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II Revisão da Literatura

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude

1.4. Caraterísticas dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude

Dizem-nos Pittman, (1991), Roth, Brooks-Gunn, Murray & Foster (1998)19 que embora não exista consenso quanto aos elementos que constituem exatamente um programa de desenvolvimento da juventude, a visão positiva dos jovens, como potenciais bons cidadãos, com recursos a desenvolver, e não como problemas a gerir, é um ponto de partida fundamental.

Peter Benson, no seu livro “All Kids Are Our Kids: What Communities Must Do

to Raise Caring and Responsible Children and Adolescents”, introduz uma nova

maneira de abordar o desenvolvimento de crianças e adolescentes que se centra na construção de recursos desenvolvimentais nos jovens (Benson,

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1997). Estes recursos desenvolvimentais são constituídos por importantes dinâmicas da comunidade – recursos externos – e por competências, habilidades e autoconhecimento que gradualmente se desenvolvem nos jovens – recursos internos.

Os recursos externos, em número de vinte, estão agrupados em: “Recursos de suporte” (6)20

, que representam as oportunidades de experiências de afirmação, aprovação e aceitação; “Empowerment” (4), representando os fatores de encorajamento, sensação de se ser útil e de segurança; “Limites e expectativas” (6), naturais do ambiente familiar (ou outro) e consistentes nos adultos com quem os jovens se relacionam; e “Uso construtivo do tempo” (4) com atividades ricas e variadas que propiciem a ligação a adultos compassivos.

Os recursos internos, também em número de vinte, estão agrupados em: “Compromisso com a aprendizagem” (5), resultante de uma combinação entre crenças pessoais, valores e competências de aprendizagem; “Valores positivos” (6), consubstanciados em valores pró-sociais e valores de caráter; “Competências sociais” (5), traduzidos em competências para enfrentar e lidar com a complexidade social; e, “Identidade positiva” (4), que consiste numa visão positiva de si mesmo relacionada com uma estável autoestima e com sentido positivo de propósito e de competência (Benson, 1997; Benson, Leffert, Scales, & Blyth, 1998).

Os recursos desenvolvimentais são de primordial importância para o Desenvolvimento Positivo da Juventude. Compreendê-los, permite ao profissional planear e desenvolver programas e atividades apropriadas ao DP dos seus jovens (Carter & Kucharewski, 2005).

Catalano, Hawkins, Berglung, Pollard, e Arthur, (2002), num artigo subordinado ao tema do Desenvolvimento Positivo da Juventude, recomendam que os programas se foquem nos resultados positivos para os jovens, nas estratégias baseadas no sucesso e no papel das famílias e das comunidades. De acordo com estes autores as intervenções junto dos jovens, para serem eficazes

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devem atender à pessoa como um todo devendo os programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude ter as seguintes caraterísticas:

 Promoverem o desenvolvimento para atingir resultados positivos para os jovens.

 Dirigirem a atividade para criança como um todo.

 Focarem-se em resultados específicos para estádios de desenvolvimento e capacidades específicas.

 Darem atenção às interações com a família, a escola, o bairro e os contextos sociais e culturais.

Com base na literatura e nos resultados de pesquisa sobre programas Desenvolvimento Positivo da Juventude, (Roth, 2004; Roth & Brooks-Gunn, 2003a) examinaram três das caraterísticas que emergem como definidoras desses programas (i.e. os objetivos do programa, a atmosfera, e as atividades eleitas), tendo verificado que os objetivos dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude incluem, mas não estão limitados, a prevenção de problemas de comportamento e que a matriz das qualidades a desenvolver tem paralelo nas listas apresentadas por estudiosos do tema. As autoras dão como exemplo o facto de a gama de objetivos declarados pelos participantes no estudo coincidir com os cinco Cs da lista de desenvolvimento positivo de Lerner (2000), abrangendo ao mesmo tempo áreas típicas de desenvolvimento: físico, intelectual, psicológico, emocional e social.

