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O Estado de S Paulo e a tradicional defesa dos valores do discurso neoliberal Em termos ideológicos, segundo Fonseca (2001b), OESP é um veículo de

ESTUDOS DE LINGUAGEM NAS CIÊNCIAS HUMANAS

3 O DISCURSO NEOLIBERAL E A ESFERA JORNALÍSTICA

3.3 O DISCURSO NEOLIBERAL EM DIÁLOGO COM OS JORNAIS O ESTADO DE S PAULO (OESP), FOLHA DE S PAULO (FSP) E O GLOBO (OG)

3.3.1 O Estado de S Paulo e a tradicional defesa dos valores do discurso neoliberal Em termos ideológicos, segundo Fonseca (2001b), OESP é um veículo de

comunicação que percorreu um sinuoso caminho de um jornal secular que, por mecanismos diversos, utilizou-se da onda neoliberal para tentar estabelecer uma nova hegemonia, em que a esfera privada obtivesse a precedência em relação ao Estado e o capital sobre o trabalho. Secularmente, OESP caracteriza-se por defender posições liberais/conservadoras e tradicionalistas. Sua visão de mundo vincula a liberdade, sobretudo de mercado, com a defesa da ordem e da hierarquia social.

(...) OESP caracteriza-se por requerer uma economia liberal. Nesta, se não apoia o radical “Estado mínimo” (...) insiste dogmaticamente caber à iniciativa privada o papel de produzir riquezas. Ao Estado caberia por um lado uma postura suplementar no que diz respeito ao seu papel como agente econômico e, por outro lado e de suma importância, acreditamos, uma atuação pragmática. (FONSECA, 2001b, p. 100).

Ainda segundo Fonseca (2001b), OESP promove discursos que propõem uma luta incansável contra o Estado intervencionista, apontando seus principais problemas, entre eles: os gastos excessivos da máquina pública; a contraposição entre os setores público e privado, em que este último seria fortemente sufocado pelas atividades estatais; e a burocracia, através de seus inúmeros tentáculos, sobretudo o funcionalismo. Para OESP, os grandes males da economia e da sociedade brasileiras não teriam sido superados: o excesso de estatização, a proteção ao empresariado nacional, o poder e a extensão da burocracia e a pusilanimidade da autoridade pública (FONSECA, 2001b). Entre o conjunto de valores críticos à ação do Estado defendidos pelo jornal OESP destacam-se:

a) separação entre sociedade e Estado; b) proteção dos indivíduos perante o aparato estatal; c) valorização do Estado como árbitro do cumprimento de contratos; d) precedência da iniciativa privada em relação ao Estado; e) necessidade de previsibilidade na gestão monetária; f) maior possibilidade de aplicação do monetarismo ortodoxo; (...). (FONSECA, 2001b, p.101).

Como forma de combate a todos esses “males” provocados pela ação estatal excessiva, o jornal mostra as tendências internacionais como sinalização a qual o país deveria se orientar. Em outras palavras: privatização, abertura da economia, aumento da presença do capital estrangeiro, reforma do Estado orientada para o mercado (enxugamento do mesmo) e leis

complementares à Constituição que atenuassem os “excessos” nacionalistas/protecionistas (FONSECA, 2001b).

Segundo Fonseca (2001b), OESP, tradicionalmente, tem uma relação dupla com a alta classe média e a elite nacional, as denominadas classes A e B. Elas são o público-alvo do jornal, seu mercado consumidor e classes socialmente representadas e valorizadas por esse veículo de comunicação. Em relação à classe média propriamente dita, para OESP, ela contempla várias funções, entre as quais o potencial consumidor representado pelo mercado interno e o papel ideológico de espraiar valores referentes à sociedade liberal de consumo e, por extensão, o mercado como valor. A classe média é, então, de fundamental importância ao projeto do jornal de transformar a sociedade brasileira, dotando-a de um capitalismo produtivo e desenvolvido. Seu fortalecimento implicaria a consolidação dos valores liberais, por interesses na manutenção de uma economia de mercado, da qual seria beneficiária direta, e da qual as “classes baixas” dependem como trampolim ascensional. Ao divulgar os valores liberais, mesmo que por interesses vinculados eminentemente à sua classe, contribuiria para a consolidação do capitalismo.

Fonseca (2001b) indica que apesar de suas posições serem claras, a atuação do OESP é, de certa forma – mesmo com seus exageros retóricos –, pragmática, voltada à negociação, o que não significa, necessariamente, estar aberto a inflexões. Logo, por mais que enfatize e alardeie princípios, atua na prática como agente político/ideológico concreto. Tal lógica, no caso específico do jornal, implica a capacidade de “negociação política” (em sentido amplo e figurado), senso de oportunidade, realismo na avaliação das situações que se apresentam e preocupação com as consequências das ações ou inações.

O Estado de S. Paulo, enfatize-se, possui sobejamente todas estas características, utilizando-se dos instrumentos que possui – a comunicação diária – com maestria retórica, donde seus princípios liberais emergem ou não (de forma adaptável, portanto) de acordo com as conjunturas. (FONSECA, 2001b, p. 103-104).

