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A CARICATURA CHEGA À PAULICÉIA

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 83-115)

Falar de caricaturas existentes nos periódicos paulistanos no período aqui proposto implica entender como esta forma de comunicabilidade visual foi se constituindo, se manifestando na vida social, política e cultural do país, e as dimensões alcançadas pela introdução da mesma na imprensa em desenvolvimento.

Num momento de fortes tensões sociais e políticas em que se encontrava o país, em meio a revoltas em diversas províncias, de acirradas disputas políticas, a imprensa acabou exercendo papel fundamental na formação e expressão de valores da esfera pública e privada.

Notadamente, o século XIX, como afirma Velozo,

vivencia-se profunda dificuldade de se estabelecerem limites entre as ordens pública e privada, os universos de valores objetivos e subjetivos, o exterior e o interior. Procura-se apagar estas distinções, acreditando-se que o domínio público é uma imposição social que, fatalmente, desnuda o indivíduo e o expõe ao olhar alheio. 1

No caso específico do contexto brasileiro e particularmente de São Paulo, a imprensa já fazia este desnudamento de personalidades e situações policiais com tons considerados para época abusivos e difamatórios, principalmente preferidos pelos pasquins.

A introdução do desenho humorístico expresso pela caricatura e pela charge2 adquire dimensões inusitadas sobre as percepções do indivíduo e da sociedade. É neste contexto que, segundo Velozo,

1

VELOZO, Mônica Pimenta. Imaginário humorístico e a modernidade carioca. Volume 1, p. 01

2

Durante muito tempo a noção de caricatura teve significado amplo e genérico. Quase todo desenho humorístico era designado como tal. É provável que nesse momento ela tenha assumido esta acepção, também. Contudo, Joaquim Fonseca em seu trabalho, a Caricatura a

densidade psicológica. Isso por que eles seriam capazes de oferecer-se enquanto instrumentos de leitura e de codificação da própria pessoa. No domínio público, as coisas falam por si.3

Ou seja, na caricatura aparecem elementos subjetivos, ocultos por trás das representações aparentes dos indivíduos e situações perante a sociedade. Funcionam muitas vezes “como um verdadeiro termômetro social, formador de opinião4,” um meio de expressão por meio do qual as atitudes contraditórias do indivíduo, ou mesmo de um fato, são percebidas e expostas de forma ridícula, provocando conseqüentemente risos.

Neste sentido, a caricatura não deve ser analisada mecanicamente como mera representação da realidade, pois ela está nos experimentos sociais do artista que a compõe, na identidade fisionômica que constrói, no grau de equivalências que se apresenta ao receptor e na reação do mesmo a esta expressão.

Aqui estaria para Gombrich o que ele denomina “arsenal do cartunista”, “o segredo de uma boa caricatura é oferecer uma boa interpretação visual de uma fisionomia que desde então não conseguimos esquecer e que a vítima sempre carregará consigo como um homem enfeitiçado”.5

São estes segredos expressivos de formas e cores que, segundo Gombrich, compõem os traços “fisionômicos” da caricatura e para os quais “respondemos a eles com a mesma imediatez com que reagimos a aspectos

imagem gráfica duo humor, foi um dos poucos estudiosos que arriscou fazer uma classificação

das “formas de sua manifestação”: a charge, o Cartum, o desenho de humor, a tira cômica e a história em quadrinhos, o desenho animado de humor e a caricatura propriamente dita, isto é, caricatura pessoal (o Portrait in charge). p.26-28. É importante destacar que tal classificação é mais aceitável para atualidade e não para o período estudado, pois, muitas destas tipologias foram criadas posteriormente.

3

VELOZO, Mônica Pimenta, op. cit., p. 136.