Em relação à atmosfera dos programas, Roth e Brooks-Gunn, adotaram como definições operacionais as providenciadas por Catalano e outros (1999) e pelo

National Research Council (2002) para investigarem três dimensões da

atmosfera dos programas (o ambiente de suporte, de empowering e de expectativas) tendo identificado uma grande consistência nos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude relativamente à capacidade demonstrada para promoverem o empowerment e uma atmosfera de expectativas positivas, mais até do que quanto à capacidade para criar um ambiente onde os jovens se sentissem apoiados e seguros. Num outro artigo, Roth (2004) refere que os professores e pessoal responsável pelos programas

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devem criar nutrir um “ambiente de esperança”. A importância destas três dimensões foi ainda reforçada noutros artigos em que se chama a atenção para a exigência de uma correta planificação a este nível (Roth & Brooks-Gunn, 2003b) .

A terceira caraterística de um programa de Desenvolvimento Positivo da Juventude será, segundo aquelas autoras, definida pelas atividades desenvolvidas pelos participantes. Estas oferecem mais oportunidades de desenvolvimento aos seus participantes que nos programas de prevenção, assim como mais trabalho de desenvolvimento de competências, mais oportunidades de experiências autênticas, e mais possibilidade de expansão dos horizontes dos jovens. As atividades mais comuns são as desportivas e recreativas. No geral, artes e ofícios, liderança comunitária, serviços ou programas de trabalho atraem um menor número de participantes, segundo as autoras. As componentes mais frequentes das referidas atividades são: as competências de vida, competências sociais, treino de liderança e competências relacionais.

Para além do tipo de atividades e das suas componentes, são muito importantes, para as autoras, as oportunidades que os jovens têm de desenvolver competências (p. ex.: académicas, sociais, vocacionais, interpessoais e físicas), de participarem em atividades verdadeiramente desafiantes (p. ex.: treino de atividades profissionais, serviço comunitário, liderança exigindo tomada de decisões) e de alargar os seus horizontes (p. ex.: atividades culturais, serviço à comunidade, recreação e tutorado de pares ou adultos, de forma a que os participantes sejam expostos a pessoas diferentes, novos espaços e situações).

Também em relação à extensão do programa, de acordo com a filosofia do desenvolvimento juvenil, confirma-se neste estudo que um maior número de horas de contacto oferece um ambiente de suporte mais sólido e maior variedade de experiências (Roth & Brooks-Gunn, 2003a).

Catalano, Berglun, Ryan, Lonczak e Hawkins (2004) referem num artigo intitulado “Positive Youth Development in the United States: Research Findings

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on Evaluations of Positive Youth Development Programs” que, com base numa

revisão da literatura feita, e na consulta a cientistas e pessoal responsável pela avaliação de programas, foi possível criarem uma definição operacional de Desenvolvimento Positivo da Juventude. Assim, para estes autores, os programas Desenvolvimento Positivo da Juventude são abordagens que buscam alcançar um ou mais dos seguintes objetivos, integrando os construtos implícitos nos mesmos:

 Promover ligações – as interações entre crianças e entre crianças e os adultos que se ocupam delas, criam laços de relação que são a chave do desenvolvimento da capacidade de motivação da criança. Estas relações estabelecem a confiança do jovem em si mesmo e nos outros e são cruciais para o desenvolvimento da capacidade da resposta adaptativa às mudanças necessárias ao crescimento em direção à vida adulta saudável.

 Desenvolver a resiliência – a resiliência protege o jovem da adoção de comportamentos problemáticos face a situações de risco, permitindo-lhe dar respostas positivas aos desafios que se lhe vão deparando e usar as suas competências de forma bem-sucedida.

 Promover competências – o desenvolvimento positivo cobre áreas do funcionamento juvenil que exigem competências sociais, emocionais, cognitivas, comportamentais e morais promovendo: a capacidade de integrar e compreender sentimentos, ideias e ações que permitem atingir objetivos de relação interpessoal; a habilidade de identificar e responder a sentimentos e a reações emocionais próprias e dos outros; o desenvolvimento e a aplicação da capacidade de diálogo-interno, de ler e interpretar sinais sociais, de resolver problemas e de tomar decisões, de compreender a perspetiva dos outros e as normas de comportamento, a atitude positiva perante a vida e a autoconsciência; a habilidade para usar a lógica, o pensamento analítico e o raciocínio abstrato; a habilidade para comunicar de forma verbal e não-verbal aquilo que se sente e que se quer; a capacidade para avaliar e responder à dimensão ética, afetiva e de justiça das situações.

