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A Caracterização da Actuação – Fraude Fiscal IRC/IVA com Facturas Falsas

No documento Direito Penal e Processual Penal (2012-2015) (páginas 147-150)

Parte II A Direcção Material da Investigação Criminal

1. A Caracterização da Actuação – Fraude Fiscal IRC/IVA com Facturas Falsas

Atenta a complexidade da matéria em causa nem sempre resulta desde logo claro o total alcance deste tipo de actividade criminosa.

Qual o objectivo dos seus agentes? Onde é que eles vão buscar o lucro? Porque razão são atingidos o IRC e o IVA?

Tendo em mente simplificar estas questões vou dar um exemplo concreto a partir do qual se pode partir para as diligências de investigação em concreto.

*

A actuação criminosa que vai servir de base à presente apresentação pode caracterizar-se do seguinte modo:

Abel, cidadão atento às necessidades fiscais das empresas que actuam no mercado cria – quiçá na hora - a sociedade Bela Fraude, Lda.

Por ser cidadão instruído e visando ocultar a sua identidade, Abel contacta Carlos e Daniel, cidadãos em situação de especial vulnerabilidade, e, a troco de uma quantia (por exemplo, €1.500,00, num determinado processo) solicita-lhes que figurem como sócios e gerentes da sociedade, abrindo inclusivamente contas bancárias e assinando as respectivas fichas de assinaturas, ficando com uma procuração outorgada por aqueles de modo a poder gerir o dia a dia social da empresa, o que aqueles aceitam, pois precisavam do dinheiro.

A partir daí, o Abel vai desenvolver diligências no sentido de prosseguir o verdadeiro objecto social da empresa “Prestação de Serviços Personalizados de Fraudes com emissão de Facturas Falsas”.

Na sua actividade comercial Abel vem a contactar com Ernesto, Fernando, Guilherme, Hugo, Ivo e João, entre outros, cada um gerente de uma diferente sociedade e propõe-lhes o seguinte negócio:

A troco de uma compensação monetária a combinar, Abel emitirá a favor de cada uma das empresas de que aqueles são sócios gerentes, o número de facturas necessários para optimizar a situação fiscal de cada uma das empresas.

É que Abel, cidadão instruído leu pelo menos dois Códigos: O Código do IVA e o Código do IRC. Através da leitura do Código do IVA, designadamente do artº 19º, Abel aprendeu que : “nº 1 al. a) Para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos (…) nº 2 Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo: a) Em faturas passadas na forma legal. (…) nº 6 Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos no art 36º ou 40º, consoante os casos”.‖

Do artigo 19º Abel passou à leitura do artº 40º e constatou que o mesmo se referia a Facturas Simplificadas emitidas para valores não superiores a €1.000,00 pelo que ignorou essa norma e analisou o artº 36º constatando o seguinte:

“5 – As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto; b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso; f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura. (…)

Artº 22º, nº 4 – Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes. 5 - Se, passados 12 meses relativos ao período em que se iniciou o excesso, persistir crédito a favor do sujeito passivo superior a (euro) 250, este pode solicitar o seu reembolso. 6 - Não obstante o disposto no número anterior, o sujeito passivo pode solicitar o reembolso antes do fim do período de 12 meses quando se verifique a cessação de actividade

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL (2012-2015)

A Direcção da Investigação Criminal na Criminalidade Tributária

ou passe a enquadrar-se no disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 29.º, 1 do artigo 54.º ou 1 do artigo 61.º, desde que o valor do reembolso seja igual ou superior a (euro) 25, bem como quando o crédito a seu favor exceder (euro) 3000”.

Após a leitura do Código do IVA Abel leu o Código do IRC centrando a sua atenção nas seguintes normas:

– Artº 3º, nº 1, al. a) que dispõe que: “O IRC incide sobre: a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”;

– Artº 23º, nºs 1 e 2, als. a) e b), que dispõem que: “1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. 2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente: a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação”. (…)

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Da leitura integrada destes dois diplomas Abel concluiu que efectivamente poderia prestar um serviço de elevado valor a cada um dos seus clientes o qual poderia ser individualmente adaptado às necessidades de cada um deles:

Poderia emitir Facturas que titulassem serviços fictícios, apondo nas mesmas o valor que mais conviesse a cada um dos seus clientes de modo a optimizar a relação fiscal destes com a Fazenda Nacional, quer ao nível do IRC, quer ao nível do IVA.

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Por seu turno os seus clientes, utilizadores das Facturas, usariam essas facturas para obter benefícios em sede de IVA e de IRC:

– IVA – Poderiam deduzir os montantes de IVA por si devidos nas transacções legítimas do seu comércio jurídico usando os montantes de IVA inscrito nas facturas falsas. Consoante o seu grau de ganância poderiam usar as facturas para pagar Imposto Zero ou para, além de não pagar qualquer Imposto, obter reembolso de IVA forçando o Estado à realização de uma efectiva prestação pecuniária.

– IRC – Poderiam deduzir ao lucro tributável, como se correspondessem a gastos reais, as compras fictícias tituladas nas Facturas adquiridas ao Abel. No limite – no caso do pagamento especial por conta – poderiam até obter reembolso de IRC pago forçando o Estado, também aqui, à realização de uma efectiva prestação pecuniária.

Era, pois, um negócio lucrativo para todos em que a vantagem patrimonial era obtida à custa de efectivo prejuízo e empobrecimento do Estado.

Num processo que correu termos no DCIAP estamos a falar de valores que ascendem a €25.714.187,00.

Mas esta constitui uma conduta extremamente lesiva dos interesses do Estado a qual demanda a efectiva direcção da investigação, convocando para tal, dentro da esfera de actuação de cada um, os OPC’s o Ministério Público e o(a) Juiz de Instrução Criminal.

O esquema ora apresentado constitui o tipo base deste género de actuação. *

A circunstância de as facturas serem electrónicas em nada prejudica o modo de actuação descrito pois, mesmo electrónicas, continuarão a titular serviços fictícios, podendo demandar, para efeitos de evasão à responsabilidade criminal, a criação de um muito mais elevado número de “empresas de fachada”.

Mas o modus operandi será, grosso modo, sempre o mesmo.

No documento Direito Penal e Processual Penal (2012-2015) (páginas 147-150)

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