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AVALIAÇÃO DA PATOLOGIA DA PERSONALIDADE

SISTEMAS COGNITIVOS

Questionário de crenças dos transtornos da personalidade

Na primeira edição deste texto, Beck, Freeman e colaboradores (1990) esboçaram uma lista de 14 crenças que hipoteticamente estão por trás de cada um dos nove transtornos da personalidade: transtorno da personalidade evitativa, dependente, obsessivo-compulsiva, histriônica, passivo-agressiva, narcisista, paranoide, esquizoide e antissocial. A partir desta lista, Beck e Beck (1991) desenvolveram o Questionário de Crenças dos Transtornos da Personalidade (PBQ), um instrumento de autorrelato com 126 itens para avaliar essas crenças disfuncionais. Beck e seus colegas não especificaram crenças associadas aos transtornos da personalidade esquizotípica ou

borderline. Eles alegaram que os pacientes borderline têm várias crenças

disfuncionais de muitas das outras categorias e que aqueles com transtorno da personalidade esquizotípica sofrem de disfunção no processo do pensamento em oposição à patologia no conteúdo do pensamento.

Beck e colaboradores (2001) demonstraram em uma grande amostra de pacientes psiquiátricos ambulatoriais que cinco das subescalas PBQ originais (Evitativa, Dependente, Paranoide, Narcisista e Obsessivo-compulsiva) apresentavam consistência interna adequada e confiabilidade teste-reteste, bem como haviam diferenciado os pacientes diagnosticados com tais patologias daqueles diagnosticados com outros transtornos da personalidade. Embora seus resultados apontassem em grande parte para a direção prevista, nem ​todas as comparações foram significativas. Foi difícil de distinguir, por exemplo, o transtorno da personalidade narcisista dos transtornos da personalidade compulsiva e paranoide (Beck et al., 2001). Em estudos subsequentes, foi examinada a validade de várias das demais escalas PBQ (veja Bhar, Beck, & Butler, 2012, para uma revisão ampla). Jones, Burrell- Hodgson e Tate (2007), por exemplo, demonstraram que a presença dos transtornos da personalidade esquizoide e passivo-agressiva era prevista pelos escores das subescalas PBQ associadas, enquanto McMurran e Christopher (2008) encontraram suporte parcial para a validade da subescala

“Antissocial”. Quando comparados a controles sadios, os indivíduos diagnosticados com transtorno da personalidade antissocial apresentavam crenças antissociais elevadas no PBQ, mas não recebiam escores mais altos na subescala “Antissocial”. Em vez disso, as escalas “Evitativa” e “Paranoide” pareciam mais capazes de identificar indivíduos com tal patologia.

Desde a primeira publicação do instrumento, foram feitos vários esforços para elaborar uma escala de crenças da personalidade para o transtorno da personalidade borderline. Beck e Beck (1995a) desenvolveram uma escala de crenças da personalidade borderline com 19 itens. Desses 19 itens, 14 eram provenientes de outras subescalas do PBQ completo e cinco eram novos. Butler, Brown, Beck e Grisham (2002) observaram que os pacientes diagnosticados com transtorno da personalidade borderline endossavam mais aquele conjunto de 14 crenças do que qualquer outra subescala do PBQ. Arntz, Dietzel e Dressen (1999) demonstraram que um questionário de crenças do transtorno da ​personalidade borderline semelhante era capaz de discriminar pacientes com tal condição dos ​indivíduos saudáveis e dos pacientes diagnosticados com transtornos do Grupo C.

Trull e colaboradores (1993) conduziram uma investigação independente do PBQ em uma amostra de estudantes universitários sadios e constataram que a consistência interna das nove escalas era aceitável. Os autores, então, compararam o PBQ a duas outras medidas autorrelatadas de sintomas de transtorno da personalidade e concluíram que a correlação entre as duas medidas era maior do que entre cada uma delas com o PBQ. Além disso, eles fizeram uma análise fatorial conjunta dos instrumentos de avaliação e constataram, de modo geral, que os escores na escala do PBQ tinham fraca associação com as escalas correspondentes nas duas medidas de comparação. O fato de o PBQ não apresentar forte associação com outras medidas de disfunção da personalidade – sobretudo em uma amostra não clínica – pode não ser nenhuma surpresa. O PBQ foi especificamente elaborado para examinar os componentes cognitivos da disfunção da personalidade, em parte porque as outras medidas que existiam não abordavam as cognições de modo adequado.

