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Sanabilidade das nulidades e insanabilidade das proibições de prova

A PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DAS FORMALIDADES RELATIVAS À CONSTITUIÇÃO COMO ARGUIDO

8. A falsidade do auto de constituição e interrogatório como arguido

5.3. Sanabilidade das nulidades e insanabilidade das proibições de prova

Outra distinção importante entre o regime das proibições de prova e o regime processual penal das nulidades resulta do caráter insanável de umas e da sanabilidade das outras: todas as nulidades processuais, mesmo aquelas que o legislador reputa insanáveis (art. 119.º, 321.º e 330.º do CPP), são afinal sanáveis. Depois de transitada em julgada a decisão final de nada valerá ao arguido dizer que foi violada uma formalidade processual cominada com nulidade, nomeadamente que só foi julgado por dois juízes [art. 119.º, alª a), do CPP], que o Ministério Público não tinha promovido o processo [art. 119.º, alª b), do CPP] ou não estava presente (art. 330.º, n.º 1, do CPP), que o seu defensor também não esteve presente [art. 119.º, alª c) e 330.º, n.º 1, do CPP] ou que a audiência de discussão e julgamento não foi pública (art. 321.º, do CPP). Se estes vícios não forem oportunamente conhecidos (de forma oficiosa ou a pedido) os efeitos jurídicos precários que o ato processual penal inválido produziu consolidam-se na ordem jurídica e não podem ser alterados. O caso julgado é «la

più vistosa e potente causa di sanatoria»35, impedindo a anulação posterior do processado.

O mesmo acontece, de forma ainda mais célere, no caso das nulidades dependentes de arguição (art. 120.º do CPP): o termo do prazo perentório previsto para o efeito, a obtenção da faculdade a que o ato anulável se dirigia ou a aquiescência do interessado

32 CORREIA, João Conde, A distinção …, p. 194; SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Lisboa

Verbo (1993), II, p. 66 e ss.; MEIREIS, Augusto Alves, O regime das provas …, p. 222; OLIVEIRA, Pedro Martins de, Da autonomia do regime..., p. 266.

33 Na doutrina nacional: AGUILAR, Francisco, Dos conhecimentos fortuitos obtidos através de escutas telefónicas,

Coimbra, Almedina (2004), p. 89; SILVA, Germano Marques da, Curso ..., p. 106; MEIREIS, Augusto Alves, O regime das provas …, p. 191; TEIXEIRA, António de Jesus, Os limites do …, p. 28; Luís Bértolo, Consequências processuais …, p. 243;OLIVEIRA, Pedro Martins de, Da autonomia do regime..., p. 277; ou MORÃO, Helena, O Efeito à distância…, p. 596.

34 Sobre esta insanabilidade, infra 5.3.

35 CONSO, Giovanni, Il concetto e le specie di invalidità, Milano, Giuffrè (1955), p. 95.

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impedem a destruição do processado, permitindo a consolidação dos efeitos do ato anulável. Apesar do vício que o afeta, o legislador – em homenagem à segurança jurídica e à economia processual – permite a manutenção do ato inválido36. Por isso mesmo, se a

invalidade decorrente da violação das formalidades relativas à constituição como arguido fosse destruída através do mecanismo processual das nulidades, as declarações prestadas pelo visado poderiam ser facilmente utilizadas em audiência de discussão e julgamento. Sempre que ele não invocasse o vício no próprio ato [art. 120.º, n.º 3, alª a), do CPP] ou, numa tese mais generosa, até ao encerramento do debate instrutório [art. 120.º, n.º 3, alª c), do CPP] o seu valor gnosiológico manter-se-ia incólume, podendo fundamentar a condenação do arguido. Ainda que ele agora o viesse invocar, o vício já estaria sanado.

Já as proibições de prova determinam uma invalidade insanável: o artigo 449.º, n.º 1, alª e), do Código de Processo Penal consagra hoje a possibilidade da revisão nos casos em que se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas, nos termos dos números um a três do artigo 126.º. O reconhecimento crescente da importância da metodologia utilizada para a bondade do resultado final levou à introdução desta nova causa de revisão37. A gravidade da ilegalidade cometida fragiliza a própria fiabilidade da

decisão final. Ora, se o vício não fica sanado com a formação da res judicata como é que pode dizer que fica sanado no decurso do processo. Ele pode ser invocado a todo o tempo, antes e depois do trânsito em julgado.