4

Idem, p. 142

5

expressivos no mundo à nossa volta”. E essas “reações fisionômicas são o derradeiro recurso do arsenal do cartunista, o mais poderoso e também, talvez, o mais perigoso”.6

O bom exemplo disso é, segundo Gombrich, o Cartum publicado no Der Sturner, um pasquim do período nazista que fazia propagandas contra os judeus, explorando o mito da bela loura Siegfied (a luz) em detrimento dos monstros da escuridão, representados pelos judeus. 7

Considerando a caricatura como expressão fisionômica, abrem-se possibilidades de decodificar e de decifrar a pessoa e/ou fato retratado em suas contradições, entre o que aparenta e o que é interiormente. Esta dualidade humana, segundo Velloso, inscreve a caricatura no debate da modernidade.8

Desde o início dos anos trinta do século XIX, há uma proliferação de jornais, pasquins, folhas avulsas no Brasil, principalmente na Corte, que assumem um papel estratégico muito importante de formador de opinião nos conflitos políticos da Regência e, posteriormente, na Guerra do Paraguai.

Embora o texto humorístico já estivesse sendo utilizado por muitos periódicos como nova estratégia de narrativas e instrumento de disputas políticas partidárias, o desenho humorístico ainda se apresentava em tiragens limitadas, de tosca em pranchas avulsas, desvinculadas da imprensa.

A introdução de inovações técnicas na impressão, “chegadas ao Brasil em meados do século XIX, permitia o advento da gravura e, conseqüentemente, da caricatura na imprensa brasileira causando

6

GOMBRICH, E. H. O arsenal do cartunista, op.cit., p. 139.

7

Idem, p. 138-139.

8

influência9”.

Mas, é a imprensa, que já incorporava em suas colunas narrativas humorísticas com diferentes nuanças e enfoques, que, segundo Fonseca, se colocará como precursora “da caricatura, que somente apareceu quando as técnicas de gravação permitiram conjugar as palavras com a atração visual do desenho e da imagem”.10

As referências às primeiras caricaturas impressa no Brasil são atribuídas a Manuel de Araújo Porto Alegre em 1837 e se apresentavam no formato de estampas avulsas, conforme anúncio no Jornal do Comércio, nº 277, de 14 de dezembro de 1837:

Saiu à luz o primeiro número de uma NOVA INVENÇÃO ARTÍSTICA, gravada sobre magnífico papel, representando uma admirável cena brasileira, e vendida pelo módico preço de 160 réis cada número, na loja de livros e gravuras de Mongie, Rua do Ouvidor, n 87. A bela invenção de caricaturas tão apreciada na Europa, aparece hoje pela primeira vez no nosso país, e sem dúvida receberá do público aqueles sinais de estima que ele tribute às coisas úteis, necessárias e agradáveis. 11

Segundo Lima, foram duas caricaturas da litografia de Victor Larée, “Campainha e o Cujo” e “A Rocha Tarpéia”, ambas satirizando o importante jornalista e político da época, Justiniano José da Rocha. Estas “eram vendidas na forma de suplemento, independente da distribuição habitual do Jornal do Comércio”12.

9

FONSECA, Joaquim. A caricatura a imagem gráfica do humor, op-. cit., p. 209.

10

Idem, ibidem, p. 209.

11

LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil, Vol. 1, p. 71.

12

Figura 3.1 – A campainha e o cujo. Primeira caricatura brasileiura. Atribuída a Manuel

de Araújo Poro Alegre. Estampa da litografia de Victor Larée. Fonte: LIMA, Herman.

História da Caricatura no Brasil. V. 1. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1953, p. 73

Aos poucos, a caricatura ganha espaço na imprensa, e, em 1840, surge no Rio de Janeiro, Sganelo, uma folha teatral que passou a publicar caricaturas. Contudo, o uso de forma sistemática da caricatura na imprensa surge com a publicação de a Lanterna Mágica (1844 e 1845), também no Rio de Janeiro, com um curioso subtítulo, Plástico-Filosófica, dirigida por Manuel de Araújo Porto Alegre, tendo Lopes Cabral como desenhista e Rafael Mendes de Carvalho como pintor. 13

Na trilha destas publicações, surgiram outras similares que aprimoravam as técnicas de impressão e formatação do periódico. Como a Marmota

