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CARACTERÍSTICAS DOS ESQUEMAS

TEORIA DOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE

CARACTERÍSTICAS DOS ESQUEMAS

Neste ponto, parece desejável revisar o lugar dos esquemas na personalidade e descrever suas características. O conceito de “esquema” tem uma história relativamente longa na psicologia do século XX. O termo, cuja origem pode ser traçada até Bartlett (1932, 1958) e Piaget (1926, 1952), tem sido usado para descrever as estruturas que integram e dão significado aos eventos. O conceito de esquemas é semelhante à formulação de George Kelly (1955) de “construtos pessoais”. Em relação a uma teoria da psicopatologia, o conceito de esquemas foi primeiramente aplicado à depressão (Beck, 1964, 1967) e, depois, a outras psicopatologias, como os transtornos de ansiedade, mas tem sido usado com menos frequência na discussão dos transtornos da personalidade. Como observado, os esquemas não são detectáveis por introspecção, embora os conteúdos das crenças possam ser discernidos. Em nome da simplicidade, usamos a palavra “crença” para nos referirmos aos esquemas e seus conteúdos cognitivos. Os esquemas também têm uma série de propriedades além de seu conteúdo: ativação, grau de carga, permeabilidade e acomodação.

No campo da psicopatologia, a palavra “esquema” tem sido aplicada a estruturas com um conteúdo idiossincrático altamente personalizado que são ativadas durante transtornos como depressão, ansiedade, crises de pânico e obsessões e que se tornam preponderantes. Quando hipervalentes, esses esquemas deslocam e provavelmente inibem outros esquemas possivelmente mais adaptativos ou apropriados para determinada situação. Como consequência, eles introduzem um viés sistemático no processamento de informações (Beck, 1964, 1967; Beck et al., 1985).

Os esquemas típicos dos transtornos da personalidade assemelham-se àqueles ativados nas síndromes sintomáticas, mas estão em operação de forma mais contínua no processamento das informações. No transtorno da

personalidade dependente, a crença de que “preciso de ajuda” será ativada sempre que surgir uma situação problemática, enquanto em pessoas deprimidas estará evidente somente durante a depressão. Nos transtornos da personalidade, os esquemas fazem parte do processamento normal e cotidiano das informações.

O termo “crença” inclui atitudes, suposições e expectativas. As crenças podem assumir uma forma condicional ou incondicional. Crenças incondicionais, como, por exemplo, “Sou carente” ou “As pessoas são perigosas”, são construtos com forte carga emocional. Já as condicionais, como “Se meu namorado me rejeitar será porque não mereço ser amada”, impõem significado a um evento. A crença condicional costuma ser distorcida, uma vez que se deriva de crenças incondicionais exageradas. Por exemplo, a frase “se minha esposa está distante, é porque ela não me ama” é condicional. As crenças também podem ser criadas na forma de ordens: “Tenho que colocar minha casa em ordem” e “as pessoas devem prestar atenção em mim”. Geralmente, há uma sequência desde significado-suposição-crença até a crença imperativa. Um indivíduo com comportamento histriônico, por exemplo, tinha a crença de que “Se eu não for divertido, as pessoas vão me ignorar”. Assim, ele seguia o imperativo de contar piadas e inventar histórias. Quando as pessoas não estavam se divertindo, seu pensamento era “Sou entediante”. A sequência era crença condicional → crença instrucional. Quando a interpretação ou análise das informações de uma pessoa tem forte relevância para ela, ocorre uma mudança no processamento das informações, que passa da crença condicional para a incondicional.

Quando as crenças condicionais fornecem o significado dos eventos, a força dinâmica das estratégias é a autoinstrução, que pode assumir a forma de “dever” ou “ter que”. Um exemplo seria “Tenho que obrigá-los a demonstrar respeito por mim”. Imperativos diferentes são dirigidos a outras pessoas: “Tenho que demonstrar respeito pelos mais velhos”. A sequência mais completa seria situação → crença condicional → autoinstrução → estratégia. Por exemplo, a situação de ver uma pessoa idosa de pé no metrô poderia desencadear a crença condicional de que “Se sou um bom cidadão, devo ser cortês com os mais velhos”, seguida pela autoinstrução de que “Eu devo me levantar e dar meu lugar a ele”, seguida pelo comportamento adequado. Essa sequência, porém, seria diferente para alguém com transtorno da personalidade antissocial. A situação de ver uma pessoa idosa de pé no metrô

poderia ativar a crença condicional de que “Se eu conseguir me colocar na posição certa, posso bater sua carteira”, seguida pela autoinstrução de que “Eu devo aproveitar essa oportunidade fácil”, seguida por um comportamento compatível com a autoinstrução.

