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5. Discussão e Conclusões

5.4. Sobre a Diversidade Estrutural e Dinâmica da Reconstituição Quantitativa das

Foi implementado nas duas séries doentes, uma análise indicativa da atividade linfopoiética B derivada da MO e uma avaliação quantitativa dos níveis periféricos das subpopulações celulares de linfócitos B maturas. Com um ensaio quantitativo do marcador molecular sjKRECs foi estimado o número de células B circulantes com origem na medula óssea [177]. Observou-se que em ambos os grupos de doentes, os mecanismos de neogénese das células B estão reestabelecidos aos 3 meses após o transplante e são mantidos em níveis normais ou superiores durante o período de análise.

A avaliação da diferenciação periférica das células B foi dirigida sobre dois compartimentos celulares, o das células transicionais com o fenótipo CD19+CD5+IgM+ [187] e o compartimento de células CD19+CD5-. A primeira população, tal como esperado, apresentou uma expansão acentuada em ambos os grupos de doentes. A segunda população, de células mais maturas, esteve severamente contraída durante todo o período de avaliação. As células B transicionais representam uma ligação fundamental entre o compartimento de células B iniciais formadas na medula e o repertório maturo, selecionado com base na especificidade para os antigénios, em função da força dos sinais derivados do BCR [185]. Estas células que se caraterizam por uma baixa capacidade proliferativa, de sobrevivência e quimiotaxia, foram propostas como elementos alvo de uma seleção periférica com vista à deleção de células B ainda com potencial autoreativo que escaparam à seleção na medula [185]. Por outro lado, são células num contínuo de desenvolvimento definido fenotipicamente por uma expressão diferencial do CD24 e CD38 [186, 187]. Ao longo do primeiro ano de evolução dos transplantes observou-se a normalização progressiva deste compartimento celular. A frequência de células nos estadios de desenvolvimento primitivos T1 e T2 diminuiu e houve um aumento significativo das células no estadio T3/pré-naíve, o que torna evidente que não há uma acumulação de células num determinado estadio de desenvolvimento. Quando é estabelecida a correlação entre o número de sjKRECs e a quantidades absolutas de cada subpopulação de células B do sangue periférico, observam-se correlações que indicam um desenvolvimento lento, mas progressivo do compartimento de células B transicionais. Na primeira fase da evolução dos transplantes, as correlações são mais fortes e proporcionais às frações de células mais imaturas. Aos 12 meses após o transplante a fração celular B com a maior correlação com os sjKRECs é a naíve. Desta forma, com este trabalho surge uma primeira indicação de que a quantificação de sjKRECs durante o processo de recuperação dos transplantes, poderá servir não só para estimar a função do enxerto em relação à linfopoiése B, mas também para avaliar o continuo de diferenciação do compartimento transicional de células B.

A análise do histórico de divisões celulares do compartimento total de células B e da diversidade do repertório IGH indica que não há proliferações celulares assinaláveis. As limitações da diversidade do repertório expresso estão associadas essencialmente a deficiências graves na linfopoiese B, reconhecidas como contagens absolutas de células B e de sjKRECs periféricos muito baixas. Nos doentes com uma forte dinâmica no processo de reconstituição do compartimento B não foram notadas expansões clonais, indicativas de proliferações homeostáticas semelhantes às observadas, por exemplo, no compartimento celular T. Foi no entanto, observada uma maior utilização das famílias de segmentos variáveis mais curtos e com menor complexidade germinal IGHV2,5 e 6, uma caraterística inicialmente reconhecida nas células B derivadas da ontogenia fetal [401, 402].

A expansão inicial do compartimento transicional é muito provavelmente devida a uma maior capacidade de sobrevivência destas células induzida pelo Baff (B-cell activating fator). O Baff é o principal modulador da homeostase do compartimento de células B induzindo a sobrevivência e diferenciação celular. A depleção dos compartimentos maturos de células B, em particular das células naíves, causa uma diminuição dos recetores celulares do Baff aumentando a sua disponibilidade para as células imaturas transicionais [403]. Em outros contextos, o aumento de Baff tem sido correlacionado com defeitos da homeostasia do desenvolvimento das células B. Nestas situações derivam células com potencial autoreativo envolvidas em condições autoimunes como o lúpus eritematoso sistémico ou síndrome de Sjogren’s [404, 405]. No entanto no contexto da recuperação da linfopenia pós-transplante, alguns estudos sugeriram que uma recuperação robusta da fração pré-naíve das células B mantém um equilíbrio dos níveis de Baff e está correlacionada uma evolução sem complicações imunológicas em transplantes alogénicos [344, 406].