Beck e Beck (1995b) elaboraram uma versão abreviada do PBQ com 65 itens (PBQ-SF; veja Apêndice 3.1). Assim como para a medida como um todo, a consistência interna e a confiabilidade teste-reteste são aceitáveis para

muitas das escalas do PBQ-SF (Butler, Beck, & Cohen, 2007). Outra característica do PBQ-SF é que, diferentemente do PBQ original, os itens são apresentados em ordem aleatória. Fournier, DeRubeis e Beck (2011) examinaram a estrutura fatorial do PBQ-SF em uma amostra de 438 pacientes ambulatoriais deprimidos e confirmaram a estrutura resultante em outra amostra com 683 indivíduos que procuraram tratamento para diversas condições psiquiátricas. Fournier e seus colegas observaram que os itens do PBQ podiam ser descritos por meio de sete fatores: evitativo/dependente, narcisista/antissocial, obsessivo-compulsivo, paranoide, histriô​nico, esquizoide e autonomia. Enquanto os seis primeiros fatores estavam associados aos transtornos da personalidade reconhecidos no DSM, o sétimo continha várias crenças que refletiam a autossuficiência e as consequências negativas de se permitir ser dominado pelos outros. Os autores sugeriram que esse fator era compatível com a autonomia do construto da personalidade cognitiva (Beck, 1983), que representa colocar um alto grau de valor (1) no sucesso individualista, (2) na liberdade de não ser controlado pelos outros e (3) na manutenção de um autoconceito forte.

Além de identificar e confirmar a estrutura de sete fatores em amostras separadas, Fournier e colaboradores (2011) examinaram a validade do PBQ- SF. Eles observaram que, para cada um dos fatores do PBQ, os pacientes com transtornos da personalidade tinham escores mais altos do que aqueles que não apresentavam tais psicopatologias. Também observaram que, para cada uma das cinco categorias diagnósticas para os quais eles tinham dados, os pacientes com o transtorno da personalidade em questão tinham os escores mais altos no fator que representa as crenças associadas àquele transtorno.

Um estudo recente que examinou a sobreposição entre o PBQ e o sistema dimensional alternativo descrito no DSM-5 sugere que os fatores de crenças identificados por Fournier e colaboradores (2011) estão associados a padrões específicos de elevação entre as dimensões da personalidade mais amplos e os traços de personalidade patológica mais restritos propostos no novo modelo (Hop​wood, Schade, Krueger, Wright, & Markon, 2013). O fator de crenças evitativas/dependentes, por exemplo, foi associado a elevações particularmente altas na labilidade emocional, ansiedade, insegurança, perseverança, afastamento, anedonia, depressão, desconfiança e desregulação perceptual. Os autores do estudo sugerem que seus achados “indicam o

potencial de as crenças disfuncionais desenvolverem o modelo de traços do DSM-5” (Hopwood et al., 2013, p. 165).

Considerando que foi elaborado a partir da teoria cognitiva da disfunção da personalidade, o PBQ talvez seja particularmente adequado para uso clínico por terapeutas cognitivos. Como apontam Bhar e colaboradores (2012), as crenças disfuncionais identificadas pelo PBQ representam tanto alvos para tratamento quanto indicadores de um mecanismo central de mudança durante a terapia. Espera-se que, à medida que as crenças comecem a mudar, sobrevenham melhoras em diversas áreas de funcionamento. Refletindo tais considerações, o PBQ tem sido usado em vários estudos de tratamento. Existe alguma evidência de que escores elevados nas escalas “Evitativa” e “Paranoide” do PBQ predizem resultados relativamente fracos da terapia cognitiva para depressão (Kuyken, Kurzer, DeRubeis, Beck, & Brown, 2001), enquanto dois estudos observaram que os escores em escalas PBQ relevantes são reduzidos pelo tratamento bem-sucedido dos transtornos da personalidade obsessivo-compulsiva (Ng, 2005) e borderline (Brown, Newman, Charlesworth, Crits-Christoph, & Beck, 2004). O uso clínico principal do PBQ-SF é identificar as crenças mais fortemente endossadas, e não o de utilizar qualquer classificação diagnóstica. Como tal, o Apêndice 3.1 traz os itens relacionados a cada personalidade, mas não existe no momento um sistema interpretativo de classificação (veja Fournier et al., 2011, para um exemplo de geração de escores PBQ- SF para fins experimentais).