Independentemente de sua enunciada defesa da liberdade de expressão e suposta disposição à negociação, no que tange à maneira de ver o mundo – isto é, em relação às suas posições sobre os mais diversos assuntos, como por exemplo, o modelo de Estado, a relação do país com o exterior, dentre inúmeros outros – o jornal atua de forma intolerante. Para FONSECA (2001b), trata-se, antes de tudo, de desqualificar o adversário, isto é, os que pensam diferentemente do jornal, sobretudo se postado à esquerda no espectro ideológico, considerando suas posições como ideológicas, anacrônicas e derrotadas historicamente.

Consequentemente, apenas e tão-somente as concepções compartilhadas por OESP é que estariam “do lado certo da história” e, mais, não seriam ideológicas, pois seriam desprovidas de pressupostos irracionais, sendo, portanto, “natural”. Em suma, a atuação do jornal OESP visa desqualificar a intervenção conceitual do Estado, todos aqueles que pensam diferentemente do jornal, as outras alternativas para o desenvolvimento que não o mercado e os que descreem do liberalismo e das suas supostas “tendências históricas” e “naturais”. Para o jornal, há claramente uma disputa pela hegemonia, tendo de um lado os grupos à esquerda e todos os que teriam no Estado a principal referência (burocratas, tecnocratas, oportunistas de todos os moldes, entre outros) e, de outro, os liberais.

Para Fonseca (2001b), OESP acredita que a vitória das ideias liberais passaria necessariamente por uma atuação cotidiana dos que acreditam no liberalismo. Cada setor da vida econômica, política e cultural deveria ser ocupado de forma a conquistar a hegemonia liberal. Assim sendo, para o jornal, a associação entre democracia e iniciativa privada seria justamente uma das ideias centrais por resumir o projeto liberal de forma simples ao homem comum. Para alcançar este objetivo, o papel da imprensa seria imprescindível, devido às suas características de formação de opinião, das quais OESP procura explorá-las ao máximo. “(...) as influências do jornal, já sedimentadas, o possibilitam adotar certos pontos ultraliberais sem aderir ao ultraliberalismo”44 (FONSECA, 2001b, p. 99).

Como forma de defender esta visão de mundo, OESP utiliza suas estratégias retóricas e de formação de imagens específicas para propagar as suas convicções doutrinárias e ideológicas. Trata-se de um complexo de imagens (normalmente exageradas, sofistas e catastróficas), símbolos, argumentos e fraseologias que conformam os editoriais (FONSECA, 2001b). Dessa maneira, OESP faria da retórica e da capacidade de formação de imagens seu grande recurso para a condenação das atividades estatais como fonte dos problemas nacionais. Vez por outra, contudo, deixa antever que sua estratégia volta-se fundamentalmente para construção de imagens com vistas a diminuir o papel do Estado e, mais importante, sublinhar a atuação de uma iniciativa privada intrinsecamente portadora de funções econômicas e ideológicas.

Todas essas estratégias retórico/imagéticas justificam-se, portanto, tendo em vista o papel do OESP como defensor das classes médias e altas da sociedade, do pequeno, médio e grande empresário. Em suma, defende o capital, independentemente da origem, tamanho e

44 O autor justifica o uso do termo ultraliberal, ao invés de neoliberal, em virtude do caráter vulgarizado que o termo neoliberalismo adquiriu, o que para ele implica em uma baixa capacidade explicativa. Para Fonseca (2001b), o sulfixo “ultra” desnuda o caráter radicalizado do “neo”.

setor de atuação. Contudo, tais interesses – particularistas – são universalizados, isto é, o jornal procura falar, em nome da “nação”, da “sociedade brasileira”, do “bem comum”, quando, na verdade, defende posições tipicamente empresariais. Mais ainda, se autonomeia representante desta mesma sociedade que diz defender (FONSECA, 2001b).

Segundo Fonseca (2001), OESP faz da ideia de iniciativa privada um princípio a ser perseguido em termos hegemônicos. As estratégias retórico/imagéticas que adotou não podem, por isso, confundir o que é o cerne dos objetivos do jornal: ao mesmo tempo a conquista da hegemonia liberal/conservadora, em que a propriedade privada, independentemente de sua origem, tenha precedência sobre o Estado, e a manutenção de uma sociedade hierarquizada. Daí a ênfase na autoridade e na ordem. Trata-se de um liberalismo conservador e autoritário.

Dessa forma, pode-se concluir que para OESP é fundamental sua função social na defesa dos princípios liberais, expressa, em sua cobertura jornalística, pela defesa dos interesses materiais e ideológicos de setores internacionalistas do capital nacional, do próprio capital estrangeiro e dos setores sociais mais elevados: a elite e a classe média alta. Por detrás deste jornal informativo, portanto, se esconderia um robusto veículo ideológico, com objetivos muito bem definidos enquanto ator político, aparelho privado de hegemonia, “partido” político e empresa capitalista.

Em resumo, é possível dizer que o projeto político de O Estado de S. Paulo, com sua correspondente atuação político/ideológica, implica, como pano de fundo, a defesa de um capitalismo produtivo que fincasse bases sólidas na sociedade, concebida esta nas vertentes econômicas (produção material), sócio/ideológica (introjeção de valores liberais) e político/ideológica (preeminência das classes empresariais enquanto dominantes e dirigentes e hegemonia liberal). (FONSECA, 2001b, p. 116).

3.3.2 A Folha de S. Paulo e a transição de sua defesa do nacional-desenvolvimentismo à

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