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Os “Falsos” Métodos Indirectos – A Presunção Judicial O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.02

No documento Direito Penal e Processual Penal (2012-2015) (páginas 166-173)

Parte II A Direcção Material da Investigação Criminal

2. O Início da Investigação

4.2. Os “Falsos” Métodos Indirectos – A Presunção Judicial O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.02

Há uma ténue fronteira entre a aplicação dos Métodos Indirectos nos moldes supra expostos e o recurso a Meios de Prova Indirectos, como as Presunções Judiciais.

Essa ténue fronteira leva a que muitas vezes ocorram erros de interpretação da prova.

Por vezes utiliza-se a expressão “recursos a métodos indirectos” para significar “recurso a prova indirecta ou presunções judiciais”.

A questão surge por força das disposições combinadas dos artºs 125º, do Código de Processo Penal e dos artºs 349º e 351º, do Código Civil, e é claramente sistematizada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Junho de 2011, disponível nas bases de dados judiciárias, onde se escreveu:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL (2012-2015)

A Direcção da Investigação Criminal na Criminalidade Tributária

“As presunções judiciais são um meio de prova lícito (arts. 349º e 351º, do Código Civil) e, por isso, admissível no processo penal (art. 125º, do Código de Processo Penal). Não sendo meio de prova proibido, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados”.‖

*

Enquanto, como se referiu, o recurso aos “verdadeiros”‖ Métodos Indirectos se situam no âmbito do procedimento administrativo, distorcem as regras da produção de prova e por isso não podem ser aproveitados no âmbito do Processo Penal, as Presunções Judiciais são um meio de prova válido em sede de Processo Penal.

*

O problema encontra a sua relevância no facto de a conduta associada à Fraude Fiscal apenas constituir crime quando a vantagem patrimonial ascenda a montante superior a €15.000,00 nos termos do disposto no artº 103º, nº 2, do RGIT, sendo por vezes difícil fazer prova do concreto montante de tal vantagem.

*

Esta questão coloca-se frequentemente e colocou-se, em concreto, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Fevereiro de 2013 cujo Sumário reza assim:

“I – É legitimo o recurso à aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributária. II – Não constituindo um modo de avaliação de um montante efectivamente existente, possibilita a sua quantificação presuntiva pela análise de indicadores que, supostamente, o podem identificar, sem prejuízo do seu carácter excepcional e subsidiário em relação à avaliação directa.

III – Incumbe à administração tributária provar a existência dos pressupostos legais da aplicação do método de avaliação indirecta e o contribuinte terá à sua conta o encargo de provar que a quantificação do valor tributável encontrado é excessivo”.‖

*

Em causa estava um recurso interposto pelo Ministério Público de um despacho de não pronúncia proferido pelo JIC que, pelo facto de a Administração Tributária ter utilizado Métodos Indirectos para quantificar o lucro tributável de determinada empresa, entendeu não ser possível indiciar fortemente a conduta dos arguidos.

Em abono da tese sustentada pelo MMº JIX estava o facto de, efectivamente, a AT ter utilizado métodos indirectos para calcular o lucro tributável referente ao 4º trimestre de 2004 e o período de Janeiro a Agosto de 2005.

Com base nessa metodologia a AT fez correcções no montante de €58.258,78 em 2004 e de €149.018,97 em 2005.

*

Ao analisar a questão, a Desembargadora ponderou que “(…) se é certo que não se provou o quantitativo concreto e preciso dos valores omitidos à administração fiscal em cada declaração de IRC é evidente, todavia, em função de todos os itens, elementos objectivos e valores referentes à actividade comercial e aos vectores envolvidos nesse mesmo funcionamento negocial efectuado pela arguida, tal como resulta dos factos suficientemente indiciado, que pelo menos nos exercícios de 2005 e 2006 os quantitativos omitidos excederam, em cada um deles, o montante de €15.000,00”.

*

Ou seja, sem colocar em causa o entendimento do JIC – dando por não provado o montante concreto do lucro tributável por ter sido apurado com base em métodos indirectos – o Tribunal da Relação lançou mão da restante prova constante dos autos para concluir que, não sendo embora possível a determinação do quantum exacto da vantagem patrimonial, é seguro que a mesma foi superior a €15.000,00.

* Como?

Em causa estava uma empresa de restauração que tinha um programa informático que alterava para montante substancialmente inferior o das facturas emitidas pelo programa “winrest”.