13

LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil, p. 90-91; FONSECA, Joaquim. p. 203 e 209; SODRÉ, Nelson Werneck . op. cit... P. 203

dirigida por Próspero Ribeiro e Francisco de Paula Brito, “que distribuía figurinos litografados em Paris”; a ilustração Brasileira (1854-1855); a publicação bilíngüe L’iride Italiana (1854-1855); O Brasil ilustrado (1855), considerado uma das publicações de caricatura com maior regularidade no período inserindo retratos, desenhos no corpo do texto, inédito para o momento, produzido Sebastien Auguste Sisson.14

Assim, a introdução das ilustrações nas suas mais variadas manifestações na imprensa alcança uma enorme amplitude na vida política, social e urbana do país. Mesmo ainda sendo publicada em formas de estampas, encartadas nos periódicos, produzidas em grande parte na Europa já que o Brasil dispunha de poucas litografias.

Contudo, o importante é destacar que a ilustração ganha vida própria, deixando de ser apêndice de periódicos convencionais para se tornar uma revista ilustrada propriamente dita. Ao surgir na Corte, a Semana ilustrada (1860-1876), editada por Henrique Fleuiss, quase toda litografada torna-se neste sentido pioneira do gênero.

Foram colaboradores importantes escritores e jornalistas da época como: “Machado de Assis, Quintino Bocaiúva, Pedro Luis, Joaquim Manuel de Macedo, Joaquim Nabuco, Bernardo Guimarães”15 entre outros.

Em certos momentos, Agostini retratou a vinda do editor da Semana Ilustrada, na figura de seu personagem Dr. Semana que aparecia nas primeiras paginas, tecendo comentários do momento. Agora viera prestigiar O Cabrião, mas o que podemos deduzir é que os leitores conheciam esta publicação e que

14

SODRÉ, Nelson Werneck. P. 203

15

Agostini aproveitava deste sucesso para prestigiar a mais nova publicação de caricatura paulistana.

Figura 3.2 – Dr. Semana visita São Paulo, Cabrião, nº 07, 11/11/1866, p. 01.

Na verdade, Fleuis abriu caminho para um gênero de publicações que encontrou um campo fértil na crítica política, social e também urbana. Na esteira da Semana Ilustrada aparecem outros periódicos como: o Charivari Nacional (1859), passando para Charivari (1862), Bazar Votante (1863-1867), O Arlequim (1868), a Vida Fluminense (1868-1876), O Mosquito (1869). 16

Juntamente com estes periódicos surge, também, uma geração pioneira na produção de desenhos humorísticos que utilizavam as técnicas da xilogravura e da litogravura predominantes ao longo do século XIX. Era composta por desenhistas como: Ângelo Agostini, o português Rafael Bordalo Pinheiro, Frederico Guilherme Briggs, Julião Felix Machado, Henrique Fleuiss,

16

Mendes de Almeida.17

A introdução da imagem como produto mais acabado da caricatura impressa em periódicos chegou efetivamente a São Paulo a partir de o Diabo Coxo. Antes desta publicação, apareceram dois periódicos, o Crepúsculo, 1851, e o Azorrague, 1858, com duas pequenas ilustrações.

A primeira, do jornal Crepúsculo, 1851, editado por Gastão Filho, simpático ao partido liberal e aos comerciantes, defendendo-os contra uma medida fixada pela Câmara Municipal, que impedia o comércio de abrir aos domingos. Com apenas um único exemplar identificado, chama a atenção o fato de o mesmo destinar uma seção de charadas e enigmas. Freitas afirma também que seria o primeiro jornal a inaugurar o “jornalismo indígena”18. Mas, infelizmente tal Informação não foi possível confirmar, devido à ausência de outros exemplares.