5. 4. Renovação do ato inválido

Nas nulidades processuais, sobretudo por força do seu caráter formal ou instrumental, vigora um amplo princípio de renovação do ato inválido. Nos termos do artigo 122.º, n.º 2, do Código de Processo Penal: a «declaração de nulidade determina, sempre que necessário e possível, a sua repetição». O que, desde que o prazo ainda não tenha expirado (nos termos do art. 202.º do CPC «o ato nulo não pode ser renovado se já expirou o prazo dentro do qual devia ser praticado»38), deverá acontecer geralmente. O ato deve ser, de novo, praticado, com

todo o formalismo legal, repondo-se a legalidade processual.

36 CORREIA, João Conde, Contributo para a análise..., p. 176 e ss.

37 CORREIA, João Conde, O «mito do caso julgado» e a revisão propter nova, Coimbra, Coimbra Editora

(2010), p. 490; CARNEIRO, Ana Teresa, Dos fundamentos do recurso extraordinário de revisão, Lisboa, Rei dos Livros (2012), p. 129 e ss.

38 O ac. do TC n.º 27/2001, de 30 de janeiro, considerou que «o estabelecimento de um prazo peremptório para

requerer a abertura da instrução – prazo esse que, uma vez decorrido impossibilita a prática do acto – insere-se ainda no âmbito da efectivação plena do direito de defesa do arguido. E a possibilidade de, após a apresentação de um requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se poder ainda repetir, de novo, um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado, é, sem dúvida, violador das garantias de defesa do eventual arguido ou acusado. Com efeito, a admissibilidade de renovação do requerimento não permitiria que transitasse o despacho de não pronúncia, assim desaparecendo a garantia do arguido de que, por aqueles factos não seria de novo acusado» e que «se se focar, agora, a perspectiva do direito da assistente de deduzir a acusação através do requerimento de abertura da instrução, a não admissibilidade de renovação do requerimento por decurso do prazo não constitui uma limitação desproporcionada do respectivo direito, na medida em que tal facto lhe é exclusivamente imputável, para além de constituir – na sua possível concretização - uma considerável afectação das garantias de defesa do arguido».

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL (2012-2015)

A proibição de valoração decorrente da violação das formalidades relativas à constituição como arguido

No que respeita às proibições de produção e de valoração de prova, atentos os interesses em jogo, em princípio, a repetição do ato é impensável. Se o ato é em si mesmo proibido (art. 32.º, n.º 1, primeira parte da CRP) não se concebe, sequer teoricamente, a sua repetição (v.g. tortura). Seria afrontar, de novo, a proibição e cometer outra vez o crime (art. 243.º do CP). Já se o ato for repetível (por exemplo, só estão em causa as formalidades imprescindíveis para que não seja abusivo do ponto de vista constitucional, nos termos do art. 32.º, n.º 8, segunda parte, da CRP), a repetição pode ser, na prática, impossível (v.g. escutas, gravações) porque passou a oportunidade ideal para o efeito; será impensável fazer uma escuta em julgamento. Devido ao normal desenrolar do processo, o ato já não pode ser eficazmente praticado.

Para além destas situações, em que a repetição do ato é teórica ou praticamente impensável, existem alguns casos em que ele poderá ser repetido39. O visado pode sempre confessar em

julgamento, superando o desvalor das declarações inicialmente obtidas com violação das formalidades relativas à constituição como arguido (art. 58.º do CPP). Nesse caso, a sua conduta posterior dissipará a mácula inicial, interrompendo o efeito à distância decorrente daquela violação inicial40. Seja como for, nesse caso, também não se colocará a

necessidade da utilização dos elementos genoseológicos então adquiridos, por forma a superar as dificuldades probatórias depois surgidas em audiência de discussão e julgamento41. Para evitar esta impossibilidade, nos casos em que isso venha a ser mesmo

necessário, importa ab initio cumprir todas as formalidades relativas à constituição como arguido.

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