Com este trabalho é demonstrado pela primeira vez que a recuperação da linfopoiése B (níveis elevados de sjKRECS e de células transicionais nos pontos mais precoces da avaliação está relacionada com capacidade de recuperar aos 12 meses as populações de células B maturas.

Foram avaliadas várias frações celulares com o fenótipo terminalmente diferenciado. As células CD19+CD5+CD27+IgM+ foram propostas como uma população putativa de células humanas B1a produtoras de anticorpos IgM poliespecíficos naturais [407]. Estas células amplamente descritas nos murganhos, têm sido alvo de intensa discussão em relação a um fenótipo diferenciador e à sua própria existência nos humanos [338, 340, 408, 409]. Nos doentes do grupo com enxerto autólogo foi observada uma recuperação para níveis normais destas células aos seis meses de evolução. Nos doentes com transplante alogénico esta população celular apresenta

níveis normais somente aos 12 meses de evolução.

As células naíves CD19+CD5-CD27-IgM+ são a única subpopulação a apresentar uma recuperação aos 12 meses para níveis normais em ambos os grupos de doentes. A recuperação da subpopulação de células de memória com recombinação de mudança de classe das Igs com (CD19+CD5-CD27+IgM-) foi correlacionada com os níveis elevados de células T CD4+. Estas últimas células T, mais precisamente a subpopulação TFH, é responsável por facultar os estímulos da reação imune do GC de que resulta a diferenciação das células B de memória e plasmablastos Ag dirigida [410, 411]. Esta correlação não foi observada para uma segunda população de células de memória, as células de memória com expressão IgM.Estas células com o fenótipo CD19+CD5-CD27+IgM+ são maioritariamente células que fizeram a diferenciação MZ que é independente do estímulo auxiliador dos linfócitos T CD4+ [205, 412]. Os doentes apresentaram uma recuperação lenta desta população celular, e aos 12 meses de evolução, somente uma pequena fração dos doentes apresentaram contagens de células B CD27+IgM+ normais (25% dos doentes autoTCE e 12% dos aloTCE).

Em conclusão, a análise da reconstituição dos repertórios celulares B de ambas as séries de doentes é reveladora de que enquanto a ontogenia central na MO das células B é estabelecida rapidamente, a ontogenia periférica parece sofrer um processo de detenção a que se segue uma evolução muito lenta. No contexto autólogo, a idade mais avançada do doente ao transplante constitui o principal fator limitante da capacidade de reconstituição do repertório funcional maturo. No contexto alogénico, embora esta análise tenha um poder de definição limitado, a presença de GvHD parece ter um impacto muito severo sobre a linfopoiese B e consequentemente na regeneração de todo o compartimento celular. O mais provável é que esta deficiência dinâmica, seja uma consequência da menor capacidade das estruturas linfoides secundárias devido à agressão dos agentes mieloablativos e irradiação do condicionamento [413]; a que se associa um deficiente estímulo auxiliador pelas células T CD4+, que são afetadas por linfopenia severa, comum a todos estes doentes. Várias destas condições têm sido caraterizadas nos doentes em recuperação do condicionamento mieloablativo e TCE, como hipersplenia funcional e uma reconstituição das estruturas esplénicas prolongada e sequencial [414-416] para além de uma disfunção tímica muito severa e prolongada [373].

A análise de outras condições pré e pós-transplante na capacidade de reconstituição por estes doentes, das populações de células B maturas aos 12 meses de evolução, identifica como fatores com impacto significativo, a elevada atividade linfopoiética B precoce, mensurada como os níveis de sjKRECs no sangue periférico aos 6 meses,

ou em menor medida, as contagens de células transicionais. Esta correlação, que recentemente foi também sugerida noutro estudo [417], como poderão constituir uma forma de avaliar antecipadamente a capacidade de reconstituição do braço humoral da resposta imunológica pelos doentes submetidos a TCE.

5.5. Sobre a Reconstituição Quantitativa e Qualitativa dos Repertórios