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IDENTIFICAÇÃO DE ESQUEMAS

No documento BECK TCC dos Transtornos da Personalidade DSM5 (páginas 152-156)

PRINCÍPIOS GERAIS E TÉCNICAS ESPECIALIZADAS NA TERAPIA

IDENTIFICAÇÃO DE ESQUEMAS

O terapeuta pode usar as informações que está reunindo para extrair o autoconceito dos clientes, sua visão dos outros e as regras e fórmulas pelas quais eles vivem. Muitas vezes, o profissional tem de determinar o autoconceito do paciente a partir de suas manifestações nas descrições em diversas situações. A escuta atenta é o principal método para reunir essas informações, junto com perguntas apropriadas de acompanhamento e a observação do comportamento do indivíduo, tanto na interação direta quanto a partir do autorrelato. É muito importante reunir informações suficientes para desenvolver uma hipótese de trabalho sobre o significado anexado às declarações do paciente, já que declarações muito semelhantes podem estar ligadas a pressupostos e significados centrais imensamente diferentes. Além disso, os esquemas podem se sobrepor, de modo que suas crenças e suposições características podem refletir mais de um dos típicos perfis cognitivos associados a diferentes transtornos da personalidade.

Por exemplo, um paciente faz declarações como: “Fiz papel de bobo quando disse para o motorista fazer a curva errada”, “Não sei como consegui terminar a faculdade”, “Parece que estou sempre colocando tudo a perder” e “Acho que não sou capaz de descrever as situa​ções de maneira adequada para você”. O terapeuta pode selecionar um encadeamen​to que sugira que, em um nível básico, o cliente percebe-se como inadequado ou falho. Entretanto, os significados ligados a essas autoavaliações (“fiz papel de bobo” e “não sei fazer nada direito”) poderiam ser muito diferentes dependendo do autoconceito central (p. ex., “Sou desajeitado e não posso suportar a zombaria deles”, “Sou incapaz e preciso da ajuda deles”, “A responsabilidade é totalmente minha, e serei punido pelos erros”, “Sou esquisito e não sei lidar com as pessoas”, “Sou um alvo e posso ser explorado”, “Sou perfeito e não deveria ter que fazer essas coisas”, “Estou exposto e rodeado de drama” ou “Sou ruim e tudo me oprime”). Muitas vezes, são as perguntas de acompanhamento sobre o significado ligado aos pensamentos e autoavaliações do paciente que revelam uma compreensão mais precisa do perfil de seus esquemas. O clínico pode usar qualquer uma das várias perguntas diferentes de sondagem para explorar essa informação, tais como: “O que você acha que tornou isso tão perturbador para você?” ou “Quando as coisas acontecem

assim, o que você acha que isso pode significar para você?” ou ainda “O que você teme que poderia ser verdade nesta situação?”

Para entender melhor esse significado, o terapeuta pode evocar os pressupostos condicionais por meio das declarações que especificam o contexto em que aquele autoconceito se expressará. Por exemplo, se a pessoa tem pensamentos como “Beto não gosta mais de mim” quando outro indivíduo apresenta uma resposta menos amigável do que de costume, o profissional pode derivar a seguinte fórmula subjacente: “Se os outros não demonstrarem forte afeição ou interesse por mim, é porque não se importam comigo”. A maioria das pessoas sentiria certo desconforto por ser objeto de ambivalência ou rejeição social, já que lutar um pouco por apego social é algo que está geneticamente embutido em nosso esquema central. Em condições normais, as pessoas desenvolvem expectativas mais matizadas dos relacionamentos e conseguem inseri-las no contexto situacional, bem como compreender sua natureza fluida. Porém, indivíduos com problemas de personalidade tendem a aplicar a fórmula arbitrariamente, em um estilo “tudo ou nada”, a todas as situações, mesmo quando há explicações alternativas ou evidências convincentes que contradizem tal crença. Pode ser que não consigam adaptar suas expectativas gerais às considerações da realidade, aplicando condições irracionais como “Meu bem-estar depende da forte afeição de todos, o tempo todo” e apresentam comportamentos inflexíveis superdesenvolvidos que são orientados por esse pressuposto.

Da mesma forma, o terapeuta tenta evocar as visões que os pacientes têm de outras pessoas. Certas declarações de uma personalidade paranoide, por exemplo, podem indicar um esquema básico de que as outras pessoas são desonestas, manipuladoras, preconceituosas e afins. A percepção de desapreço por parte de Beto poderia ser interpretada como malevolência e disparar crenças imperativas sobre a necessidade de autoproteção, como, por exemplo, “É melhor eu tomar cuidado, pois o Beto deve estar aprontando alguma para mim”. O paciente, então, torna-se hipervigilante em relação às ações de Beto, ruminando sobre suas possíveis motivações e sentindo-se compelido a se esconder ou manter segredo como uma forma de defesa contra um dano iminente. Outros exemplos desse esquema se manifestariam em declarações como: “O médico sorriu para mim. Sei que é um sorriso profissional falso que ele usa com todo mundo porque está louco para ter muitos clientes” ou “O caixa contou o meu troco bem devagar porque não

