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INSTRUMENTOS E ESTRATÉGIAS DE AVALIAÇÃO

No documento BECK TCC dos Transtornos da Personalidade DSM5 (páginas 113-119)

AVALIAÇÃO DA PATOLOGIA DA PERSONALIDADE

INSTRUMENTOS E ESTRATÉGIAS DE AVALIAÇÃO

Existem vários tipos diferentes de estratégias que os clínicos podem usar para avaliar o funcionamento da personalidade de seus pacientes. Sem dúvida, esse processo inicia-se durante o primeiro contato do clínico com o cliente. Pode- se aprender muito sobre a natureza e as causas das dificuldades atuais de um paciente por meio das entrevistas clínicas não estruturadas. Estas também são oportunidades importantes para construir rapport entre a dupla, um aspecto crucial de qualquer processo terapêutico e que pode ser particularmente importante ao trabalhar com indivíduos que têm transtorno da personalidade. Apesar de sua importância, várias questões devem ser consideradas ao usar as entrevistas clínicas não estruturadas como método principal (ou único) de avaliar e diagnosticar uma patologia da personalidade. Nas entrevistas não estruturadas, o clínico tem total liberdade para fazer as perguntas que quiser. Assim, a precisão do diagnóstico resultante depende em grande medida do nível de familiaridade do profissional com o sistema diagnóstico, assim como de sua habilidade de propor perguntas que sondem os padrões adequados de comportamento, emoção, cognição e motivação. Nos transtornos mentais, as entrevistas clínicas não estruturadas tendem a gerar diagnósticos menos

precisos quando comparadas às entrevistas diagnósticas estruturadas e empiricamente fundamentadas (Miller, 2001; Steiner, Tebes, Sledge, & Walker, 1995; Zimmerman, 1994). Além da dificuldade de manter todos esses conjuntos de critérios, existem diversos vieses cognitivos conhecidos que podem interferir na precisão dos diagnósticos durante os encontros clínicos (veja, p. ex., Baron, 2000). Por exemplo, ao fazer um diagnóstico, os clínicos nos vários campos médicos tendem a ignorar o que se sabe sobre as taxas básicas de determinado diagnóstico em uma população específica. Outras possíveis fontes de viés incluem o efeito de primazia, pelo qual as informações adquiridas mais precocemente na entrevista tendem a ter mais peso do que aquelas obtidas posteriormente, e o viés de confirmação, pelo qual os clínicos, após terem chegado a conclusões diagnósticas preliminares, tendem a buscar informações que as confirmem (e não que as refutem). As entrevistas clínicas estruturadas e outras estratégias de avaliação foram desenvolvidas para tentar minimizar esses fatores e obter diagnósticos mais precisos.

Entrevistas estruturadas

Várias entrevistas clínicas estruturadas foram desenvolvidas para avaliar a presença de transtorno da personalidade. A maioria desses instrumentos visa determinar se os critérios diagnósticos por categoria foram satisfeitos para os transtornos definidos no DSM ou na CID. Entre os exemplos amplamente utilizados estão a Entrevista Clínica Estruturada para os Transtornos da Personalidade do Eixo II do DSM-IV (SCID-II; First, Gibbon, Spitzer, Williams, & Benjamin, 1997), a Entrevista Clínica Estruturada para Transtornos da Personalidade do DSM-IV (SID-P: Pfohl, Blum, & Zimmerman, 1997) e o Exame Internacional de Transtorno da Personalidade (IPDE; Loranger, Sartorius, et al., 1994). Esses instrumentos diferem em suas propriedades e formato. Por exemplo, a SCID-II é normalmente administrada tanto como instrumento de autorrelato quanto como entrevista estruturada. O questionário autoadministrado é usado para dar dinamismo à entrevista, se modo que o clínico possa concentrar a entrevista nos critérios inicialmente endossados pelo paciente. Em contrapartida, a SID-P não usa uma triagem prévia por meio de autorrelato. Diferentemente da SCID-II, a qual organiza itens por diagnóstico, a entrevista da SID-P é organizada para fluir mais

naturalmente de um domínio de funcionamento para outro. Ao contrário das outras medidas, o IPDE foi desenvolvido para produzir escores tanto por categoria quanto por dimensão dos transtornos da personalidade, embora também seja possível derivar escores dimensionais das outras medidas (veja, p. ex., Levenson, Wallace, Fournier, Rucci, & Frank, 2012).

