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PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES E PERSONALIDADE

TEORIA DOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE

PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES E PERSONALIDADE

O modo como as pessoas processam dados sobre si mesmas e sobre os demais é influenciado por suas crenças e outros componentes de sua organização cognitiva. Quando existe um transtorno de algum tipo – uma síndrome sintomática ou um transtorno da personalidade –, a utilização ordenada desses dados inclina-se sistematicamente de modo disfuncional. Esse viés na interpretação e o comportamento consequente são moldados por crenças disfuncionais.

As diversas estratégias podem ser utilizadas de maneira adaptativa ou desadaptativa. A aplicação funcional das estratégias – ou os traços típicos que vemos em ação – baseiam-se em um sistema adaptativo de crenças. As crenças, em suas diversas formas, representam o conteúdo dos esquemas cognitivos. Quando o esquema é ativado, o conteúdo (crença) torna-se proeminente no fluxo de consciência e influencia o processamento de informações. Sendo construtos hipotéticos, os esquemas não são observáveis por introspecção, mas seu conteúdo (crenças) está imediatamente acessível. Em nome da simplicidade, usaremos a palavra “crença” tanto para esquema como para crença.

Retomemos o exemplo de Sue, que tinha transtorno da personalidade dependente e também da personalidade evitativa. Ela apresentava grande

preocupação quanto a ser rejeitada. Em um exemplo típico, Sue ouvia ruídos vindos do cômodo ao lado, onde seu namorado, Tom, estava envolvido em algum trabalho que precisava fazer na casa. Sua percepção do barulho fornecia os dados básicos para sua interpretação. Essa percepção estava inserida em um contexto específico – de saber que Tom estava no cômodo ao lado pendurando alguns quadros. A fusão do estímulo com o contexto constituiu a base de informação.

Como possuem valor informacional limitado, dados sensoriais básicos, como ruí​dos, por exemplo, precisam ser transformados em algum tipo de configuração significante. Essa integração em um padrão coerente é o produto de estruturas (esquemas) que agem sobre os dados sensoriais básicos dentro de um contexto específico. O pensamento instantâneo de Sue foi “Tom está fazendo muito barulho”. Na maioria dos casos, as pessoas possivelmente concluiriam seu processamento da informação neste ponto, armazenando tal inferência na memória de curto prazo. Mas como tinha a propensão à rejeição, Sue tendia a inferir significados importantes em situa​ções como esta e a aplicar estratégias de internalização protetoras. Consequentemente, seu processamento da informação continuou, e ela acoplou um significado personalizado: “Tom está fazendo muito barulho porque está zangado

comigo”.

Tal atribuição de causalidade é produzida por uma ordem superior de estruturação que dá significância aos eventos. Um componente (esquema) desse sistema de nível superior seria sua crença de que “se uma pessoa com quem tenho um relacionamento íntimo está fazendo barulho é porque ela ‘está zangada comigo”. Esse tipo de crença representa um esquema condicional (“Se…, então…”) em contraste com um esquema básico (“Não mereço ser amada”). Neste caso, era possível que Tom estivesse zangado com Sue. Entretanto, como a crença básica de Sue era muito forte, ela estava pronta a dar tal interpretação sempre que alguém íntimo como Tom fizesse barulho, estivesse ele realmente zangado ou não. Além disso, na hierarquia de suas crenças, era proeminente a fórmula “Se uma pessoa próxima estiver zangada, ela me rejeitará” e, em um nível mais generalizado, “Se as pessoas me rejeitarem, ficarei sozinha” e “Ficar sozinha será devastador”. As crenças são organizadas de acordo com uma hierarquia que atribui significados cada vez mais amplos e mais complexos em níveis sucessivos.

que o processamento das informações é influenciado por um mecanismo de “pré-alimentação” (Mahoney, 1984). No nível mais básico, Sue tinha a crença de que não era digna de amor. Essa crença se manifestava pela propensão a atribuir um significado consistente quando um evento relevante ocorria (Beck, 1964, 1967). A crença assumia uma forma condicional: “Se os homens me rejeitam, isso significa que não mereço ser amada”. Na maior parte do tempo, essa crença permanecia em estado de suspensão se não fosse exposta a uma situação em que pudesse ocorrer ​rejeição pessoal por um homem. Tal crença (ou esquema), porém, suplantava outras crenças (ou esquemas) mais razoáveis que, talvez, fossem mais adequadas mediante uma situação relevante para a crença em questão (Beck, 1967). Se houvesse dados que pudessem indicar que Tom a estava rejeitando, sua atenção então se fixava na noção de não merecer ser amada. Ela moldava as informações sobre o comportamento do namorado de modo a encaixá-las nesse esquema, muito embora outras fórmulas pudessem se ajustar melhor aos dados, como, por exemplo, “marteladas produzem um som alto”. Como era hipervalente, o esquema de rejeição de Sue era ativado em detrimento de outros, que pareciam ser inibidos pelo esquema hipervalente.

Evidentemente, os processos psicológicos de Sue iam além de sua conclusão sobre ser rejeitada. Sempre que um esquema de perda ou ameaça pessoal é ativado, ocorre uma ativação consequente de um componente afetivo; no caso dessa paciente, profunda tristeza. A interpretação negativa de um evento está ligada a um afeto que lhe é congruente, ativando assim a estratégia associada. No caso de Sue, ela podia ficar rodeando Tom com medo que ele estivesse pensando em romper o relacionamento ou tentar agradá-lo de alguma maneira segura. Embora, para ela, pudesse parecer adaptativo sair correndo para buscar uma pizza para seu amado na hora do almoço, tal comportamento era, na verdade, motivado por seus pensamentos de medo da raiva dele e pela pressão desadaptativa de reafirmar sua necessidade de ser aprovada pelo namorado e de evitar qualquer desvalorização. O caráter desadaptativo ficava ainda mais evidente pelo fato de Sue estar tentando perder peso, motivo pelo qual queria evitar alimentos pesados, como pizza com queijo e presunto, no almoço.

Embora fenômenos como pensamentos, sentimentos e desejos possam surgir apenas muito brevemente em nossa consciência, as estruturas subjacentes responsáveis por essas experiências subjetivas são relativamente

estáveis e duradouras. Além disso, tais estruturas não são conscientes, embora possamos, por meio da introspecção, identificar seu conteúdo. Contudo, por meio de processos conscientes como reconhecimento, avaliação e testagem de suas interpretações (técnicas básicas da terapia cognitiva), as pessoas podem modificar a atividade das estruturas subjacentes e, em alguns casos, mudá-las substancialmente.