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 Promover a autodeterminação – desenvolvendo a capacidade de pensar autonomamente e de atuar em conformidade com o seu próprio pensamento.

 Promover a espiritualidade – definida como a consciência da natureza espiritual, da alma ou de Deus e da pertença a uma religião ou igreja. Este construto também está associado ao juízo moral, ao compromisso, à crença na ordem moral e aos valores pró-sociais.

 Promover a esperança no futuro e o otimismo – desenvolver a expectativa no futuro, interiorizando a esperança e o otimismo em relação à possibilidade de vir a obter bons frutos.

 Promover o reconhecimento do comportamento positivo – reforçando os comportamentos positivos, preferindo o reforço à punição, estimulando o jovem a repetir esses comportamentos no futuro.

 Providenciar oportunidades de envolvimento pró-social – envolvendo os jovens em variados ambientes sociais onde possam participar em atividades de interação com outros jovens, desempenhando papéis de contribuição para o grupo, ou para a família ou para a comunidade mais alargada.

 Desenvolvendo normas pró-sociais – encorajando a adoção de crenças saudáveis e de padrões de comportamento positivo, através de abordagens variadas que podem ir da informação ao compromisso com esse tipo de comportamentos.

Adicionalmente, Catalano e colegas (2000) salientam neste estudo que:

(…) “apesar do grande leque de estratégias que produzem estes resultados [promoção de comportamento positivo dos jovens e prevenção dos problemas de comportamento], os temas comuns ao sucesso envolvem fortalecimento social, emocional, comportamental, cognitivo e competências morais; promovem a autoeficácia; incorporam normas das famílias e comunidades acerca de claros padrões de comportamento; implementam ligações saudáveis com adultos, jovens da mesma idade e mais velhos; expandem oportunidades e identificação dos jovens; providenciam estrutura e consistência na aplicação do programa; e, intervêm junto dos jovens por períodos não inferiores a nove meses” (p. 117).

Ainda neste mesmo estudo de revisão, os seus autores resumem, como caraterísticas a observar para se poder concluir da efetividade de um programa de Desenvolvimento Positivo da Juventude, as seguintes:

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 Conterem construtos constituintes do Desenvolvimento Positivo da Juventude

 Medirem resultados e avaliarem problemas da implementação

 Terem currículo estruturado

 Terem uma frequência e duração compatível com os objetivos (nove meses ou um valor médio de 12 sessões por intervenção)

 Manter fidelidade ao programa a implementar com manutenção da qualidade do mesmo

 Tipo de população abrangida (no artigo em apreço são referidos todos os grupos sociais e etnias existentes nos Estados Unidos).

Para além de não ficar por aqui o trabalho dos investigadores sobre as caraterísticas atribuídas aos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude, há que realçar que nem sempre se verifica uma sobreposição exata das conclusões.

Assim, Christopher Edginton e Steven Randall (2005),defendendo uma visão crítica dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude num artigo sobre estratégias para programar serviços de apoio à juventude, em que comparam os programas de prevenção com os de Desenvolvimento Positivo da Juventude e com os programas relacionais de jovens (Relational Youth

Work) 21, caraterizam os programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude em relação a sete caraterísticas.

 Visão do jovem: indivíduo incompleto, adquirindo competências para a vida.

21 Perspetiva relacional emergente que enfatiza que “o desenvolvimento ocorre entre um jovem

e um monitor (youth worker), à medida que estes estabelecem padrões de mútua interação e suporte (…). Esta visão do trabalho com jovens é contrária às perspetivas preventivas e desenvolvimentais, na medida em que promove a ideia de que o Self é constituído mais relacionalmente do que individualmente, e, sugere que jovens e monitores co-criam entendimentos partilhados mais do que procuram fazer aquisições de objetivos de desenvolvimento pré-determinados (…).” Segundo esta perspetiva, programas de prevenção e de DPJ põem o foco no indivíduo, nas mudanças individuais e nos comportamentos preferencialmente aos contextos relacionais através dos quais jovens e adultos interagem (Edginton & Randall, 2005).

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 Visão da mudança pessoal: Visão desenvolvimental; os jovens estão a adquirir as competências e as habilidades necessárias; procura-se adquirir resultados de desenvolvimento pré-determinados.

