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1. Introdução

1.2. O Desenvolvimento e Diferenciação das Células Estaminais

1.2.2. Caraterização Funcional e Fenotípica das Células Estaminais Hematopoiéticas

As CEHs e os progenitores hematopoiéticos foram inicialmente identificados em ratos irradiados submetidos a transplante de medula óssea. Till e McCulloch verificaram a formação de colónias celulares no baço dos animais tratados que denominaram de unidades de formação de colónias no baço (CFU-S, Colony Forming Unit-Spleen) [30]. Algumas colónias incluíam células, que transplantadas noutros animais irradiados, reconstituíam uma hematopoiese completa [31]. Estas células com capacidade

autorrenovação e diferenciação nas várias linhagens celulares hematopoiéticas permitiram estabelecer o carácter clonal da diferenciação hematopoiética com origem numa célula estaminal multipotente.

As CEHs são extremamente raras (estima-se uma frequência de 1 em 3x106 células de MO humana) e indistintas morfologicamente [32]. Por outro lado, o reconhecimento fenotípico das CEHs humanas é um processo dificultado pela não expressão ou expressão muito baixa dos marcadores específicos de qualquer das linhagens hematopoiéticas maturas [33-35]. A marcação negativa com um painel de marcadores das linhagens eritroide, mieloide e linfoide justamente denominado de Lin (Lineage) associado à expressão diferencial de outros marcadores como o CD34 [36], CD38 [37], CD43 [38, 39], CD45RO/CD45RA [40], CD49f [41], CD59 [42], CD90/Thy-1 [35], CD109 [43], CD117/c-Kit [43], CD133[44, 45], CD166 e HLA-DR [46] têm sido propostos como forma de identificação destas células. É importante referir, que nenhum dos marcadores de superfície enunciados é completamente especifico das células humanas com capacidade estaminal hematopoiética. O marcador CD34, uma sialomucina que atua como fator de adesão celular, é o marcador mais usado para estas células na medida em que virtualmente todas as células com potencial clonogénico in vitro residem no compartimento CD34+ [36]. Estas células, no entanto, constituem uma população heterogénea que compreende as CEHs pluripotentes e também células multipotentes já comprometidas a uma linhagem [47].

Recentemente, a atividade estaminal hematopoiética humana foi resolvida ao nível do fenótipo único celular através da expressão de uma integrina, a CD49f [41]. A transplantação de células isoladas de sangue cordão umbilical (UCB) com o fenótipo composto Lin-CD34+CD38-CD45RA-CD90+CD49f+Rhodim possibilitou uma reconstituição imuno-hematopoiética multi-linhagem de longo-termo, extremamente eficiente, em ratos imunodeficientes [41]. Já a perda de expressão CD49f possibilitou enxertos transitórios, indicadores de células progenitoras multipotentes não autorrenováveis [41] (Figura 2).

O potencial terapêutico das CEHs depara, no entanto com algumas dificuldades, estas são células raras e a sua manipulação ex vivo tem vindo a revelar-se um processo muito difícil, o que prova uma dependência completa destas células pelo microambiente dos nichos estaminais da MO.

1.2.3. Os Progenitores Celulares e o Desenvolvimento das Linhagens Celulares Hematopoiéticas

A hematopoiese inicia-se com a divisão celular das CEHs que originam os progenitores multipotentes (PMP) sem a capacidade estaminal de autorrenovação. O modelo clássico da hematopoiese pressupõe a diferenciação deste precursor multipotente nas células progenitoras comuns eritro-mieloides (PCEM) ou nos progenitores comuns linfoides (PCL). Este modelo reside na dicotomia entre uma linhagem linfoide e uma linhagem mieloide, em que a cada nível de diferenciação, as células ficam progressivamente mais restritas a um tipo celular; um processo denominado de ‘comprometimento à linhagem’. Devido ao facto de os morfologistas celulares encontrarem na MO todos os precursores dos eritrócitos, plaquetas, granulócitos e monócitos; estas células passaram a constituir a linhagem mieloide. Neste modelo, as PCEM assumem dois tipos de diferenciação, a primeira origina os progenitores comuns eritróides-megacariocíticos (PCEMC) comprometidos com a formação das células não imunes do sangue, eritrócitos e plaquetas, a segunda forma os progenitores comuns granulócitos-monócitos (PCGM) capazes de gerar as células imunes granulocíticas (neutrófilos, eosinófilos e basófilos), os monócitos e os macrófagos [48]. As células da linhagem linfoide são os linfócitos T e B que foram primeiro identificados na circulação linfática e depois tecidos linfoides como o baço, o timo e os gânglios.

