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INTERAÇÃO ENTRE O GENÉTICO E O INTERPESSOAL

TEORIA DOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE

INTERAÇÃO ENTRE O GENÉTICO E O INTERPESSOAL

Os processos destacados nos transtornos da personalidade também podem ser elucidados por estudos no campo da psicologia do desenvolvimento. Assim, o tipo de comportamento aderente, timidez ou rebeldia observado em uma criança pode persistir durante o período de desenvolvimento (Kagan, 1989). Prevemos que esses padrões persistem até o final da adolescência e a idade adulta, bem como podem encontrar expressão continuada em alguns dos transtornos da personalidade, tais como os tipos dependente, evitativo ou passivo-agressivo.

A despeito da origem básica dos protótipos geneticamente determinados do comportamento humano, há fortes evidências da presença de certos tipos de temperamento relativamente estáveis e padrões de comportamento já no nascimento (Kagan, 1989). Essas características inatas são mais bem observadas como “tendências” que podem se acen​tuar ou atenuar por meio da experiência. Além disso, um ciclo contínuo e mutuamente reforçador pode se estabelecer entre os padrões inatos de um indivíduo e os padrões de outras pessoas importantes na vida da pessoa. O ácido desoxirribonucleico (DNA) não determina o tipo de personalidade e visão de mundo, mas essas tendências inatas são, sim, moldadas e modificadas por interações que estão incutidas em uma cultura em evolução e ocorrem por toda a vida.

Um indivíduo com grande potencial para um comportamento que evoca carinho, por exemplo, pode trazer à tona um comportamento alheio que produza carinho, de modo que seus padrões inatos se mantêm muito além do período no qual esse comportamento for adaptativo (Gilbert, 1989). Sue, uma paciente sobre a qual discutiremos minuciosamente mais adiante, foi descrita por sua mãe como tendo sido mais apegada e exigido mais atenção do que seus irmãos praticamente desde que nasceu. Sua mãe reagiu sendo mais carinhosa e protetora. Durante toda a sua infância até a idade adulta, Sue conseguiu ligar- se a pessoas mais fortes que respondiam a seus desejos expressos de afeto e apoio constantes. Contudo, seus irmãos mais velhos, com ciúmes, a atormentavam, estabelecendo a base para uma crença posterior: “Não consigo manter a afeição de um homem”, e a luta contra o medo de não ser digna de amor. Em virtude dessas crenças, ela tendia a evitar situações nas quais pudesse ser rejeitada.

Até agora, falávamos de “tendências inatas” e “comportamento” como se essas características pudessem ser responsáveis pelas diferenças individuais. Na realidade, nossa teoria estipula que programas cognitivo-afetivo-mo​‐

tivacionais integrados decidem o comportamento de um sujeito e o diferenciam de outros indivíduos. Em crianças maiores e em adultos, a timidez, por exemplo, deriva-se de uma infraestrutura de atitudes como “é perigoso arriscar o próprio pescoço”, um baixo limiar para ansiedade em situações interpes​soais e uma motivação para manter a distância de estranhos ou pessoas que acabaram de conhecer. Essas crenças podem fixar-se em decorrência da repetição de experiências traumáticas que parecem confirmá- las.

Como apenas podemos observar o com​portamento explícito das outras pessoas, surge a pergunta sobre como nossos estados internos conscientes (pensamentos, sentimentos e desejos) estão relacionados com as estratégias. Se examinarmos os padrões cognitivos e afetivos, veremos um relacionamento específico entre certas crenças e atitudes por um lado e o comportamento por outro. Pela lógica, decorre que um transtorno da personalidade dependente caracterizado por comportamento aderente teria origem em um subs​trato cognitivo calcado, em parte, no medo do abandono; já o comportamento evitativo estaria baseado no medo de se magoar; e os padrões passivo- agressivos, em uma preocupação sobre ser dominado. As observações clínicas a partir das quais essas formulações são discutidas encontram-se nos capítulos subsequentes.

Apesar da poderosa combinação de predisposições inatas e influências ambientais, alguns indivíduos conseguem mudar seu comportamento e as atitudes subjacentes. Nem toda criança tímida torna-se um adulto tímido. As influências de pessoas-chave e de experiências intencionais de cultivar comportamentos mais assertivos, por exemplo, podem fazer uma pessoa tímida passar a ter maior assertividade e sociabilidade, sobretudo se houver um “empurrão” cultural que recompense amplamente essa mudança. Como veremos em outros capítulos deste livro, até mesmo padrões desadaptativos podem ser modificados concentrando a terapia em testar essas atitudes e formando ou reforçando as atitudes mais adaptativas.

Nossa formulação até agora abordou, de forma sucinta, como o dote inato pode interagir com as influências ambientais e produzir distinções quantitativas nos padrões cognitivos, afetivos e comportamentais característicos para explicar as diferenças individuais na personalidade. Cada indivíduo tem um perfil de personalidade único, composto de graus variáveis

de probabilidade de reagir de determinada maneira em determinada medida a uma situação específica.

Uma pessoa que ingressa em um grupo que inclui indivíduos desconhecidos pode pensar “Vou parecer burra” e se retrairá. Outra pode reagir com o pensamento “Posso diverti-las”. Uma terceira pode pensar que “Eles não são amigáveis e pode ser que tentem me manipular”, de modo que ficará em guarda. Quando respostas diferentes são características dos indivíduos, elas refletem diferenças estruturais importantes representadas em suas crenças básicas (ou esquemas). As crenças básicas, respectivamente, seriam “Sou vulnerável porque sou inábil em novas situações”, “Sou divertido para todas as pessoas” e “Sou vulnerável porque as pessoas não são amigáveis”. Tais variações são encontradas em pessoas normais e bem ajustadas e conferem uma coloração distinta às suas personalidades.

Entretanto, esses tipos de crenças são muito mais pronunciados nos transtornos da personalidade; no exemplo supracitado, essas crenças caracterizam os transtornos da personalidade evitativa, histriônica e paranoide, respectivamente. Indivíduos com transtornos da personalidade apresentam os mesmos comportamentos repetitivos em muito mais situações do que outras pessoas — e muito além do que seria culturalmente normativo. Os esquemas desadaptativos típicos nos transtornos da personalidade são evocados em muitas ou mesmo na maioria das situações, possuem uma qualidade compulsiva e são menos fáceis de controlar ou modificar do que seus equivalentes em outras ​pessoas. Qualquer situação que tenha uma relação com o conteúdo dos esquemas desadaptativos ativará esses esquemas em detrimento de outros mais adaptativos. Na maioria das vezes, esses padrões são contraproducentes em termos de muitas das metas importantes desses indivíduos. Em suma, em relação às outras pessoas, as atitudes e os comportamentos disfuncionais são excessivamente generalizados, inflexíveis, imperativos e resistentes à mudança.