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5. Discussão e Conclusões

5.1. Sobre a Análise da Consolidação da Recuperação das Populações Celulares

A recuperação hematológica do transplante é clinicamente definida com base nos seguintes parâmetros [349]:

- a recuperação da eritropoiese, definida como o primeiro dia a partir do qual o nível de hemoglobina excede o valor de 8.0 g/dl sem que tenha havido uma transfusão nos 28 dias anteriores,

plaquetas excede a contagem absoluta de 20.000 células/µl sem transfusões nos 7 dias anteriores e

- a recuperação dos neutrófilos, como o primeiro dia a em que a contagem destas células excede a contagem de 500 células/µl (ANC >500) por três dias consecutivos.

A saída da aplasia peri-transplante com a função do enxerto é definida através da determinação destes períodos. Diversos estudos sobre a análise deste arranque hematológico indicam que a dosagem de células CD34+ do enxerto é o principal fator condicionante da recuperação hematológica [350, 351] que está diretamente associado à diminuição da mortalidade relacionada com o transplante e portanto à sobrevivência [352]. Nestas duas séries de doentes a capacidade de recuperação das contagens de eritrócitos e plaquetas estão diretamente relacionadas com fatores como uma menor idade ao transplante e o estadio da doença, o que indica uma otimização das dosagens celulares dos enxertos utilizados nos transplantes (resultados não mostrados).

A saída da neutropénia (ANC>500) em particular, é um evento clinicamente relevante que indica a recuperação mieloide e também o inicio da reconstituição imune [353, 354]. Neste estudo, foi avaliado não a cinética do arranque hematológico, mas a dinâmica da neutropoiese desde o inicio da evolução de longo prazo dos transplantes (90-100 dias) até a um ano de evolução.

Na série de doentes com enxerto autólogo, a frequência de doentes neutropénicos foi sempre baixa em todos os pontos de análise. As dosagens celulares dos enxertos (4.8 (2.0-16) x106 CD34+/Kg) (mediana, variação) permitiram a aquisição de uma neutropoiese de longo termo relativamente normal e estabilizada. Quando comparadas as capacidades de recuperação de neutrófilos entre os doentes cujos enxertos apresentaram dosagens celulares abaixo do primeiro quartil (P25%: <2.7x106 CD34+/Kg) e acima do terceiro quartil (P75%: >5.2x106 CD34+/Kg) da distribuição de células de todos os enxertos não foram observadas diferenças significativas. Há indicação de que um fator de condicionamento da recuperação hematológica de longo prazo pode ser a viabilidade celular dos enxertos após o processamento [355]. Estes resultados obtidos numa série de doentes consecutivos da mesma Unidade de Transplantação são indicadores importantes de um processo eficiente de recolha de células CD34+ e processamento dos enxertos. É ainda importante referir um fator observado com impacto potencial na gestão clínica dos doentes, o risco elevado de infeções associado à dificuldade da recuperação de uma neutropoiese normal.

uma reconstituição de todas as populações celulares derivadas da granulopoiese para valores comparáveis aos da população controlo. Nesta série de doentes é observado que o tipo de enxerto surge como um fator condicionante de uma consolidação normal das contagens da neutropoiese. De facto, os doentes com um enxerto derivado de células de medula óssea (MO) apresentaram uma maior dificuldade em reconstituir contagens celulares de neutrófilos no intervalo normal, quando comparados, com os doentes com um enxerto de células estaminais e progenitoras mobilizadas para o sangue periférico (PBSC). Esta diferença foi evidente na avaliação aos 3 meses, foi mantida no ponto de avaliação intermédio e ainda aos 12 meses de evolução dos transplantes. Devido às características da celular idade do enxerto de MO, estes apresentam como vantagem principal, uma incidência menor de doença de enxerto contra hospedeiro severa comparativamente aos transplantes com PBSCs [356, 357]. Nesta série de doentes, 75% dos transplantes com MO foram realizados em crianças (mediana de idade: 8, (3-15) anos). Foi avaliado se a dosagem de células CD34+, tal como descrito [351], apresentava correlação com a idade e verificou-se que mesmo nas crianças, a dosagem de CD34+ dos enxertos de MO era significativamente inferior à dosagem das mesmas células nos enxertos de PBSCs (MO: 2.3 (1.6-8.7) vs. PBSCs: 4.8 (2.4-32) CD34+/kg; P<0.05).