A identificação de células progenitoras hematopoiéticas com capacidade de diferenciação em ambas as linhagens mieloide e linfoide, acrescentado da dificuldade da colocação das várias subpopulações de células dendríticas nos mapas hematopoiéticos, tem vindo a provocar alguma contestação em relação ao compromisso dicotómico assumido pelos progenitores multipotentes [49-52]. Desta forma, têm sido propostos modelos melhorados em relação às ramificações dos precursores mais indiferenciados que determinam as vias de maturação celular hematopoiética. O modelo da hematopoiese alternativo à dicotomia clássica é o modelo mieloide, que propõe que o potencial de diferenciação mieloide é retido até tarde por células capazes de diferenciação linfocitária [53].

A organização hierárquica mais atual da hematopoiese humana prevê que o comprometimento mieloide segue o modelo clássico em que o PCEMC perde desde logo o potencial linfoide, segregando-o para uma diferenciação dicotómica; uma com potencial mieloide, a outra com potencial eritroide, tal como já descrito, sob as formas celulares PCGM e PEM respetivamente. O primeiro progenitor segue as vias de diferenciação das espécies celulares mieloides granulocíticas e monocitárias,

enquanto o segundo manifesta o potencial de diferenciação eritroide e megacariocítico [54]. Por outro lado, o precursor linfoide PCML não apresenta um potencial linfoide restrito, na medida em que estas células são aptas a diferenciação em linfócitos T e B, células NK e células da linha mielo-monocitária (macrófagos e células dendríticas) [55].

Figura 3 Hierarquia da diferenciação hematopoiética.

Representação esquemática das vias de diferenciação durante a hematopoiese. Estão representados os modelos atuais da hematopoiese clássica proposta por Weissman et al. (linhas contínuas) [56] e o modelo mieloide que prevê um progenitor comum que retém capacidade de diferenciação em células da linhagem mieloide e linfoide (PCML) (linhas tracejadas). A capacidade estaminal de autorrenovação é perdida assim que a CEH entra numa via de diferenciação. Os ensaios de transplantação in vivo permitem a identificação de células estaminais com a capacidade de repovoar os nichos estaminais da medula óssea. Os ensaios LTC-IC (Long-Term Culture-Initiating Cells) permitem a identificação em populações de células primitivas, das células estaminais e das células progenitoras, as primeiras têm capacidade de reconstituição hematopoiética de longo termo. Os ensaios CFU (Colony- Forming Units) identificam células progenitoras multipotenciais e progenitores comprometidos a uma linhagem. LT-CEH, Célula estaminal hematopoiética de longo termo; ST-CPM, Célula Progenitora Multipotente de Curto Termo; PCM, Progenitor Comum Mieloide; PGM, Progenitor PLC, Progenitor Linfoide Comum, CFU-GEMM, Unidade de formação de colónias –

Progenitores comprometidos a Linhagem: Lin-CD34+CD38+ Células Estaminais: Lin-CD34+(-)CD38-CD45RA-CD49f+CD90+ Progenitores Multipotenciais: Lin-CD34+CD38+CD45RA-CD49f-CD90- Células Maturas: Lin+CD34- Ensaios Celulares: LTC-IC Marcação morfológica Imunofenotipagem Testes Funcionais CFU, Culturas em suporte de estroma de MO Linfopoiése Mielopóiese Auto%Renovação LT%CEH ST%CEH3CPM PCM3 CFU%GEMM PLC PME PGM3 CFU%GM CFU%M BFU/CFU%E CFU%G CFU%MC MC Diferenciação3 3 no3tecido3residente Eritrócitos Plaquetas Mastócitos Basófilos Neutrófilos Eosinófilos Macrófagos Cél.3 DendriJcas Linf.3B Cél.3NK Linf.3T PCML Tx in vivo Precursores: LinloCD34- Fénotipos:

Granulócito, Eritrócito, Macrófago, Megacariócito; BFU-E, Burst-Forming Unit Eritroide; CFU-E, Unidade de formação de colónias Eritroide, CFU-MC, Unidade de formação de colónias– Megacariócito; MC, Megacariócito; CFU-GM, Unidade de formação de colónias– Granulócito, Monócito; CFU-G, Unidade de formação de colónias– Granulócito; CFU-M, Unidade de formação de colónias– Macrófago. Os mastócitos são células hematopoiéticas da linhagem mieloide que fazem toda a maturação nos tecidos de residência. Em baixo, estão identificados os marcadores fenotípicos, mais frequentemente aceites na identificação e separação das várias populações de células estaminais e progenitores hematopoiéticas. Outros marcadores podem ser utilizados para definir entre subpopulações. (Esta figura utiliza informação de Wognum, A. e Szilvassy, S., 2013, [47] e Dzierzak, E. e Philipsen S. 2013, [57])

A figura 3 dispõe uma comparação da hierarquia das vias de diferenciação nos dois modelos prevalentes da hematopoiese humana. De qualquer forma, em qualquer um dos modelos sobressaem sempre duas linhas de ontogénese celular, a mielopoiese que inclui a eritropoiese e a trombopoiese, e a linfopoiese.