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O DUPLO CARÁTER DA ESFERA JORNALÍSTICA IMPRESSA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: PRODUÇÃO DE MERCADORIA E DISCURSO

ESTUDOS DE LINGUAGEM NAS CIÊNCIAS HUMANAS

3 O DISCURSO NEOLIBERAL E A ESFERA JORNALÍSTICA

3.1 O DUPLO CARÁTER DA ESFERA JORNALÍSTICA IMPRESSA NA SOCIEDADE CAPITALISTA: PRODUÇÃO DE MERCADORIA E DISCURSO

Os consumidores das diferentes formas de mídia são bombardeados diariamente por inúmeras informações, parte delas transmitidas através do jornalismo impresso. No entanto, nem sempre a sociedade de consumo de informação identifica e compreende os discursos que se vinculam aos enunciados da imprensa, muito menos que os jornais/informações também são mercadoria vendida para o consumo, garantindo a existência das empresas de informação. Ademais, também não se compreende, na maior parte das vezes, que os discursos personificados nos enunciados transmitidos pela imprensa satisfazem a necessidade de difusão pública de algumas classes privilegiadas para apresentar e reforçar suas posições. Nesta seção é examinado o duplo caráter simultâneo do jornalismo impresso: mercadorias e plataformas de discursos de grupos hegemônicos de poder social.

Segundo Fonseca (2001b), a imprensa representa uma das instituições mais eficazes na implantação das ideias dos grupos estrategicamente reprodutores de opinião, constituídos pelos estratos médios e superiores da hierarquia social brasileira, se caracterizando como fundamental aparelho privado de estabelecimento de hegemonia, isto é, entidades voltadas à propagação de discursos com vistas à obtenção de consenso acerca de determinadas visões e posições de mundo.

Criar jornais é encontrar uma forma de elevar a uma alta potência o interesse que têm indivíduos e grupos em afirmar publicamente suas opiniões e informações. É uma maneira de se dar eco às posições pessoais, de classe ou de nações através de um complexo industrial-tecnológico, que além de preservar uma suposta impessoalidade, afirma-se, pelo seu poder e soberania, como “a verdade”. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 11).

Os jornais colaboram com a formação de opinião exercendo, inclusive, uma ação condutora por meio da forte influência em seus leitores. A grande imprensa é a instituição que, nas sociedades complexas, é capaz de, ao mesmo tempo, universalizar, sintetizar e dar caráter publicitário aos discursos hegemônicos no mundo. Nesse contexto, os jornais buscam veicular discursos capazes de influenciar a opinião pública de maneira geral, principalmente a dos detentores do poder estatal e a dos segmentos sociais dos quais ela é representante.

Dessa maneira, portanto, pode-se imputar aos produtos da indústria informativa da consciência efeitos específicos no que se refere à produção de comportamentos e posicionamentos políticos. (...). A ideologia constrói-se todos os dias, e nessa permanente reconstrução o papel do jornal é o de um dos seus melhores artífices. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 22).

Segundo Kucinscki (1996), os meios de comunicação de massa possuem papel central na disseminação da democracia liberal como padrão de organização política da sociedade capitalista. Nesse sentido, o jornalismo, por ser exercido por uma elite intelectual e por seu papel decisivo na criação de expectativas e no jogo do poder, é muito condicionado pelas assimetrias que caracterizam as democracias liberais, uma das quais o próprio elitismo.

O modo de pensar estritamente ideológico, composto apenas por ideias acabadas, é antijornalístico porque prescinde dos fatos, que são os fundamentos do jornalismo. Age como camisa-de-força intelectual, que dispensa a observação e despreza a informação contrária aos seus dogmas. No entanto, os jornalistas, paradoxalmente, têm agido em muitas ocasiões como se fossem movidos por esse sistema de saber estritamente ideológico. (KUSINSKI, 1996, p. 183).

Para obter a hegemonia de seu discurso, os ideólogos do neoliberalismo possuem armas teórico/ideológicas que dependem da existência de veículos carreadores das posições que formulam (FONSECA, 2001b). Assim, tanto a elaboração do discurso neoliberal quanto a canalização do conjunto de suas posições faz da grande imprensa uma peça fundamental na conquista pela hegemonia ideológica.

Houve uma ideologização da imprensa, no sentido de uma insistência em informações dogmáticas, a recusa generalizada em lidar com fatos e a tentativa de desclassificação dos críticos do neoliberalismo por meio da adjetivação de “atrasados”, “retrógrados” ou “dinossauros”. (KUCINSCKI, 1996, p. 188).