Os arguidos emitiram os talões de caixa assim alterados e entregaram-nos à contabilidade que preencheu as declarações fiscais com base nesses valores (esses valores não constam do Acórdão que remeteu para os mapas constantes do processo).

Mas o raciocínio foi o de que efectivamente não havia nos autos elementos que provassem uma rectificação aos lucros no montante de €58.258,78 em 2004 e de €149.018,97 em 2005, valores a que se chegou com base nos métodos indirectos.

Porém, sendo conhecido dos autos o montante declarado e resultando das perícias efectuadas aos computadores que os arguidos retiravam pelo menos 43% ao valor de cada factura, foi possível presumir judicialmente, sem margem para qualquer dúvida, que a vantagem patrimonial superou os €15.000,00.

Bastou apenas pegar no valor mínimo conhecido (e, por isso, mais favorável aos arguidos) - 43% de diminuição em cada factura – para, operando a correcção, concluir que a vantagem patrimonial excedeu os €15.000,00.

Saliento que o Tribunal da Relação não deu como efectivamente provado o valor do lucro tributável calculado nos termos da Lei Geral Tributária.

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A Direcção da Investigação Criminal na Criminalidade Tributária

Apenas foi preciso dar como provado o patamar mínimo do tipo previsto no artº 103º, nº 2, do RGIT.

Assim e ao contrário do que o Sumário dá a entender, o que foi legitimado e bem, em nosso entender, foi a utilização de Presunções Judiciais afastando os Métodos Indirectos como Prova em processo Penal.

Tanto assim que o decidido foi:

“Em face do exposto, atendendo ao deliberado nos pontos anteriores, acordam em conceder provimento, parcial, ao recurso interposto pelo Mº Pº, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que considere suficientemente indiciado que a vantagem patrimonial indevida obtida, pela sociedade arguida, equivalente ao imposto não liquidado com base nas declarações “Modelo 22”, inicialmente entregues, referente aos exercícios fiscais de 2005 e 2006, cifrou-se em quantia superior, em cada um desses anos, a € 15.000,00, e, em consequência, pronuncie os arguidos pelo crime por que vinham acusados, com todas as demais implicações advindas da sua prolação”.‖

*

Nas investigações, esta distinção nem sempre é fácil mas impõe-se que em cada processo em que a Administração Fiscal recorra à determinação da matéria colectável por Métodos Indirectos o Ministério Público faça um esforço, se necessário em conjunto com a AT, para aferir se em face da prova, é possível provar o patamar mínimo de incriminação mesmo que a prova não seja suficiente para provar os valores resultantes da aplicação de Métodos Indirectos.

5. A Constituição como Assistente da Segurança Social

Finalmente quero deixar uma última nota.

É hoje pacífico que a Segurança Social se pode constituir como Assistente nos autos. No entanto, não concordo.

Neste ponto sigo na íntegra o entendimento do Professor Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário − sobre as responsabilidades das sociedades e dos seus administradores conexas com o crime tributário”, Universidade Católica Editora, obra essencial no estudo desta problemática quando refere que “Na verdade parece contraditório que a administração tributária e da segurança social intervenham no processo na dependência funcional do Ministério Público na fase de Inquérito e possam depois ter poderes processuais autónomos do Ministério Público, exercendo os poderes processuais que a lei atribui ao Assistente”.

A este entendimento ouso acrescentar que me parece ser um factor de perturbação do funcionamento de uma Equipa Mista de Investigação que determinado OPC actue nas vezes de Assistente.

Para além disso, parece-me existir um claro Abuso de Direito por parte do Estado (não da Segurança Social, do Estado) enquanto Administração e uma afronta ao princípio do processo justo e equitativo.

Penso que aqui sim existe uma desigualdade de armas entre o arguido e o ofendido na medida em que o ofendido pode não só investigar com autonomia técnica e táctica tudo o que entender em prol do seu interesse como pode prosseguir a acção penal mesmo contra o entendimento do Ministério Público a cuja actuação devia estar submetido mas afinal não está.

Mais, a segurança social tem ainda a prerrogativa de assistir tecnicamente o Ministério Público em todas as fases do processo e de agir como Assistente.

Penso que esta situação afecta o desejado equilíbrio processual penal mas não me parece que se possa pôr cobro a esta situação sem uma alteração legislativa tal como sucedeu quanto à possibilidade de a Administração Fiscal se poder constituir como Assistente na transição do RGIFNA para o RGIT.

Vídeo da apresentação

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