Neste jornal, uma xilogravura de autor desconhecido, “P. P”., propõe aos leitores decifrar um “enigma pitoresco”. Mais uma vez, esbarra-se na escassez de exemplares para um melhor entendimento. Neste caso, falta-nos a referência anterior, a proposta do enigma ao leitor. Mas, o que seria este enigma pitoresco? (figura 3.3)

É difícil decifrar, mesmo por que muitas vezes essas charadas estão inseridas num contexto social, de um lugar e de fato muito específico, em cumplicidade com o leitor. De qualquer forma, foi possível identificar três elementos importantes nesta ilustração: dois homens uniformizados, conduzindo uma escada. (Seriam construtores?). Um outro homem com foice de agricultor. (Um camponês, talvez). Em seguida duas figuras aladas,

17

FONSECA, Joaquim, op. cit., pp. 209-218.

18

(“anjos”). Um guardando caixas (chá), uma âncora. Talvez alguma simbologia relacionada ao comércio e, o outro, se curvando diante do outro “anjo”, grudando bandeiras, canhão e munição, algo com o poder militar.

Figura 3.3 – Desenho do enigma pitoresco, Crepúsculo, Ano 1, nº 12 23/10/1852,

p. 04

Seria o poder constituído na cidade? De alguma forma, estes três elementos, denominados “céu”, “terra” e “mar” que, segundo o enigma, “formam o mundo”, poderiam estar ligados à polêmica da abertura do comércio aos domingos, promovida pela Câmara Municipal, endossada pelo jornal Aurora Paulistana (a favor, ligado ao Partido Conservador) e condenado pelo Crepúsculo (ligado ao Partido Liberal).

Mas, o que chama a atenção é a introdução inédita da imagem, na imprensa, enquanto narrativa, sendo possivelmente uma tentativa de construção de um elo de comunicação com o leitor na forma de uma provável caricatura. Mesmo diante da dificuldade de reconhecer a semelhança e equivalência dentro desta composição, que hoje se coloca dessemelhante, por ser difícil de identificar o processo de deformação original e consequentemente

diante dos já constantes desafios.

No caso específico desta caricatura, o exercício de identificar semelhanças e equivalências a pessoas, grupos sociais, situações políticas revela-se um trabalho extremamente complexo. Mas, partindo do pressuposto que o humor e a caricatura trabalham com o instantâneo, e que os mesmos têm demonstrado na imprensa, mesmo neste momento, forte engajamento político-partidário, não poderíamos dissociar do misterioso “enigma” o assunto do momento: abertura do comércio aos domingos.

Ainda nesse período encontramos uma outra pequena ilustração no referido jornal Azorrague, 1858, que traz em seu cabeçalho dois chicotes cruzados, freqüentemente associados à simbologia do humor.

Na cidade de São Paulo, a repercussão e o fascínio pela imagem litográfica ficam efetivamente por conta da publicação do Diabo Coxo (1864- 1865), marco importante da história da imprensa caricata de São Paulo, ilustrada por Angelo Agostini (1843-1910), recém-chegado à cidade de São Paulo, 19

Segundo Cagnin o Diabo Coxo,

dava início a uma verdadeira militância na política brasileira, da qual não se afastou até o fim de seus dias, vergastando impiedosamente os homens públicos e a sociedade com suas corrosivas e irreverentes caricaturas, que até e então eram desconhecidas como arma de combate.20

19

Angelo Agostini. Nasceu em Vercelli, Piemonte, Itália em 1842 ou 1843-1910, pintor, ilustrador, caricaturista. É considerado um dos mais importantes ilustradores e caricaturista do século XIX no Brasil. Iniciou sua carreira em São Paulo com as publicações do Diabo Coxo (1864-1865) e do Cabrião (1866-1867). No Rio de Janeiro, fundou e participou de inúmeras publicações ilustradas como o Arlequim (1868), A Vida Fluminense (1869-1871), Mosquito (1867-1876),

Revista Ilustrada (1876-1888), Gazeta de Notícias (19004-1905), O Malho (1904-1907); 20

A importância do Diabo Coxo estaria não só pela introdução da imagem impressa em um periódico, mas pelo fato de os paulistanos encontrarem um espaço para se verem, falarem de si, de sua cidade em tempo real. A fotografia, como bem demonstra o jornal, entrava na vida das pessoas. Era também um acontecimento inédito para a cidade. Mas, de disseminação ainda limitada, cara e muito restrita. A caricatura por sua vez pega carona na imprensa que não pára de crescer, não é barata, mas tem um público bem maior.

