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A CIRCULAÇÃO DO DISCURSO NEOLIBERAL NA ESFERA JORNALÍSTICA IMPRESSA: A REFLEXÃO E REFRAÇÃO DA REALIDADE POR MEIO DOS

ESTUDOS DE LINGUAGEM NAS CIÊNCIAS HUMANAS

3 O DISCURSO NEOLIBERAL E A ESFERA JORNALÍSTICA

3.2 A CIRCULAÇÃO DO DISCURSO NEOLIBERAL NA ESFERA JORNALÍSTICA IMPRESSA: A REFLEXÃO E REFRAÇÃO DA REALIDADE POR MEIO DOS

SIGNOS IDEOLÓGICOS DA COBERTURA ECONÔMICA

Sob a ótica da concepção bakhtiniana é possível considerar a esfera jornalística impressa como locus de circulação de discursos que se materializam em signos ideológicos que refletem e refratam a realidade. É também nessa esfera, entre outras, que a ideologia oficial, originada nos padrões da classe dominante, encontra um dos veículos adequados para fazer circular os discursos hegemônicos que, daí por diante, entram em relação de interdependência com a ideologia do cotidiano, alimentando-a e por ela sendo alimentado, garantindo a própria existência da ideologia oficial. Entre os inúmeros discursos que garantem a manutenção da ideologia oficial e que atualmente circulam pelo jornalismo impresso encontra-se o neoliberal. Esta seção reflete sobre a forma como o discurso neoliberal se articula no âmbito da esfera jornalística, essencialmente na cobertura econômica, contribuindo para a sua propagação ideológica.

A força do discurso neoliberal no jornalismo econômico decorre da influência de teorias econômicas ortodoxas neoclássicas e das visões políticas que encaram os interesses do indivíduo acima das necessidades da sociedade. O traço ideológico mais geral e permanente desse padrão tem sido o da defesa da livre empresa – no âmbito econômico – e da democracia liberal – no contexto político. Nesse ambiente de capitalismo neoliberal, o jornalismo econômico se torna aparelho ideológico de Estado, um dos mecanismos não coercitivos usados pelas elites dominantes ou pelo Estado burguês para manter as condições de reprodução do sistema e manutenção de poder.

Com as grandes mudanças na economia mundial deflagradas no início da década de 1970 pela desordem monetária, pela crise do petróleo em 1973 e pela mundialização financeira engendrada desde então, a economia passou a ser um dos mais importantes temas do noticiário jornalístico. A inflação e as crises financeiras, por exemplo, tornaram-se dramas

do cotidiano. No cenário internacional, entramos na transição em que a regionalização (representada pela formação dos grandes blocos econômicos) e a mundialização capitalista enfraqueceram as fronteiras, configurando um cenário de alto risco financeiro que deu ainda mais relevância ao noticiário econômico na tomada de decisões de diversas ordens.

Mesmo com essas mudanças, o espaço dos jornalistas dedicados à economia permaneceu confinado, dificultando a formação de uma nova linguagem apropriada à apresentação e à análise da questão econômica para o grande público. Segundo Kucinski (1996, p. 14), “Não consegue entender a política quem não entende minimamente o funcionamento da economia internacional”.

(...) a utilização de termos técnicos desconhecidos da maior parte dos leitores (...) assim como o uso de gráficos e tabelas, pelos quais as informações são, na verdade, quase encobertas pela própria mensagem (...) dificultam seu entendimento e são facilmente manipuladoras. (MARCONDES FILHO, 1989, p. 48).

A maioria dos leitores e dos telespectadores, mesmo os instruídos, não consegue entender o noticiário econômico, pois, na maior parte das vezes, exige alto grau de abstração do destinatário da informação.

O desafio de traduzir processos econômicos complexos em linguagem acessível não foi vencido, seja porque os processos econômicos se definem num outro plano de saber que não o do saber convencional, seja devido à sua instrumentalização ideológica crescente. (KUCINSKI, 1996, p.14).

Em termos ideológicos, com o colapso da economia socialista, planificada e estatal, o discurso neoliberal ganhou espaço vital ao pregar uma suposta eficiência econômica do capitalismo aliado ao Estado mínimo. Nesse sentido, o jornalismo cumpriu papel importante na campanha neoliberal dos anos 1980 e 1990, pregando o desmonte do Estado de bem-estar social, seduzindo os jovens com o ideal do sucesso pessoal e disseminando uma nova utopia para as classes médias. Afinal “(...) as ideias só repercutem caso sejam personificadas por atores sociais concretos; estes, voltam-se à formação do consenso, da hegemonia, que, desta forma, é continuamente perseguida pelos grupos sociais em disputa”. (FONSECA, 2001b, p. 4).

Nesse contexto, no jornalismo brasileiro voltado à economia predomina o discurso neoliberal, o qual levou a uma ideologização da cobertura macroeconômica, simultaneamente a uma expansão do jornalismo de negócios. Segundo Kucinski (1996), esse quadro se agrava

pelo fato do jornalismo brasileiro voltado à economia se ressentir da pouca autonomia ideológica do jornalista em relação aos grupos proprietários de jornais no que concerne a abordagem dos grandes temas da agenda político-econômica Dessa forma, o jornalismo econômico transforma-se no veículo por excelência desse discurso. Assim, a “disfunção” de sua linguagem talvez tenha uma função ideológica (KUCINSKI, 1996).

Ainda de acordo com Kucinski (1996), o jornalismo econômico brasileiro é marcado por uma mentalidade específica de conotações ideológicas, oriunda de nossa condição de sociedade polarizada e do caráter dependente de nossa economia. Essa mentalidade é marcada pelo: a) consensualismo, traço cultural de nossa sociedade que exige consenso, em torno de interesses dominantes, não considerando legítima a divergência, refletindo uma unanimidade e homogeneidade do jornalismo e na agressividade com que trata os divergentes, logo classificados como radicais; b) dogmatismo, que representa a influência de economistas que repetem teses antigas já invalidadas como verdades, desprezando o factual e o pouco trabalho analítico; c) ingenuidade, que revela a insistência do jornalismo em descrever o mundo dos negócios como uma história de fadas, bem diferente de outros centros mundiais que usam linguagem até agressiva para descrever esse mundo; d) oficialismo, que revela o jornalismo subserviente ao governo do dia, especialmente em momentos cruciais em que o governo baixa pacotes econômicos e na abordagem geral das políticas econômicas, promovendo inicialmente uma euforia e triunfalismo das medidas, tardando para promover críticas; e) entreguismo, em que o jornalismo econômico assume a defesa integral dos interesses estrangeiros, tanto na sua visão geral dos processos econômicos, como em histórias específicas; e, f) deslumbramento, em que o jornalismo se posta de maneira subserviente e acrítica, referenciando grandes empresas e grandes empresários.

Outro problema central do jornalista dedicado à economia, apontado por Kucinscki (1996) está relacionado às teorias econômicas, divididas em grande número de escolas de pensamento, cada qual com seus axiomas, manejados como instrumentos de persuasão ideológica. Isso dificulta o amplo conhecimento das minúcias de cada corrente, deixando o jornalista à mercê da teoria predominante, normalmente aquela apoiada pelo veículo no qual ele trabalha.

No jornalismo econômico, episódios e fatos singulares precisam ser interpretados à luz de processos, leis ou relações econômicas, às vezes conflitantes. Quase sempre ignoradas pelo senso comum, já formuladas em outro nível de saber: o saber das teorias econômicas. (KUCINSCKI, 1996, p. 21).

3.3 O DISCURSO NEOLIBERAL EM DIÁLOGO COM OS JORNAIS O ESTADO DE

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