Questionário de crenças dos transtornos da personalidade

Combinando a experiência clínica com as crenças originalmente identificadas por Beck e colaboradores (1990), Dreessen e Arntz (1995) elaboraram o Questionário de Crenças dos Transtornos da Personalidade (PBQ), composto por 12 subescalas, sendo cada uma composta de 20 crenças. Usando uma amostra de 643 participantes – alguns dos quais eram voluntários sadios e outros indivíduos com diagnósticos de transtorno clínico e/ou da personalidade –, Arntz, Dreessen, Schouten e Weertman (2004) demonstraram suporte à estrutura fatorial proposta (2004) de seis subescalas de crenças que testaram: Evitativa, Dependente, Obsessivo-compulsiva, Paranoide, Histriônica e Borderline. Eles também fornecem apoio à validade da medida. Em cada uma das seis escalas, os escores aumentaram dos controles sadios

para os pacientes com diagnósticos psiquiátricos que não os transtornos da personalidade; destes para aqueles com diagnóstico de qualquer transtorno da personalidade; e destes para aqueles com o transtorno da personalidade mais relevante para a escala em questão.

Questionário de esquemas

Young e colaboradores (Young, 1999; Young, Klosko, & Weishaar, 2003) oferecem uma teo​ria cognitiva da patologia da personalidade separada que não tem como ponto de partida os transtornos reconhecidos no DSM ou na CID. Em vez disso, Young (1999) desenvolveu a teoria por meio da descrição das tarefas envolvidas no desenvolvimento que as crianças devem concluir com êxito para tornarem-se adultos psicologicamente sadios. Ele identificou cinco grandes domínios que correspondiam a essas tarefas de desenvolvimento e conjecturou que, se uma criança não completar uma tarefa com êxito, ela desenvolverá um esquema desadaptativo associado ao domínio. No total, Young e colaboradores (2003) identificaram 18 esquemas desadaptativos. O autor argumenta que um indivíduo pode responder a seus esquemas de três maneiras: comportando-se de maneira congruente; tentando evitar o esquema, organizando a própria vida de modo a minimizar a ativação dele; ou supercompensando. Indivíduos que tentam evitar seus esquemas podem, por exemplo, apresentar maior probabilidade de abusar de substâncias. Aqueles que “supercompensam”, em contrapartida, podem comportar-se como se o oposto do esquema fosse verdade. Por exemplo, na conceituação de Young, pacientes com transtorno da personalidade narcisista podem adotar comportamentos que sugerem grandiosidade e autovalorização quando seu esquema subjacente representa profunda inferioridade e autodúvida.

Para avaliar a presença e/ou a força desses esquemas, Young (1990) elaborou o Questionário de Esquemas. A versão estendida ori​ginal do instrumento continha 205 itens e avaliava 16 esquemas. Dois exames analíticos dos fatores encontraram suporte para 14 (Lee, Taylor, & Dunn, 1999) e 15 (Schmidt, Joiner, Young, & Telch, 1995) dos 16 construtos sugeridos pela medida. Para reduzir a carga sobre os pacientes, Young (1998) elaborou uma versão breve do Questionário de Esquemas, com 75 itens, para captar os 15 esquemas identificados por Schmidt e colaboradores (1995). Os

