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II Revisão da Literatura

1. Desenvolvimento Positivo da Juventude

1.1. Origens de um conceito.

Durante os últimos anos do séc. XX e os primeiros anos do séc. XXI, desenvolveu-se uma nova visão e um novo vocabulário referentes ao desenvolvimento juvenil3. A partir da colaboração de estudiosos, de formuladores de políticas e de pessoas da prática que trabalhavam com jovens, a maneira de ver a juventude mudou. Passou a ser vista, segundo estes, mais como um recurso a ser desenvolvido do que uma etapa da vida tempestuosa, stressante e perturbada (King, et al., 2005; Lerner, Taylor, & Eye, 2002). O novo vocabulário põe ênfase nas potencialidades presentes em todos os jovens, envolvendo conceitos tais como “recursos desenvolvimentais” (Scales, Benson, Leffert, & Blyth, 2000), “desenvolvimento positivo da juventude” (Benson, 1990), “desenvolvimento moral e propósito nobre” (Damon, Menon, & Bronk, 2003), “participação cívica” (Flanagan & Faison, 2001)4 “bem-estar” (Bornstein, 2003) e “prosperidade” (Scales, et al., 2000; Theokas, et al., 2005). Todos estes conceitos têm implícita a ideia de que todos os jovens têm capacidade para se desenvolverem positivamente.

Esta visão opõe-se à tradicional, em que a tónica da investigação era posta nos problemas do desenvolvimento, como sejam os comportamentos de risco, os problemas familiares, os efeitos da pobreza, as mudanças sociais rápidas, o uso de substâncias aditivas, o abandono escolar, a gravidez na adolescência entre outros. O desenvolvimento “normal” parecia não atrair os estudiosos quando comparado com o desenvolvimento problemático ou de alguma forma desajustado (Benson, et al., 2006).

Esta perspetiva era comum à Psicologia, cujo foco de atuação foi, historicamente, mais remediativo que preventivo, centrado nas disfunções,

3«”Desenvolvimento da juventude ", um termo amplamente utilizado para descrever coisas

diferentes. Ele é usado para descrever a natureza do desenvolvimento da juventude no seu sentido mais amplo que ocorre naturalmente ao longo do tempo e em diferentes domínios (p. ex.: familiar, escolar e de grupo). Também é usado para conceptualizar áreas específicas de trabalho, nomeadamente, em relação a programas de atividades com jovens, com especial incidência em objetivos não-acadêmicos.» (Seymour, 2011).

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incapacidades e patologias (Araújo, Cruz, & Almeida, 2007), nas dificuldades de aprendizagem, nas desordens afetivas e na conduta antissocial (Damon, 2004; Sprintthall & Collins, 2008).

Segundo Richard Lerner, desde os primórdios do estudo científico do desenvolvimento do adolescente, com Granville Stanley Hall (1904)5, a estrutura conceptual dominante do estudo desta etapa de crescimento era “a tormenta e o stress”, ou um tempo ontogénico de perturbação do desenvolvimento, como defendia Freud (1969)6. Resumidamente, durante mais ou menos os 85 anos seguintes, o estudo da adolescência estruturou-se exclusivamente numa perspetiva do défice em que, para se considerar que um jovem se estava a desenvolver bem, bastava que não fosse consumidor de drogas ou de álcool, não se envolvesse em sexo desprotegido e não fosse delinquente (Lerner, 2005).

Durante todo esse tempo, a Psicologia “investigava os desequilíbrios e disfuncionamentos emocionais vividos pelas pessoas procurando desenvolver processos científicos adequados ao seu tratamento clínico e à sua recuperação” (Ferreira, 2007, p. 193).

Este modelo “curativo” da Psicologia corresponde, em parte, aos modelos médico e criminal, privilegiando o “tratamento” e a “punição” em relação à prevenção, ao desenvolvimento de capacidades e à atenção aos aspetos positivos do desenvolvimento humano (Damon, 2004; Park, 2004).

A partir dos anos 70 (cf. Figura 2), aparecem alguns estudos que serão preconizadores de uma nova posição de psicólogos e educadores em relação ao desenvolvimento da juventude. Inspirados por estudos sobre a “excelência”, como expressão do talento humano, alguns datando de 1869, outros, como os de Galton, ou dos anos 20 do Séc. XX, como os de Terman, e como os de Hollingworth, já na década de 40, desenvolvem-se na segunda metade do séc.

