulos seguintes.

Tal aglutinação permite, outrossim, a leitura e interpretação sistemáticas das

normas jurídicas disciplinadoras das espécies reunidas de prestação estatal, as quais

passam a ser observadas sob o enfoque do regime jurídico disciplinador comum fulcrado na contingência social deflagradora das prestações previdenciárias equivalentes.

De se salientar que tal forma de estudo das prestações estatais previdenciárias já é realidade nos países europeus, do que são exemplos obras de doutrinadores Portugueses346

e Espanhóis347, nas quais se procura o agrupamento das diversas espécies de prestação

previdenciária em categorias comuns, tendo como elemento aglutinador exatamente a

contingência social deflagradora do direito à previdência social.

No Brasil, ainda prevalece o estudo no formato literal trazido pelo legislador ordinário no bojo da Lei n. 8.213/91, fincado no elemento subjetivo.

      

346Apelles J. B. Conceição, por exemplo, aglutina as prestações previdenciárias nos seguintes grupos: i) prestações contributivas: a) substitutivas de rendimento de trabalho, a englobar: riscos físicos não profissionais (subsídios por adoção, para assistência a deficientes profundos e doentes crônicos, para assistência na doença a descendentes menores ou deficientes, de doença, por faltas especiais dos avós, por licença parental, de maternidade, de paternidade, por riscos específicos, de tuberculose e pensões de invalidez, de velhice, de sobrevivência e unificada) e riscos econômicos (compensação retributiva, garantia salarial, salários em atraso, subsídios de desemprego e de desemprego parcial, subvenção a trabalhadores de empresas paralisadas e trabalhadores da siderurgia e do carvão); b) compensatórias de encargos, a englobar: prestações em geral (abonos de família a crianças e jovens e de família pré-natal, complemento de pensão por cônjuge, reembolso das despesas de funeral, subsídio de funeral, subsídio mensal vitalício e subsídio por morte), por deficiência (bonificação por deficiência e subsídio de educação especial) e por dependência (complemento por dependência e subsídios de acompanhante e por assistência de 3ª pessoa);

ii) prestações por riscos físicos profissionais: a) em geral; b) por incapacidade, a englobar: indenização por

incapacidade temporária para o trabalho, pensão por incapacidade permanente para o trabalho, subsídios por situação de elevada incapacidade permanente, por readaptação de habitação e para frequência de cursos de formação profissional e prestação suplementar à pensão; c) prestações por morte, a englobar: pensão por morte, subsídio por morte e subsídio por despesas de funeral; iii) prestações não contributivas, a englobar: complementos por dependência, extraordinário de solidariedade, regional de pensão (RA Açores), social e solidário para idosos, subsídios por assistência de 3ª pessoa, de educação especial e social de desemprego, pensões de orfandade, social e de viuvez e prestação de rendimento social de inserção; iv) prestações da responsabilidade financeira de outras entidades ou fundos, a englobar: antigos combatentes, prestação de alimentos, proteção jurídica e subsídios de gravidez, de lar, de reconversão profissional e de renda de casa. Confira-se, a propósito, em sua obra citada, o Capítulo III, da Parte I (“Relação de Prestação”), CONCEIÇÃO, Apelles J. B. op. cit., p. 169-351.

347José Vida Soria, José Luis Monereo Pérez, Cristóbal Molina Navarrete e Rosa Quesada Segura adotam a seguinte aglutinação de prestações em sua obra VIDA SORIA, José et al. Manual de seguridad social, cit., 2011, p. 273-548 (tradução do original, em espanhol): i) o regime jurídico das prestações por incapacidade temporária, maternidade-paternidade e risco, durante a gravidez; ii) as prestações por incapacidade permanente; iii) a proteção à velhice. Proteção por aposentadoria; iv) proteção para as situações decorrentes da morte; v) proteção social à família. As prestações familiares; vi) a proteção ao desemprego; vii) a proteção à saúde como contingência coberta. Prestações de saúde e organização do sistema nacional de saúde; viii) prestações complementares internas de ‘ação social’ no sistema de seguridade social.

Com a utilização do critério fulcrado nas contingências sociais arroladas pelo legislador constituinte, proponho a seguinte classificação aglutinativa das diversas prestações previdenciárias estatais:

1. Prestações por incapacidade laboral decorrente de doença e invalidez (art. 201, I, da Constituição): aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente (respectivamente, arts. 42 a 47, 59 a 63 e 86, da Lei n. 8.213/91);

2. Prestações por morte (art. 201, I, da Constituição): pensão por morte (arts. 74 a 79, da Lei n. 8.213/91);

3. Prestações por idade avançada (art. 201, I, da Constituição): aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria especial (respectivamente, arts. 48 a 51, 52 a 56 e 57 a 58, da Lei n. 8.213/91);

4. Prestações por maternidade (art. 201, II, da Constituição): salário maternidade (arts. 71 a 73, da Lei n. 8.213/91);

5. Prestações por desemprego involuntário (art. 201, III, da Constituição): seguro desemprego (arts. 2º a 8º-C, da Lei n. 7.998/90);

6. Prestações para a família (art. 201, IV, da Constituição): salário família (arts. 65 a 70, da Lei n. 8.213/91);

7. Prestações por reclusão (art. 201, IV, da Constituição): auxílio-reclusão (art. 80, da Lei n. 8.213/91);

8. Demais prestações e serviços fixados em lei ordinária (p.e., serviço social, art. 88, da lei n. 8.213/91; habilitação e reabilitação profissional, arts. 89 a 93, da Lei n. 8.213/91; abono salarial, arts. 9º e 9º-A, da Lei n. 7.998/90).