No nível mais primitivo, a formação das crenças inicia-se na primeira etapa da percepção. O indivíduo recebe um grande número de estímulos, muitos dos quais rotulados como “bons” ou “ruins”. Conforme se acumulam ao longo do tempo, as percepções se transformam em generalizações (crenças). Por se basearem em percepções, essas generalizações podem assumir a plena força e a veracidade da realidade. Estas não são somente críveis, mas também influenciam o processamento das informações, levando a interpretações críveis dos eventos. O conteúdo é uma fusão de uma série de construtos cognitivos, rotulados de crenças por conveniência, e consiste em memórias, metas, expectativas e regras consolidadas. O conceito subjacente é representado pela crença. As crenças (ou, mais precisamente, os esquemas) geralmente são adaptativas e levam à necessária interpretação de uma situação e à ativação da estratégia apropriada. Quando os esquemas são ativados, a crença entra em operação para fornecer o conteúdo de uma interpretação.

O rápido processamento cognitivo é facilitado pelo uso de categorias opostas para classificar as informações e, depois, aplicar fórmulas ou algoritmos relevantes. Isso cria sistemas de crenças consistentes (como, por exemplo, a de que amigos são seguros e estranhos são perigosos) que sustentam um modo coerente de filtrar as experiências. Cada um dos transtornos da personalidade apresenta um conjunto caracteristicamente extremo de sistemas de crenças bipolares ou dicotômicas que funcionam como uma espécie de triagem para escolher e preparar-se para responder aos eventos, com crenças predominantes relacionadas às metas mais salientes dos pacientes. Os indivíduos dependentes podem, por exemplo, acreditar que é essencial ser ajudado/amado, enquanto ser abandonado/rejeitado é desastroso. Na vida, essa fórmula é selecionada como um filtro para que os eventos sejam vistos através das lentes de aceitação ou rejeição. Pacientes obsessivo- compulsivos mantêm as crenças condicionais categóricas de que “Se eu obedecer aos sistemas, regras e avaliações, vou funcionar de uma forma melhor” e “Se eu não obedecer aos sistemas, as coisas vão degringolar”. Já os antissociais podem acreditar que “Se eu tirar vantagem de outras pessoas, ficará provado que sou forte e poderoso” e “Se eu não conseguir me

aproveitar de outras pessoas, é porque sou fraco e serei explorado”. O paciente evitativo tende a acreditar que “Se eu me expuser a sentimentos desagradáveis, eles fugirão de controle e causarão dor” e “Se puder controlar e evitar meus sentimentos, ficarei bem”. A polaridade de um indivíduo paranoico afirma que “Se eu desconfiar das motivações das outras pessoas, elas não poderão me ferir” e “Se eu não desconfiar, ficarei vulnerável”. Pacientes com transtorno da personalidade narcisista podem acreditar em algo como “Se eu for famoso, minha vida será maior sucesso”, mas “Se não for famoso, minha vida será um fracasso total”.

Quando uma pessoa entra em uma nova situação, um esquema relevante é ativado de acordo com um limiar de sensibilidade. O grau de cobrança do esquema determina o poder da interpretação, bem como se ele é preponderante e tem a probabilidade de suplantar ou inibir esquemas mais apropriados para processar a informação. Se for extremamente saliente, o esquema determinará a interpretação de modo que seja correta (confirmativa). Como a crença está atrelada à estratégia, uma crença exagerada pode levar a uma estratégia exagerada. Assim, a chave para compreender a formação dos transtornos da personalidade está em entender as crenças. Por exemplo, uma crença muito carregada de que “Não consigo fazer nada sozinho” se refletiria na formação do transtorno da personalidade dependente. A crença de que “Devo evitar sentimentos desagradáveis a todo custo”, por sua vez, seria central no transtorno da personalidade evitativa.