O nome Diabo Coxo teria sido influenciado, segundo Cagnin, por

El Diablo Cojuelo, do escritor espanhol Luiz Velez de Guevara, lhe granjeou, logo ao ser publicado em 1641, um grande sucesso. Mais de um século depois, em 1772 Lesage repetiu-lhe a dose e o tom no romance com o mesmo título e assunto, Le Diable Boiteux. Era Asmodeu, o coxo, o pobre diabo que estava preso em uma garrafa. Libertado por um estudante, concedeu ao jovem o poder de ver, através dos tetos e das paredes das casas, o que se passava com as pessoas no seu interior. Era uma forma cômoda de retratar e satirizar, com espirituosidade, os costumes da sociedade. 21

Além desta influência do escritor espanhol, a invenção da litografia teria ajudado na difusão pelos periódicos ilustrados com a imagem do Diabo. Assim, é possível identificar dezenas de e publicações22 com este título e não seria de estranhar, como sugere Cagnin, que Agostini tenha sido tentado por um desses Diabos.

21

CAGNIN, Antonio Luiz. Diabo Coxo, o primeiro Jornal Ilustrado de São Paulo (1864-1894) In: D. O Leitura, São Paulo, 13(149), out. 1994, p. 3

22

CAGNIN, Antonio Luiz relacionou diversas publicações com o título aludindo à figura do Diabo, tais como: Le Diable Boiteux (Paris), El Diablo Suelto (Madri), El Diablo – Revista

Infernal (Madri), Le Diable à Paris (Paris), Diable Rose (Paris), Le Bom Diable (Paris), El Diablo Cojuelo (Madri), O Diabo Coxo (Lisboa), Trinta Diabos Junior (Lisboa) etc. (op. cit., pp. 14-15).

Estas influências ficam claramente expressas no cabeçalho de Diabo Coxo, no qual se vê o diabo sentado no alto da montanha, ao lado Agostini, apontando o horizonte, ou seja, a cidade de São Paulo.

Figura 3.4 – Cabeçalho do Diabo Coxo.

Neste caso, o Diabo oferece, ao que tudo indica, o poder de ver, de caricaturizar São Paulo para o recém-chegado Agostini, que aceita esta oferta. Pode-se pensar, também, no episódio bíblico da tentação de Cristo que, inversamente, não aceita a oferta do Diabo. Paradoxalmente, o Diabo, o anjo do mal, o rebelde foi tomado, segundo Cagnin, como agente moralizador, representado da figura de Agostini, que fazia críticas da sociedade e dos seus erros, por meio da caricatura e da escrita – ridendo castigat mores (rindo, castiga os costumes).23

Segundo Cagnin, o impacto da chegada do Diabo Coxo foi retratado por uma caricatura de Agostini, falando do

23

CAGNIN, Antonio Luiz. Diabo Coxo: o primeiro Jornal Ilustrado de São Paulo (1864-1894) In: D. O LEITURA, São Paulo, 13(149), out. 1994, p. 3; Segundo, MUCHEMBLED, Robert. Uma

História do Diabo, p. 257, na segunda metade do século XIX há pensadores que identificam

“Lúcifer como um libertador dos povos: “Deus é o Mal, Satã é o progresso, é a ciência”, proclama Calvinhac em 1877(...)”

alvoroço dos leitores diante da redação da Lithographia Allemã para adquirir o número inaugural naquele dia. Um sucesso! Um atropelo! Uma festa! Foi o diabo! O Diabo Coxo, como se chamava o pequeno jornal que movimentou a pequena pacata São Paulo de então.24

Figura 3.5 – A recepção que teve o Diabo Coxo, S1, nº 02, 1864, p. 01.