confia em mim” ou ainda “Minha esposa está sendo gentil demais comigo essa noite, o que será que ela quer tirar de mim?”. Os pacientes podem chegar a essas conclusões sem qualquer indício que as embasem ou mesmo quando existe forte evidência contrária. Quando estão em um estado paranoico agudo, passam por suas mentes pensamentos gerais como “Ele está querendo me enganar” ou “Todos eles querem me prejudicar”. Os esquemas centrais são: “Sou vulnerável ao dano” e “As pessoas são enganadoras e abusivas”. Um padrão consequente das conclusões arbitrárias reflete um viés cognitivo e que se diz ser “guiado por esquemas”. Essas conclusões arbitrárias desencadeiam estratégias ou comportamentos superdesenvolvidos para lidar com as emoções despertadas por essas crenças. As estratégias superdesenvolvidas tornam-se, então, mais rígidas ao longo do tempo e funcionam como comportamentos de segurança, evitando informações potencialmente refutatórias e reforçando o esquema básico.

A Tabela 5.1 traz uma formulação estrutural dos problemas de um casal que apresentava conjuntos de crenças um tanto semelhantes, mas que diferiam em aspectos cruciais. Os problemas desse casal foram apresentados detalhadamente em outro texto (Beck, 1988b). Resumidamente, Gary, que tinha transtorno da personalidade narcisista, de tempos em tempos, tinha surtos violentos contra Beverly, a quem acusava de alfinetá-lo o tempo todo por não fazer determinadas tarefas domésticas. Ele acreditava que a única forma de que dispunha para controlar sua parceira, que tinha transtorno da personalidade dependente, era atacá-la para fazê-la “calar-se”. Ela, por sua vez, acreditava que tinha de controlar as constantes falhas de Gary como marido e pai, “lembrando-o” de uma maneira repreensiva de suas negligências. Ela acreditava que esse era seu único modo possível de cumprir com sua responsabilidade como esposa e mãe. Por trás dessa visão, havia uma firme crença de que ela absolutamente não poderia funcionar a menos que tivesse alguém em quem se amparar e que precisava fazer que seu parceiro cumprisse esse papel.

TABELA 5.1

Processamento cognitivo de esquemas centrais: um exemplo

Pensamento

automático Crenças de Beverly:“Gary não está me ajudando o suficiente.”

Crenças de Gary: “Beverly está me azucrinando.”

Do tipo “tem que” “Tenho que controlar o comportamento

dos outros.” “Tenho que controlar o comportamento dosoutros.” Crença condicional

especial “Se Gary não ajudar, não conseguireifuncionar.” “Se eu der chance, as pessoas vão descarregartudo em mim.”

Medo “Serei abandonada.” “Perderei status e serei dominado.”

Esquema central “Sou um bebê indefeso.” “Sou um fraco.” Estratégia

superdesenvolvida Cutucar e lembrar Gary de suas própriasnecessidades Mostrar sofrimento e desamparo

Intimidar Beverly para ela recuar Explorar o status de chefe da casa Estratégia

subdesenvolvida Autossuficiência e resolução deproblemas Negociação assertiva de papéis e tarefas

Empatia pela ansiedade de Beverly Participação ativa nas tarefas domésticas

Gary havia sido criado em um lar no qual “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Seu pai e seu irmão mais velho o intimidavam e o faziam acreditar que era um “fraco”. Ele compensava essa imagem de si mesmo adotando a estratégia interpessoal deles, ou seja, em essência, a melhor maneira de controlar a inclinação das pessoas para dominar ou humilhar é intimidá-las – se necessário, ameaçando usar a força. A formulação inicial, que foi confirmada por entrevistas conjuntas e individuais subsequentes, era a seguinte: o esquema central de Gary era “Sou um fraco”. Esse autoconceito ameaçava emergir sempre que ele se considerava vulnerável à humilhação. Para se proteger, havia consolidado a crença de que “Preciso vencer a discussão”, inerente ao comportamento do pai. Mais adiante, voltaremos aos métodos utilizados para lidar com essas crenças. Essencialmente, o terapeuta conseguiu localizar a origem do comportamento do cliente nessas crenças.

Da mesma forma, Beverly tinha a crença de que “Preciso fazer Gary envolver-se”. Seu imperativo derivava-se do medo de ser incapaz de cumprir com suas obrigações sem ajuda. Seu esquema central era de que “Sou uma criança indefesa”. Observe que o esquema dela (“Sou impotente sem apoio”) processava o comportamento de Gary (“Não ajudar”) como uma ameaça, ativando ainda mais o esquema de identidade central (sou fraca) que levava ao seu sentimento de fraqueza. Ela reagia a esse sentimento debilitante como se fosse uma ameaça a seu próprio ser, culpando o parceiro e enraivecendo-se.

Por meio de imagens mentais e revivendo as experiências de desamparo do passado, o terapeuta foi capaz de ativar o esquema central e ajudar Beverly a reconhecer que seu profundo empenho em fazer Gary ajudar vinha da imagem que tinha de si mesma como uma criança indefesa. Consequentemente, sua “azucrinação” desadaptativa era uma tentativa de evitar sua profunda sensação

de incompetência. A interação desse casal demonstra como as estruturas das personalidades dos parceiros podem agravar os problemas um do outro e ilustra a importância de ver os problemas de personalidade da maneira como se expressam em determinado contexto, como no da relação conjugal.

No documento BECK TCC dos Transtornos da Personalidade DSM5 (páginas 152-156)