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Granville Stanley Hall tornou-se conhecido pelos seus estudos sobre o desenvolvimento da criança e com a psicologia educacional infantil nos Estados Unidos. Sua obra principal,

Adolescence: Its Psychology and Its Relation to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion, and Education ("Adolescência: sua psicologia e relação com a fisiologia,

antropologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação"), foi publicada em 1904, em dois volumes.

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De Anna Freud no seu livro "Adolescence as a Development Disturbance" de 1969, cit. por Lerner, (2005).

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XX, estudos multidimensionais sobre a inteligência que culminam com Simon e Chase (1973), na primeira “teoria da Expertise”. Seguem-se Gardner (1983) propondo a “Teoria das Inteligências Múltiplas” e Bloom (1985) com trabalhos sobre indivíduos talentosos em várias áreas. Com Csikszentmihalyi (1989) surge o conceito de flow (da Experiência Ótima) e Sternberg (1999) apresenta o conceito de “Inteligência de Sucesso” (Araújo, et al., 2007; Csikszentmihalyi & LeFevre, 1989; Gardner, 1983).

Está assim lançada uma base de estudos teóricos onde a perspetiva positiva do desenvolvimento juvenil pode florescer. Durante a década de 90, Martin Seligman apresenta a Psicologia Positiva, que traduz um compromisso entre a ciência e aquilo que de mais positivo se pode aproveitar das potencialidades das pessoas.

“O campo da Psicologia Positiva, a um nível subjetivo, consiste em valorizar experiências subjetivas: de bem-estar, contentamento, satisfação, esperança e otimismo e fluxo de felicidade. A nível individual tem a ver com traços positivos do próprio indivíduo: capacidade de amar e vocação, coragem, competência interpessoal, sensibilidade ascética, perseverança, capacidade de perdoar, originalidade, mentalidade aberta ao futuro, espiritualidade, talento e sabedoria. A nível de grupo tem a ver com as capacidades cívicas e com as instituições que levam os indivíduos a uma melhor cidadania, como seja: a responsabilidade, amparo, altruísmo, civilidade, moderação, tolerância e a ética no trabalho (profissional, nos estudos) ” (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000, p. 5).

Paralelamente a este interesse teórico, surge o trabalho de práticos, críticos dos modelos baseados no deficit, que estão interessados em algo melhor do que apenas reduzir riscos, como é o caso dos projetos Effort com Martinek,

Lead com Cutforth, Coaching Club de Hellison, Programa Educativo para la Integración Social de Durán Gonzalez, Moral Development de Bredemeier, Project Connect com Brustad, Commmunity-based Project com Wright,

Programa Educação pelo Desporto do Instituto Ayrton de Senna e Deporte

para la Paz de Ennis entre outros. Poderemos encontrar referências a estes e a

outros programas em trabalhos de investigação onde se procurou a caracterização do Desenvolvimento Positivo da Juventude a partir do conhecimento empírico (Benson, 1997; Catalano, Berglung, Ryan, Lonczak, & Hawkins, 2004; Eccles & Gootman, 2002; Roth, 2004; Roth & Brooks-Gunn, 2003a; Seymour, 2011; Shields & Bredemeier, 1995). Estas experiências práticas caraterizaram-se pelo trabalho dos seus autores, com os jovens, tendo como base as capacidades e as suas potencialidades destes (cf. Figura 2).

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Investigações a respeito da “resiliência” fazem balançar o pendulo da curiosidade científica para o lado “positivo” da questão. Resiliência era o que mostravam alguns jovens através de uma espantosa habilidade para serem bem-sucedidos, apesar dos desafios difíceis que a vida lhes tinha posto, sob a forma de desastres naturais, grandes perdas familiares, pobreza, negligência e todo o tipo de dificuldades que teriam levado os seus pares, em situação semelhante, a fazer escolhas desastrosas (Benson, et al., 2006). Esta capacidade de tirar de si e do seu envolvimento o que há de positivo para seguir em frente com sucesso, inspirou professores, treinadores e estudiosos das ciências da educação.