A confiabilidade interavaliadores das avaliações feitas por meio de entrevistas estruturadas costuma ser boa. A concordância tende a ser muito forte quanto à presença versus ausência de algum transtorno da personalidade (Tyrer et al., 2007) e também é alta para avaliações dimensionais da patologia da personalidade (Maffei et al., 1997). As estimativas de confiabilidade interavaliadores podem ser altas para a maioria dos diagnósticos de transtornos quando é usada a mesma entrevista estruturada (Farmer & Chapman, 2002), mas a concordância entre diferentes entrevistas estruturadas tende a ser um tanto fraca (Clark, Livesley, & Morey, 1997).

Por fim, esses três instrumentos examinados diferem entre si em relação ao tempo médio de administração, uma questão prática importante para sua utilização em consultório. Van Velzen e Emmelkamp (1996) relataram que a SCID-II leva em média de 30 a 40 minutos para ser aplicada, enquanto a SID- P demora de 60 a 90 minutos, e o IPDE, mais de 120 minutos. Reconhecendo a necessidade de instrumentos de triagem para transtornos da personalidade mais breves, Moran e colaboradores (2003) examinaram a utilidade da

Standardized Assessment of Personality-Abbreviated (SAPAS), uma

entrevista clínica de oito itens, como um possível instrumento de triagem para a presença versus ausência de transtorno da personalidade. A entrevista leva menos de dois minutos para ser administrada, sendo cada item classificado como presente ou ausente, e um algoritmo simples gera escores de triagem que variam de 0 a 8. Os autores relataram que a medida tem consistência interna adequada e confiabilidade teste-reteste. Além disso, utilizando um escore de corte de 3 ou mais, eles puderam classificar com precisão 90% dos pacientes como portadores ou não de transtorno da personalidade em comparação às classificações feitas por meio da SCID-II. Os trabalhos posteriores geralmente confirmaram as propriedades psicométricas do instrumento para uso na triagem, mas a porcentagem de pacientes identificados corretamente tendeu a não ser tão alta quanto aquela observada no relato original (Bukh, Bock, Vinberg, Gether, & Kessing, 2010; Hesse & Moran, 2010). Não resta dúvida de que as entrevistas clínicas mais longas fornecem informações mais

refinadas sobre a natureza do funcionamento da personalidade de um indivíduo, mas, quando esse tipo de avaliação não for possível, a SAPAS pode ser um instrumento eficaz para triagem.

Medidas de autorrelato

Existem várias medidas de autorrelato que avaliam a presença de transtorno da personalidade. Diferentemente das medidas de entrevista, a maioria dos dispositivos de autorrelato foi desenvolvida desde o início para resultar em classificações por dimensão de patologia da personalidade, embora seja normalmente possível converter para diagnósticos por categoria.

Modelo de cinco fatores

Nas últimas décadas, as facetas e os fatores do MCF vêm sendo normalmente avaliados por meio do Inventário da Personalidade de NEO – Revisado (NEO PI-R; Costa & McCrae, 1992). Uma nova versão do inventário, o NEO-PI-3 (Costa & McCrae, 2010), também está disponível para pesquisadores e clínicos. Além disso, existe uma versão mais curta, o Inventário de Cinco Fatores NEO, que permite a avaliação dos fatores mais amplos sem a análise das facetas menores. As medidas NEO foram extensamente validadas em diversas amostras e as propriedades psicométricas dos instrumentos são fortes (Costa & McCrae, 1992, 2010). Acredita-se que os escores nos traços variem por grau entre indivíduos com e sem transtorno, e escores extremas em qualquer direção poderiam ser usados para indicar a presença de patologia da personalidade (Widiger, Costa, & McCrae, 2002).

Medidas dimensionais de patologia da personalidade

O Roteiro para Personalidade Não Adaptativa e Adaptativa (SNAP; Clark, 2005a) e a Avaliação Dimensional de Patologia da Personalidade (DAPP; Livesley, 1990) são dois dispositivos de avaliação bidimensional de patologia da personalidade que receberam apoio considerável das pesquisas (First et al., 2002; Widiger & Simonsen, 2005). Ambas as medidas foram desenvolvidas por meio de uma série de estudos analíticos fatoriais: desconfiança, manipulatividade, agressividade, automutilação, percepções excêntricas, dependência, exibicionismo, sentimento de ser merecedor,