primeiros estudos analíticos dos fatores da versão abreviada (p. ex., Welburn, Coristine, Dagg, Pontefract, & Jordan, 2002) encontraram, de modo geral, apoio para diversos elementos de sua estrutura proposta (veja Oei & Baranoff, 2007, para revisão e discussão crítica). Em 2001, a forma abreviada do Questionário de Esquemas foi mais uma vez revisada a fim de reduzir o viés de resposta e diminuir o grau de leitura necessário para completar o instrumento. Uma análise recente da medida resultante (Samuel & Ball, 2013) não conseguiu recuperar os 15 fatores que ela visa medir e, na verdade, não conseguiu identificar qualquer estrutura de fatores mais restritos que fosse coerente para a medida. Os autores concluem que os esquemas identificados na escala podem não ser empiricamente separáveis. Apesar das dificuldades para identificar uma estrutura de ordem mais restrita, os pesquisadores submeteram as dimensões dos 15 esquemas a uma análise dos fatores mais amplos. Com isso, eles encontraram apoio para quatro dimensões amplas de esquemas: desapego interpessoal, dependência interpessoal, perfeccionismo e exploração impulsiva. Não há dúvida de que são necessários outros trabalhos para avaliar mais profundamente a validade construtiva do Questionário de Esquemas e suas variantes. Afora essas considerações, a medida tem sido usada em estudos clínicos que examinam o risco de transtorno bipolar (Hawke, Provencher, & Arntz, 2011), a mudança nos esquemas decorrentes do tratamento para depressão (Wegener, Alfter, Geiser, Liedtke, & Conrad, 2013) e a previsão da resposta à exposição e do tratamento de prevenção de resposta no transtorno obsessivo-compulsivo (Haaland et al., 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os clínicos têm muitas escolhas a considerar ao decidir qual é a melhor forma de pensar e avaliar a presença de um transtorno da personalidade em seus pacientes. Talvez a melhor abordagem seja aquela que integra entrevista clínica, classificações de informantes e questionário autoadministrado. As várias fontes de informação não somente têm maior probabilidade de descrever em detalhes a patologia do indivíduo, mas sua combinação também pode ajudar a engajar o paciente na colaboração com o processo de gerar uma conceituação para seu conjunto específico de dificuldades. Evidentemente, tal abordagem presume que estejam disponíveis tempo e recursos. Quando uma aproximação multimetodológica não é possível, a melhor opção depende do

propósito da avaliação, da eficiência clínica dos métodos em relação às restrições de custo e tempo, bem como do grau de cooperação do paciente. Certas circunstâncias e ambientes podem priorizar diagnósticos por categoria. As informações das categorias podem ser úteis na rápida comunicação com outros clínicos e talvez sejam necessárias para fins de reembolso e avaliação formal. Em tais casos, deve-se considerar o uso de uma das entrevistas diagnósticas estruturadas como proteção contra alguns dos desafios de fazer diagnósticos por categoria com base apenas em entrevistas clínicas não estruturadas. Quando o tempo para realizar avaliações for escasso, o clínico pode considerar o uso de uma rápida entrevista de triagem, como a escala SAPAS. Se um transtorno da personalidade parecer provável diante do escore de um paciente, o profissional pode dar continuidade sondando respostas positivas. Em outras situações, abordagens dimensionais podem ser mais apropriadas, principalmente quando a meta for captar a ampla gama de dificuldades funcionais vivenciadas pelo paciente. Nesse caso, instrumentos de autorrelato podem ser mais úteis. A medida de autorrelato mais apropriada depende de qual modelo de disfunção de personalidade é mais adequado para a tarefa em mãos. Para terapeutas cognitivos, o PBQ pode ser o mais útil para identificar as características cognitivas da patologia da personalidade de um indivíduo, as quais poderiam servir como alvos de tratamento. Qualquer que seja a abordagem adotada, o clínico deve lembrar que as patologias da personalidade parecem ser menos estáveis do que se pensava, principalmente quando tratadas de modo adequado. Assim, deve-se considerar repetir as avaliações de modo a monitorar a evolução do paciente e identificar áreas para trabalho adicional.

QUESTIONÁRIO DE CRENÇAS DOS

No documento BECK TCC dos Transtornos da Personalidade DSM5 (páginas 119-127)