 Foco da intervenção: Aumento dos recursos e diminuição dos defices; implementação da atividade autónoma.

 Objetivos: em conformidade com determinados ideais, valores e atitudes; promotores da autonomia.

 Metodologias: comunicação e transmissão ativa; relação meios/fins.

 Conteúdos: programas educativos e de enriquecimento; programas de construção de recursos com base na comunidade; preocupações, interesses e experiências individuais.

 Organização: serviços de apoio à juventude, recursos comunitários, escolas e famílias.

 Responsáveis: Todos os membros da comunidade.

Em todo o caso, mesmo que não se tenha chegado a um total consenso em relação à definição de Desenvolvimento Positivo da Juventude, há acordo nas componentes-chave dos programas de intervenção que usam esta abordagem (Dotterweich, 2006).

Num trabalho recente feito na Griffith University, na Austrália, tentando clarificar como é que uma tão grande diversidade de programas tem potencial para obter resultados similares em termos de desenvolvimento juvenil, Kathryn Seymour (2011) refere que emergem, do seu estudo, seis caraterísticas-chave estruturais e operacionais, a saber:

 Organizações que fomentam programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude baseiam o seu trabalho em abordagens holísticas, assentes nas potencialidades dos jovens e não nas suas dificuldades. Têm em conta a generalidade das suas necessidades e não um problema único ou um tema circunscrito.

 Estas organizações estão focalizadas no trabalho com jovens (e não no trabalho para jovens), construindo os seus programas de acordo com os interesses destes, promovendo oportunidades para a tomada de

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decisões, reconhecendo-lhes o potencial e valorizando-os pelo que são enquanto jovens e destacando o seu desenvolvimento e contributos.

 Estes programas assentam na própria comunidade e têm uma natureza universal em termos de população, contrariamente a programas dirigidos a franjas muito “etiquetadas” da sociedade. Aspiram a estar disponíveis para todos os jovens, normalmente entre os 12 e os 18 anos, sejam rapazes ou raparigas e, portanto, a promoverem atividades diversificadas e acessíveis a todos.

 A duração do envolvimento dos jovens é também uma caraterística importante dos programas Desenvolvimento Positivo da Juventude. Embora não seja fácil determinar um tempo de envolvimento preciso, os estudos apontam sempre para a preferência de programas de médio prazo face aos de curto prazo.

 As organizações que promovem o Desenvolvimento Positivo da Juventude optam por programas estruturados, isto é, deliberada e intencionalmente educativos, com uma organização programática coerente com a idade e a fase de desenvolvimento dos participantes, apoiada por pessoas experientes e competentes.

 Finalmente, exige-se às organizações que fomentam programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude que providenciem, quer através do próprio programa quer através do ambiente organizacional, a maximização das oportunidades para que as potencialidades, recursos e mais-valias pessoais dos jovens estejam em sintonia com as potencialidades, recursos e mais-valias do seu envolvimento contextual. Para tal, devem apoiar a formação da equipa de educadores para que estes enriqueçam, desenhem e ponham à disposição da juventude, programas de desenvolvimento bem-sucedidos; para que negociem, desenvolvam e mantenham relações positivas com os jovens e os conduzam ao sucesso através da definição clara dos limites, do apoio e encorajamento e do monitoramento do comportamento (Seymour, 2011).

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Em suma, poderemos dizer que, dada a riqueza e a amplitude do campo de investigação do Desenvolvimento Positivo da Juventude, quer ao nível do vocabulário e conceitos, quer ao nível da diversidade de áreas de estudo e de áreas profissionais em presença, não pareceu possível confinar a sua definição a uma expressão simples. Ainda assim, com base na revisão apresentada e na identificação de determinados traços comuns foi possível selecionar um conjunto de referências orientadoras que nos permitiu avançar com o nosso trabalho, no sentido de responder às questões que inicialmente nos tínhamos proposto. Por outro lado, a dificuldade verificada no sentido da identificação de uma definição relativamente comum sobre os principais conceitos neste domínio, acabou por estar na origem da nossa decisão de a constituir como uma das questões a explorar posteriormente junto dos nossos especialistas/entrevistados em relação ao conceito de Desenvolvimento Positivo da Juventude.

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