Dessa forma, a imprensa escrita impressa capitalista encerra um duplo caráter. Com a venda no mercado de suas inúmeras publicações, transformou-se, ao mesmo tempo, em mercadoria e plataforma ideológica. Nesse sentido, grande parte do jornalismo ocidental, que se pauta a partir das necessidades do capital, principalmente o financeiro, ao defender a ideia de liberdade de opinião, a partir da suposta valorização do público como consumidor a quem o jornal apenas serve, encobre a fabricação da opinião e tenta apagar o papel político do jornalista como mediador na sociedade (MORETZSOHN, 2002).

Segundo Marcondes Filho (1989), os jornais (com suas informações transformadas em notícias e demais gêneros discursivos) são mercadorias. São produzidas para um mercado real e encerram em si as duas dimensões da mercadoria: seu valor de uso e o seu valor de troca (MARX, 1975b).

Uma informação pura e simples não é mercadoria. Para tanto é preciso que ela seja transformada em notícia (...). O jornal, então, cria, a partir da matéria-prima informação, a mercadoria notícia, expondo-a à venda (por meio da manchete) de forma atraente. Sem esses artifícios a mercadoria não vende, seu valor de troca não se realiza. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 25).

Para Marcondes Filho (1989) o jornal é produzido para venda, assim como muitos outros objetos, e os indivíduos podem ser atraídos para a aquisição de um periódico por força das promessas de satisfação de necessidades ou interesses que essa mercadoria contém.

O que caracteriza o jornalismo não é somente vender fatos e acontecimentos (que seriam puramente o valor de uso da informação), mas, ao transformá- los em mercadoria, explorar e vender a sua aparência, o seu impacto, o caráter explosivo associado ao fato. Isso constrói a sua “aparência de valor de uso”. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 30).

Além de mercadoria, o jornal também é plataforma ideológica de discursos de várias naturezas, como esclarece Marcondes Filho (1989, p. 26) ao afirmar que “(...) além dessas considerações puramente econômicas (...) há implicações de outra natureza e, em relação ao jornal particularmente, de ordem política e ideológica”. Nesse contexto, Moretzsohn (2002, p.

121) completa essa ideia ao dizer que o leitor de jornal jamais “(...) consome o produto apenas, mas todos os valores extras que lhe são atribuídos”.

É claro que, como bem simbólico, está mercadoria está investida de outros significados, e em torno de sua produção – portanto, da produção do discurso – se dá uma disputa ideológica mais ou menos intensa, conforme o momento político e as forças em jogo. (MORETZSOHN, 2002, p.154).

O jornal é antes de tudo considerado mercadoria e plataforma de discursos. Essa é a característica que prevalece, acima de sua suposta missão original na concepção política liberal: esclarecer e enriquecer o debate em uma sociedade democrática. E transformou-se em mercadoria especialmente a partir da consolidação do jornalismo como atividade industrial produtora de artigos para o consumo de massa. Assim sendo, a imprensa também foi se transformando em grande empresa capitalista, acompanhando as dinâmicas das atividades econômicas rumo ao modo capitalista de produção, se enquadrando mais intensamente à categoria de mercadoria. O modo de produção capitalista vai, dessa maneira, moldando a imprensa aos seus valores.

Segundo Marcondes Filho (1989), a notícia passa a ser uma informação transformada em mercadoria por meio de normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo. Dessa forma, o jornalismo atua ao lado das forças econômicas e sociais predominantes. A imprensa na sociedade capitalista atua como um suporte do sistema. “(...) seria difícil pensar o capitalismo sem imprensa (...), da mesma forma que seria impossível pensar uma imprensa sem capitalismo”. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 12).

Como tempo é dinheiro, segundo os pressupostos do mercado, a busca e divulgação da informação se acelera de tal forma que as notícias e demais gêneros do discurso na esfera jornalística surgem e desaparecem num piscar de olhos. Nesse ínterim, os jornais bombardeiam seus leitores com textos de todas as espécies, perpetuando a velha fórmula segundo a qual a informação é praticamente a única mercadoria que não vale mais nada ao fim de vinte e quatro horas.

Como mercadoria, a informação jornalística é vendida veloz e intensamente, ao mesmo tempo, por milhares de veículos de comunicação espalhados ao redor do mundo. Os diferentes meios de comunicação se estimulam, superexcitam uns aos outros, multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam arrastar para a superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante, até a náusea. O objetivo prioritário, para o expectador, para sua

satisfação, não é mais compreender o alcance de um evento, mais simplesmente vê-lo acontecer sob seus olhos (MORETZSOHN, 2002).

O caráter fragmentário e desconexo da apresentação cotidiana de notícias tem a função ideológica de domesticar conflitos e alienar consciências, a pretexto de informar, sendo que seu valor como meio de informação e como mecanismo de transformação crítica pode se limitar a zero (MARCONDES FILHO, 1989).

3.2 A CIRCULAÇÃO DO DISCURSO NEOLIBERAL NA ESFERA JORNALÍSTICA

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