desapego, impulsividade, decência moral e ergo​mania. A estes, foram adicionadas três escalas: temperamento negativo, temperamen​to positivo e desinibição/retraimento. A DAPP é composta por 18 fatores: compulsão, problemas de conduta, acanhamento, problemas de identidade, apego inseguro, problemas de intimidade, narcisismo, desconfiança, labilidade afetiva, oposicionismo passivo, distorção cognitiva perceptual, rejeição, comportamentos autodestrutivos, expressão restringida, evitação social, busca de estímulos, desapreço interpessoal e ansiedade. O SNAP e a DAPP foram construídos de maneira independente e não contêm itens em comum. Ainda assim, os elaboradores foram capazes de combinar cada escala em um inventário com um conjunto de escalas no outro ​(Clark & Livesley, 2002). Análises conjuntas revelaram que as duas medidas avaliam, de modo geral, os mesmos traços de personalidade, sendo que 92% das relações hipotéticas apresentam corre​lações estatisticamente significativas. Por fim, o SNAP inclui escalas que avaliam os transtornos da personalidade reconhecidos no DSM, sendo feitos esforços para traduzir os padrões de elevação nas escalas DAPP para representar os transtornos definidos no referido manual (Pukrop et al., 2009).

Inventário dimensional clínico da personalidade para o DSM-5

Durante o desenvolvimento do modelo dimensional alternativo de patologia da personalidade que agora consta do DSM-5, os membros do grupo de trabalho do DSM e seus colaboradores produziram o Inventário Dimensional Clínico da Personalidade para o DSM-5 (IDCP-5), um instrumento de autorrelato com 220 itens para medir as dimensões e os traços mais amplos e mais restritos incluídos no modelo. Desde então, o instrumento tem sido usado por vários grupos de pesquisa para o exame de suas propriedades psicométricas (veja Bagby, 2013). As consistências internas dos traços medidos pelo instrumento são altas (Quilty, Ayearst, Chmielewski, Pollock, & Bagby, 2013). O instrumento parece medir bem as cinco dimensões mais amplas propostas no modelo alternativo do DSM-5 (Quilty et al., 2013; Wright et al., 2012) e também parece capturar outras configurações mais amplas, tais como a estrutura de internalização e externalização de dois fato​res (Morey, Krueger, & Skodol, 2013; Wright et al., 2012). Foram descritos métodos para utilizar as classificações dos traços dimensionais do IDCP-5 a fim de diagnosticar os

seis tipos de transtorno da personalidade citados no sistema alternativo (Samuel, Hop​wood, Krueger, Thomas, & Ruggero, 2013).

Classificações de informantes

Além de pedir ao paciente para relatar suas próprias experiências cognitivas, emocionais, comportamentais e motivacionais ao avaliar a patologia da personalidade, o clínico deve pensar em reunir informações dadas por outros informantes. Os instrumentos de autorrelato, sejam eles fundamentados em entrevistas ou em questionários, dependem da capacidade e disposição dos pacientes de refletir sobre suas experiências e relatá-las com precisão. No caso de um transtorno da personalidade, os indivíduos podem não ter uma compreensão exata dos elementos-chave de sua patologia; por exemplo, de que modo seus comportamentos afetam os outros. Além disso, dado o potencial para dificuldades arraigadas no contexto da patologia da personalidade, alguns pacientes podem não perceber quais elementos de seu funcionamento são dignos de nota ou não normativos. Como vários pesquisadores já ressaltaram (veja Rea​dy, Watson, & Clark, 2002), clientes e informantes tendem a ter acesso a tipos diferentes de informação. Enquanto o paciente tem acesso exclusivo a seus próprios estados internos, o informante pode estar em melhor posição para falar sobre os comportamentos do indivíduo e suas consequências de maneira mais objetiva. Talvez não seja nenhuma surpresa, portanto, que as medidas classificadas pelo paciente e pelo informante se correlacionem apenas mínima ou moderadamente (Oltmanns & Turkheimer, 2009; Ready et al., 2002; Zimmerman, Pfohl, Coryell, ​Stangl, & Corenthal, 1988). Como não se sobrepõem perfeitamente, cada uma dessas duas fontes pode trazer informações úteis e complementares. Ready e colaboradores (2002), por exemplo, constataram que os autorrelatos e os relatos de informantes se incrementavam na previsão do comportamento do paciente. Oltmanns e Turkheimer (2009) ressaltam ainda que as informações dadas por informantes podem ser particularmente úteis para prever certos tipos de desfechos, tais como a probabilidade de ter problemas interpessoais no futuro. Alguns instrumentos de avaliação podem ser usados de maneira relativamente fácil para reunir informações vindas de informantes. A SID-P, por exemplo, inclui instruções para entrevistar informantes e aponta quais perguntas da entrevista devem ser feitas. Também foram criadas versões

separadas para informantes de outros instrumentos, tais como o IDCP-5 (Markon, Quilty, Bagby, & Krueger, 2013).

No documento BECK TCC dos Transtornos da Personalidade DSM5 (páginas 113-119)