Assim, o Desenvolvimento Positivo da Juventude emerge primeiramente como uma abordagem entre os práticos da educação, que trabalhavam com jovens, à medida que estes se foram apercebendo dos benefícios dos modelos baseados nas competências das crianças, dos adolescentes e dos jovens. É frequente acontecer que este tipo de experiências não seja de imediato acompanhado pela atenção dos académicos e portanto esta relação teoria/prática estabeleceu-se só muito recentemente (Benson, et al., 2006). A história dos programas de intervenção junto da juventude, evolui a partir do reconhecimento da infância e da adolescência como períodos especiais em que os jovens precisam do suporte da comunidade e da família para o seu desenvolvimento. Isto acontece nos países ocidentais da Europa e América do Norte durante o séc. XX. Na segunda metade desse século, assiste-se a mudanças na sociedade em geral, com particular reflexo na instituição familiar, consistindo em vagas de migrações, aparecimento de novos nichos de pobreza, alteração da composição da família nuclear, nascimentos fora do casamento, mobilidade familiar e monoparentalidade. Ao mesmo tempo, assiste-se a um aumento da criminalidade juvenil, particularmente urbana, à democratização do acesso ao ensino e à implementação das atividades de ocupação dos tempos livres dos jovens (Catalano, et al., 2004).

Aparecem neste ambiente os programas juvenis de intervenção. Primeiramente com o objetivo de apoiar as famílias dando resposta às necessidades e crises do momento (Catalano, et al., 2002), tentando, por exemplo, reduzir as

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consequências do consumo de drogas7, apoiar mães solteiras e fazer a reinserção social de jovens delinquentes. Em Portugal temos várias iniciativas de programas ação perante a crise, como, por exemplo, as Equipas de Intervenção Direta da Segurança Social.

A abordagem preventiva (Catalano, et al., 2002), que consiste em intervir antes que os problemas se manifestem, emerge entre as décadas de 70 e 80, variando de país para país. Em Portugal, existem neste momento, dentro do Programa Nacional de Saúde, a Prevenção do Consumo de Substâncias Ilícitas, a Prevenção da Violência Escolar e do Bullying e o programa de Saúde Sexual e Reprodutiva e Prevenção das DST, entre outros (M.S., 2006). Esta intervenção incide normalmente sobre um tipo de problemas só, como seja a toxicodependência. O objetivo destas intervenções é fundamentalmente prevenir comportamentos problemáticos potencialmente de risco.

Muitas vezes, este tipo de programas utiliza o conhecimento dos fatores de risco (Sapienza & Pedromônico, 2005) para tentar interromper os processos que levam ao desenvolvimento dos problemas, como, por exemplo, dar especial atenção aos grupos sociais dos jovens de forma a prevenir a influência no uso de drogas ou noutros comportamentos disruptivos. Este é um ponto de viragem em direção a programas mais holísticos, dado que os serviços responsáveis pelos programas começaram a mostrar maior interesse na aplicação de estudos sobre os preditores dos comportamentos problemáticos dos jovens. Esta informação resultou de estudos longitudinais que permitiam identificar importantes preditores de problemas de comportamento (Catalano, et al., 2004). Assim, é possível, por exemplo, identificar preditores do uso de drogas por adolescentes, tais como: os pares e a influência social, e as normas sociais que condenam ou promovem tais comportamentos. Estes programas de prevenção estão apoiados em teorias explicativas de como as pessoas tomam decisões, tais como, a Teoria da Autoeficácia de Bandura (1986, 1999), Teoria dos Comportamentos Planeados de Ajzen e Madden (1986), Modelo da Crença de Saúde de Becker e Maiman (1975), entre outras.

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Em Portugal é possível obter alguma informação sobre este tipo de programas, por exemplo, em: http://www2.seg-social.pt/left.asp?03.06.07.01.01

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A partir da década de 80, os investigadores começaram a interessar-se mais em adquirir conhecimento sobre os preditores ambientais que envolvem as vivências dos jovens e sobre a interação entre os preditores ambientais e os preditores individuais (Catalano, et al., 2002).

Mercê das investigações sobre o tema da resiliência, toma-se conhecimento de que nas caraterísticas pessoais e do envolvimento, que tomam parte no desenvolvimento das crianças e jovens, intervêm igualmente fatores de risco e fatores de proteção (Werner, 1995) e que estes últimos influenciavam, melhorando ou alterando, a resposta do indivíduo a certas dificuldades do meio que predispõem para uma evolução negativa. Segundo Haggerty e cols. (2000), foram, então, desenvolvidos modelos que incluíam os fatores de proteção como redutores de possíveis disfunções ou desordens8.