A partir do nascimento do Diabo Coxo, os jornais humorísticos assumem outras dimensões, inclusive identificando-se como “jornais domingueiros” buscando no cotidiano da cidade seu principal meio de atuação. Não é à toa que, no final da primeira série do conjunto de acontecimentos ocorridos (os “famosos de Piratininga”) na cidade, são conduzidos por um Diabo, que

24

“ornar as galerias de seu museu”.

Figura 3.6 – Colheita preciosa, DC, S1, nº 12, 1864, p. 04-05.

O fascínio pela imagem, trazido pela litografia, representava um avanço tecnológico muito importante para a imprensa paulistana e abria possibilidades de outras formas de comunicação: a caricatura.

Uma nova categoria de desenhista {surgia}, a do “repórter do lápis”, trazia para o leitor os fatos, as pessoas e coisas distantes no tempo e no espaço. Um milagre proporcionado pela litografia e pelo artista. A litografia democratizou a imagem. Divulgou, difundiu, popularizou. 25

Era uma arte lenta, difícil e muito trabalhosa: a arte do século XIX, da qual a imprensa e o humor rapidamente logo se apropria. Sobre esta técnica, Raul Pederneiras faz um curioso depoimento:

25

Todos eles, exímios no crayon litográfico, desenhavam diretamente sobre pesadas pedras, às avessas, para que, na impressão, o resultado aparecesse natural. Tal destreza, tal perícia adquiriam no manejo do lápis que, em poucas horas, davam conta de quatro grandes páginas de alentado formato, cuidadosamente estilizadas. (...) Com a tinta autográfica e a pena de irídio, o artista desenhava o seu trabalho sobre o papel especial, obedecendo ao tamanho exato que deveria ter o clichê, fosse ele de uma polegada. Uma prensa fazia o desenho aderir ao zinco, por um modo semelhante ao das decalcomanias, fixava-se o desenho ao calor do fogo com betume, e, em seguida, a chapa de metal entrava em banhos graduados de água-forte que, roendo o metal, deixavam em relevo os traços do desenho protegidos pela tinta betuminada.26

Entre os ilustres colaboradores do Diabo Coxo estava o abolicionista Luís Gonzaga Pinto Gama, conhecido por Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830- 1882) e Sinzenando Barreto Nabuco de Araújo (1842-1892), irmão de Joaquim Nabuco Agostini, além da colaboração marcante de Américo de Campos (1835-1890) e Bernardino de Campos (1841-1915)27. O jornal durou segundo Sodré,

26

SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit., p. 221.

27

Luís Gonzaga Pinto Gama –Nasceu em Salvador em 21 de junho de 1830 e faleceu em São Paulo em 24 de agosto de 1882. Era filho de uma africana, Luisa Mahin, e um branco da

sociedade baiana (jogador que o vendeu a mercadores de escravos, quando ele tinha 9 anos de idade). Nessa condição, foi levado ao Rio de Janeiro e depois para São Paulo, onde aos 17 anos de idade obteve alforria. Abolicionista e republicano, jornalista, soldado da Força Pública, copista, amanuense, escrivão de Polícia, advogado provisionado, poeta satírico e orador, fez da abolição da escravatura o principal objetivo da sua vida. Fundou o Centro Abolicionista e participou ativamente da organização do Partido Republicano de São Paulo. Colaborou nos jornais “Ipiranga” e “Radical Paulistano”. Publicou Primeiras Trovas Burlescas de Getulino. Dicionário de História do

Brasil. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1976. p. 259; Sinzenando Barreto Nabuco de Araújo.

Nasceu em Recife em 16 de julho de 1842 e faleceu no Rio de Janeiro em 11 de março de 1892. Filho do Conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo e D. Ana Benigna de Sá Barreto. Irmão de Joaquim Nabuco, escritor e político. Formou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo. Tinha

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 83-115)