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Taxatividade das nulidades processuais penais e numerus apertus das proibições de prova

A PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DAS FORMALIDADES RELATIVAS À CONSTITUIÇÃO COMO ARGUIDO

8. A falsidade do auto de constituição e interrogatório como arguido

5.1. Taxatividade das nulidades processuais penais e numerus apertus das proibições de prova

segunda parte, da CRP): são mecanismos de restrição dos direitos fundamentais não consentâneos com a autorização constitucional. O critério deverá, portanto, ser constitucional, separando entre aquilo que é constitucionalmente admissível e aquilo que é constitucionalmente proibido (em termos relativos ou absolutos)26.

5. Diferenças entre os mecanismos das nulidades e das proibições de prova

Em termos processuais penais a distinção dogmática e adjetiva entre proibições de produção e de valoração de prova e nulidades tem várias manifestações práticas. Apesar da proximidade dos mecanismos (relativos à patologia processual), as consequências não são sempre iguais, aproximando-se nuns casos e divergindo noutros. A geometria dos mecanismos não é simétrica.

5.1. Taxatividade das nulidades processuais penais e numerus apertus das proibições de prova

Já vimos que as nulidades processuais penais têm um sistema taxativo (art. 118.º, n.º 1, do CPP), que só excecionalmente, quando estiverem em causa princípios constitucionais,

25 CORREIA, João Conde, Qual o significado de abusiva..., p. 52 e ss. O que não significa depois, como já

vimos, que também as consequências processuais sejam distintas. Trata-se, apenas, de saber se são ou não são abusivas (art. 32.º, n.º 8, 2ª parte, da CRP) e não quais os seus efeitos quando, de facto, são abusivas.

26 A inutilizabilità pressupõe uma prova vetada por intrínseca ilegitimidade objetiva (de per si) ou então uma

prova vetada por efeito do procedimento aquisitivo, cuja manifesta ilegitimidade a põe completamente fora do sistema processual. Neste sentido, na jurisprudência a decisão da Corte de Cassazione (sezione unite) de 27 de março de 1996 e na doutina, FANULI, Giuseppe, Luigi, Inutilizabilità e nullità della prova, Milano, Giuffrè (2004), p. 23. A categoria provas inconstitucionais surgiu em Itália, no início da década de setenta do século passado, abrangendo as provas violadoras dos direitos constitucionais não disciplinadas no Codice di Procedura Penale [CONTI, Carlotta, Accertamento del fatto e inutilizzabilità nel processo penale, Padova, CEDAM (2007), p. 151].

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poderá ser ultrapassado27. Se a nulidade não estiver cominada na lei como consequência

para a violação do formalismo processual previsto o vício, seja qual for a sua gravidade, será tratado como mera irregularidade (art. 123.º do CPP). Seria esse o caso, por exemplo, de uma grave violação do princípio do contraditório (embora esteja presente o defensor é completamente impedido de exercer as suas funções, nos termos do art. 327.º do CPP), equiparável à própria falta de defensor (art. 119.º alª e], do CPP), que, por constituir uma violação daquele princípio (art. 38.º, n.º 5, da CRP), deverá constituir mais do que uma mera irregularidade28. De todo o modo, tirando esses casos excecionais, a verdade é que

no mais vigora um rigoroso princípio da taxatividade das nulidades processuais penais. Se o vício não estiver previsto, o ato não pode ser anulado, por maior que seja a sua gravidade, sendo relegado para as meras irregularidades29.

Pelo contrário, as proibições de prova não têm um sistema taxativo. Podem existir ainda que não exista qualquer cominação legal para o efeito (numerus apertus). No nosso caso, por exemplo, mesmo que não houvesse norma processual semelhante ao atual artigo 58.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, se estivesse em causa uma grave violação do princípio do

nemo tenetur se ipsum accusare sempre deveria ser desencadeada a correspondente

proibição de valoração das provas assim obtidas. Uma coisa não é dependente da outra. A violação daquele princípio constitucional convoca uma sanção processual. É por isso que, na Alemanha, se defende que a violação do direito a um processo justo poderá desencadear a proibição das provas, assim, conseguidas e convocar uma verdadeira proibição de valoração30. Em suma, não obstante a inexistência de uma sanção processual expressa

poderá haver meios ou métodos de prova que não podem ser utilizados, produzidos ou, sequer, valorados31.

5. 2. Conhecimento oficioso ou conhecimento a pedido do interessado

A esmagadora maioria das nulidades processuais penais só pode ser conhecida se tiver sido invocada pelo interessado (art. 120.º do CPP). Tirando os casos excecionais dos artigos 119.º, 321.º e 330.º do Código de Processo Penal todas as restantes nulidades dependem da

27 Como refere AlessandroMALIVERNI [Princípi del processo penale, Torino, G. Giappichelli (1971), p. 208 e ss.] a

Lei Fundamental estabelece diversos princípios relativos ao processo penal, de modo que, quando o legislador ordinário os contraria, a constitucionalidade das normas pode ser questionada. Da mesma forma, no processo penal também deverá haver um mecanismo de retirar eficácia aos atos processuais violadores das disposições legais que tutelam princípios constitucionais, mesmo quando esse preceito não prevê a nulidade como consequência dessa violação. A ordem jurídica não pode estabelecer a eliminação das disposições legais contrárias à constituição e deixar incólume os actos processuais violadores das disposições legais que que acolhem ou concretizam preceitos contorcionais. Nestes casos o fundamento da nulidade encontra-se no próprio preceito constitucional violado.

28 A dúvida que o exemplo suscita consiste em saber se, em bom rigor, se trata de um ato nulo ou da violação de

uma proibição de prova, desencadeadora da respetiva proibição de valoração dos conhecimentos probatórios assim logrados, por violação das garantias de defesa (art. 32.º, n.º 1, 3 e 5, da CRP).

29 CORREIA, João Conde, Contributo para a análise..., p. 142 e ss.

30 RZEPKA, Dorothea, Zur Fairness in Deuteschen Strafverfharen, Frankfurt am Main, Vitorio Klostermann

(2000), p. 137 e ss. e a jurisprudência aí citada.

31 CORREIA, João Conde, A distinção …, p. 194; TEIXEIRA, António de Jesus, Os limites do …, p. 27.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL (2012-2015)

A proibição de valoração decorrente da violação das formalidades relativas à constituição como arguido

arguição do interessado32. Por isso mesmo, se a violação das formalidades relativas à

constituição como arguido for uma proibição de prova desencadeadora de nulidade sanável das provas obtidas (como diz Paulo Pinto de Albuquerque), a sua violação só pode conhecida se for invocada pelo visado e as respetivas declarações podem ser utilizadas nos termos do artigo 356.º do Código de Processo Penal. Se aquele nada disser as suas declarações, ainda que ilegalmente obtidas, podem ser validamente usadas.

Já as proibições de produção e de valoração de prova podem ser conhecidas oficiosamente, seja em primeira instância, seja em sede de recurso. O juiz deve agir ex oficio33. A

gravidade excecional do vício impõe um tratamento excecional. É certo que o artigo 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal só fala de nulidade que não deva considerar-se sanada. No entanto, as proibições de prova são, como vimos, muitas vezes são denominadas nulidades (art. 126.º, n.ºs 1 e 3, do CPP) e estas nulidades não podem considerar-se sanadas (art. 449.º, n.º 1, alª c), do CPP34). O juiz sempre teria que as conhecer. Acresce que, mesmo que

assim não seja, constituem um verdadeiro erro de direito de conhecimento oficioso. Esta invalidade não pode passar incólume, aproveitando a mera inércia do interessado.

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