Observe que, com base na classificação por mim proposta, resta clara a aglutinação das prestações devidas ao segurado em razão do evento deflagrador da incapacidade laboral decorrente de doença ou invalidez, o que leva à fixação de um regime jurídico

unificado em prol dessas prestações, com a inexorável conclusão no sentido de que a

análise de cada prestação previdenciária inserida em tal rol (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente) deverá levar em conta todas as normas jurídicas disciplinadoras das três prestações decorrentes da incapacidade laboral, ou seja, com o

reforço das interpretações sistemática e teleológica em prol da máxima efetividade do direito humano fundamental à previdência social nesta seara.

8. DA CONTINGÊNCIA SOCIAL DA INCAPACIDADE LABORAL E

RESPECTIVOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS

8.1. Importância prática do tema

Passo, a partir deste capítulo, a analisar diretamente o objeto do presente estudo, qual seja, os benefícios previdenciários decorrentes da incapacidade laboral gerada pelos eventos de doença ou invalidez, como direito humano fundamental assegurado pelo artigo 201, I, da Constituição, a saber: i) aposentadoria por invalidez; ii) auxílio-doença; iii) auxílio-acidente.

Mas, qual a importância prática de tal estudo?

Reputo importante trazer, neste contexto, algumas estatísticas relacionadas à quantidade de ações judiciais em trâmite junto aos Juizados Especiais Federais da Terceira Região348 sobre o assunto.

O quadro comparativo abaixo é bastante esclarecedor acerca da enorme importância que tais benefícios assumiram nos últimos anos, uma vez que o número de ações judiciais buscando a concessão de um dos três benefícios por incapacidade laboral previstos em lei tem crescido anualmente.

Segue, abaixo, quadro comparativo demonstrando o número de ações judiciais distribuídas nos anos de 2013 e 2014 referentes a tais benefícios, bem como o quantitativo de ações em trâmite nos Juizados Especiais Federais da Terceira Região349:

2013 2014

Benefício por incapacidade requerido tramitação Distribuídos tramitação distribuídos

Aposentadoria por invalidez 26.488 26.770 29.465 28.744

Auxílio-doença 35.280 32.025 36.590 35.791

Auxílio-acidente 964 1.037 1.299 1.461

      

348Região que abarca os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

349Dados extraídos do sistema dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, acessado em 13.07.2015. Os números apresentados são o resultado da somatória do número de feitos existentes em cada Juizado Especial Federal da Terceira Região, uma vez que o sistema não possui a funcionalidade de trazer os dados consolidados no tocante às estatísticas relacionadas à distribuição e tramitação processuais por assunto.

Trata-se, inegavelmente, de um grande acervo processual, bem como uma massa considerável de ações ajuizadas anualmente dentro do sistema dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, o que demonstra a grande importância prática do tema pelo prisma da movimentação da máquina judiciária.

Importância essa que aumenta ainda mais ao se considerar o número de feitos distribuídos em cada ano, proporcionalmente ao número total de feitos distribuídos nos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, conforme tabela abaixo:

total feitos distribuídos Nº feitos benefícios por incapacidade Porcentual 2013 187.747 59.832 31,87% 2014 304.909350 65.996 21,64%

De se observar pelos dados estatísticos que, no ano de 2013, de cada três ações ajuizadas no sistema dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região, uma era relacionada a benefícios por incapacidade, porcentual que se reduziu no ano de 2014, mas, de qualquer sorte, correspondendo a uma ação de cada cinco ajuizadas.

Considerando-se a enormidade de teses jurídicas revisionais sabidamente existentes na seara previdenciária, bem como o relativamente grande número de outros benefícios previdenciários existentes, são notórias a força e a importância dos benefícios por incapacidade dentro do regime previdenciário.

Relevância inclusive em termos de movimentação da máquina judiciária federal da Terceira Região dentro do sistema dos Juizados Especiais Federais, não sendo exagero algum se afirmar que os pleitos relacionados aos benefícios por incapacidade são os responsáveis, por assunto, pela maior parte do acervo processual existente e da distribuição anual verificada.

E, considerando-se o incremento entre 2013 e 2014 tanto no número de feitos em tramitação (7,37%) quanto no de distribuídos (10,30%) relacionados aos benefícios por

      

350Grande parte deste colossal incremento no número de ações judiciais distribuídas no sistema dos Juizados Especiais Federais da Terceira Região (62,40%) deve-se à tese jurídica que busca a modificação do índice de correção monetária dos depósitos de FGTS, pendente de julgamento junto aos Tribunais Superiores (STF por via de Adin e STJ por via de recurso submetido à sistemática dos recursos repetitivos, com efeitos vinculantes).

incapacidade, resta fácil concluir que tal importância tende somente a aumentar, o que justifica o estudo aprofundado e científico ora levado a cabo acerca de tais benefícios.