Desta forma, ainda que esteja bem estabelecida a dependência do arranque da recuperação hematológica com a dosagem de células do CD34+ enxerto, este estudo deixa também a indicação de que o mesmo fator, em particular nos aloenxertos de MO, poderá ser condicionante da consolidação da neutropoiese. Outros fatores associados à diminuição da capacidade de recuperação das contagens de neutrófilos na primeira fase do pós-transplante, são a doença primária de natureza maligna e a incidência de recidivas e vêm na linha de descrições anteriores [358].

Uma outra linhagem celular derivada da mielopoiese é a monocítica, que compreende os monócitos circulantes e as populações heterogéneas de células do sistema mononuclear fagocítico incluindo os fagócitos tecidulares e células dendríticas. Enquanto a reconstituição das células dendríticas devido ao seu papel transversal na modulação das respostas imunológicas inatas e adquiridas tem sido alvo de diversos estudos, já a recuperação dos outros compartimentos celulares está menos caraterizada. As células dendríticas apresentam uma recuperação inicial com uma cinética rápida, caraterística da linhagem mieloide [359]. No entanto as subpopulações mDCs e pDCs apresentam normalmente evoluções diferentes [360]. As primeiras que são suscetíveis a fatores de crescimento usados no pós transplante (G-CSF) e [359] apresentam-se dominantes enquanto as segundas são contidas devido à sua elevada sensibilidade aos regimes imunossupressores [361].

Neste estudo a análise da consolidação da monopoiese no pós-transplante foi muito mais simples e avaliou somente a população de monócitos circulantes dominantes (CD45+CD14++). Ambos os grupos de doentes apresentaram uma dinâmica de evolução semelhante sem diferenças significativas entre tempos de análise. A recuperação de monócitos tem vindo a ser definida como o primeiro dia em que as contagens celulares são superiores a 300 cél/µl durante os primeiros 60 dias após o transplante. À semelhança de outras populações celulares derivadas de progenitores mieloides, a recuperação dos monócitos está relacionada principalmente com a dosagem celular do enxerto [352].

Foi observado que logo aos 3 meses a maioria dos doentes das duas séries apresentavam contagens celulares normais e no ponto final de análise cerca de 80% dos doentes apresentou este compartimento celular completamente recuperado. Foi notada uma maior frequência de doentes com contagens de monócitos normais no grupo com enxertos com maiores contagens de CD34+, mas as diferenças observadas não atingiram o limiar do significado estatístico.

Nos transplantes alogénicos a função mieloide dos enxertos foi monitorizada em relação à origem genotípica das células CD33+ (marcador expresso por granulócitos e monócitos). Verificou-se que na recuperação, estes compartimentos celulares são derivados da função enxerto ao apresentarem uma elevada frequência de quimerismo dador. Durante o período de consolidação foi observado um quimerismo decrescente, imputável à recaída da doença primária de origem mieloide em alguns doentes e a um caso de quimerismo ‘split’ em que o doente regenerou uma linhagem linfoide maioritariamente de dador e uma linhagem mieloide totalmente autóloga.

Em conclusão, os resultados desta análise revelam que a consolidação da recuperação mieloide deverá ser definida essencialmente pelos mesmos fatores que condicionam o arranque hematológico, onde a dosagem celular do enxerto apresenta um papel fundamental.

5.2. Sobre a Recuperação e as Caraterísticas do Compartimento de