Surge entretanto uma segunda geração de programas de prevenção que se focam em preditores próximos (mais intimamente relacionados com o problema) de determinados problemas específicos de comportamento (cf. Figura 2). Por exemplo: estabeleceu-se uma relação significativa e em cadeia entre os comportamentos problemáticos dos amigos (pares) e as normas, que facilitam a entrada nesses comportamentos (p. ex: a atividade sexual precoce ou o consumo de drogas). O objetivo destes programas é interromper/mudar a

cadeia de fatores antecedentes próximos que permitiam predizer um problema

de comportamento (Kirby, 1997)9.

Os programas de prevenção começaram a ser criticados por se centrarem normalmente num único problema de desenvolvimento quando os estudos mostravam que normalmente se assistia à ocorrência de mais do que um comportamento problemático em cada criança; e por, , ignorarem assim, de certa forma, a coexistência de fatores individuais e ambientais que interagem na mudança dos comportamentos, centrando-se mais na resolução dos problemas isolados do que na promoção de um desenvolvimento globalmente saudável.

Começa então a desenvolver-se um consenso (entre práticos e académicos e a que nos referimos no início do capítulo) (Benson, et al., 2006) de que uma

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Cit. por Catalano, et al., (2002) e Sapienza & Pedromônico, (2005).

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transição bem-sucedida para a vida adulta exigia - mais do que evitar consumos de drogas, violência, insucesso escolar ou gravidez precoce - a promoção do desenvolvimento social, emocional, comportamental, cognitivo, através de modelos de intervenção que implementassem o desenvolvimento positivo dos jovens.

É assim que a partir dos anos 90 aparece uma mudança de visão na teoria e na investigação psicológicas, com consequências notórias em várias áreas incluindo a das políticas educativas e sociais (Damon, 2004).

Segundo Scales, Benson e Leffert (2000), um crescente número de estudos foi demonstrando uma associação entre os recursos pessoais e processos próprios (self-processes) dos adolescentes, a presença ou ausência de vários suportes ecológicos e a redução de riscos e a constatação de resultados de desenvolvimento positivo. Assim, adolescentes que reportavam um nível mais elevado de recursos de desenvolvimento (pessoais ou ecológicos) estavam menos sujeitos a entrar em comportamentos de risco e também mais suscetíveis a alcançar resultados positivos. Estas relações foram consistentemente comprovadas por vários estudos estudos (Connell, Spencer, & Aber, 1994; Hawkins, Catalano, & Miller, 1992; Jessor, Van Den Bos, Vanderryn, Costa, & Turbin, 1995).

Outros estudos mostravam que os indicadores de sucesso (como p. ex: sucesso escolar, ajuda aos outros, manutenção da saúde física, retardamento da gratificação, valorização da diversidade e superação das adversidades) estavam geralmente relacionados com outros resultados positivos quer na juventude quer a mais longo prazo em termos de adultez (Scales, et al., 2000). Desenvolvimento Positivo da Juventude tem sido desde então usado para representar essa emergente conceção de adolescente, como pessoa com potencial para se desenvolver saudavelmente, com mais recursos do que comportamentos disruptivos (Roth & Brooks-Gunn, 2003a). Os programas que incorporaram esta visão do desenvolvimento, lutam por influenciar o crescimento dos adolescentes através de resultados positivos, incrementando a sua exposição a oportunidades de desenvolvimento e de suporte. Segundo Pittman, Irby e Ferber (2000), os movimentos de desenvolvimento da juventude

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foram chamados a uma mudança de paradigma - da dissuasão para o desenvolvimento - encerrada na frase “problem free is not fully prepared” que levou a um aumento da aceitação da necessidade de preparação e desenvolvimento da juventude, e não apenas da prevenção de problemas e de dissuasão como metas desejáveis, exigindo ações estratégicas10.

Para finalizar, reforçamos a ideia de que embora tenha havido uma sequência no aparecimento dos vários tipos de programas (curativos, preventivos ou de desenvolvimento), eles coexistem no tempo e nas comunidades de acordo com os seus objetivos. Por outro lado gostaríamos de salientar a importância dos estudos empíricos (particularmente no âmbito das atividades desportivas), a que fizemos já referência anteriormente, que beneficiaram do trabalho de professores e de treinadores, que pelo menos desde a década de 80, promoveram programas juvenis baseados nos recursos desenvolvimentais dos jovens, os strength-based programs, seguindo a sua intuição, a sua capacidade de introspeção e baseando-se no seu próprio autodidatismo. O contributo destes foi fundamental para o consenso posterior em torno das caraterísticas dos programas de Desenvolvimento Positivo da Juventude.

Figura 2 – Bases históricas do Desenvolvimento Positivo da Juventude

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