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O HUMOR NOS PERIÓDICOS PAULISTAS

O surgimento de uma narrativa humorística confundi-se com a própria história da imprensa. Pelo que conseguimos apurar, a representação com humor é bem anterior ao surgimento da imprensa na cidade de São Paulo, pois os meios de divulgação das idéias e a construção de um público leitor, da chamada “opinião pública”, era extremamente limitado. No caso específico da cidade São Paulo, identifica-se as primeiras práticas humorísticas manuscritas afixadas em muros e postes da cidade, quase sempre fazendo severas críticas e ridicularizando as autoridades constituídas.

Na carência de meios regulares de publicidade, o pendor jornalístico dos paulistas manifestava-se, desde os tempos coloniais, erigidas praticamente em “Estátua de Pasquino”, e muitas vezes a população madrugadora lia com íntimo gáudio, desabafos ferinos e críticas amargas aos atos dos governantes e poderosos do momento, afixados pelo escuro das noites garoentas. 1

Eram os chamados pasquins,2 raramente estudados em São Paulo, mas que, nos poucos que se têm disponíveis, é possível constatar características na imprensa de uma maneira geral e, principalmente, nos jornais que se intitulam humorístico, satírico e de combate.

O primeiro episódio de que se tem notícia do alarde público causado por um pasquim, narrado por Afonso de Freitas, é o referente a uma carta de 3 de

1

FREITAS, Afonso A de. O primeiro centenário da fundação da imprensa paulista conferência realizada a 7 de setembro de 1927. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. São Paulo, v. 25, p. 08, 1927.

2

Pasquim: texto satírico colocado em local público; pasquinada; jornal ou folheto calunioso; pasquinada; jornal sem repercussão. Sem importância, ou mal redigido. HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2142.

julho de 1767 de Luiz Antonio de Sousa, em que certo capitão, que se dirigia ao Recolhimento de Santa Teresa para orações, se deparou com um impresso satírico, fixado à porta, acusando-o de “destruidor do povo”, “fidalgo de aldeia e de meia tigela”, ofensa grave para a época, recomendando ainda nada menos que a forca para o fidalgo governador. 3

Figura 2.1 – Pasquino, REZINI, Carlos. O jornalismo antes da tipografia, p. 113.

Não se sabe ao certo o desfecho deste episódio, mas, segundo relato de Freitas, o hábito de compor manifestos manuscritos ofensivos e satíricos era uma prática comum na cidade São Paulo de finais do século XVIII e início do XIX, principalmente na época da Independência, quando “as discussões, as sátiras em prosa e verso, os doestos, às vezes revestidos de espírito, quase sempre ferinamente grosseiros, fervilhavam nos pasquins multiplicados pelos muros da cidade e pelos umbrais dos templos”.4 Aliás, alusiva por Agostini, em caricatura no Diabo Coxo (figura 2.2).

3

FREITAS, Afonso A de. O primeiro centenário da fundação da imprensa.... op. cit., p. 08.

4

Figura 2.2 – Desenhos na parede, DC, S2, nº 07, 1865, p. 01

Dessas sátiras restam poucos originais pelo próprio caráter efêmero e momentâneo de sua existência. O arquivo de documentos históricos do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo possui dois exemplares raríssimos dessas sátiras, talvez únicas existentes, pois os padres Ildefonso Xavier Ferreira, Amaral Gurgel, Bazeiro, Paula Oliveira e o Cirugião-mór Candido Gomide são bastante ridicularizados em um português e latim ruim para os padrões acadêmicos, sugerindo a incorporação de um linguajar da oralidade, muito popular para a escrita 5 (figura 2.3)

5

Figura 2.3 – Documentos satíricos, FREITAS, Afonso A de. O primeiro

centenário da fundação imprensa...op. cit., p. 09-10

É esta experiência pasquinesca que informa e nutre a constituição da narrativa impressa de humor nas primeiras décadas e mesmo ao longo do século XIX. A esta experiência, somam-se as temáticas relativas aos conflitos políticos partidários do período da Abdicação de D. Pedro I, da Regência e dos primeiros anos do Segundo Reinado.

Portanto, como podemos constatar, não só na cidade de São Paulo como na Corte e nas demais províncias, a imprensa dinamizou e difundiu a proliferação dos pasquins. Basta ver a quantidade de jornais do gênero relacionados por Hélio Viana6, com destaque para os publicados na Corte.

Desta forma, a proposta de um estudo sistemático da produção periódica humorística em São Paulo e de como esta constrói um imaginário

6

Cf. VIANA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira (1812-1869). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.

pasquinesca como peça-chave na construção de uma narrativa humorística na imprensa e na constituição de uma imprensa que se auto-intitula humorística.

Na busca de pistas acerca deste precioso material, foram muito importantes as informações obtidas principalmente em Afonso de Freitas e Nelson Werneck Sodré, seguidos por Freitas Nobre, João Gualberto de Oliveira e, sobretudo, Délio Freire dos Santos, que possui um trabalho inédito relacionado à imprensa humorística, particularmente um estudo sobre o Cabrião, que virou o texto inicial da edição fac-similar do mesmo. 7

O estudo desta historiografia clássica sobre a imprensa apresentou um emaranhado de informações, um grande quebra-cabeça, mas possibilitou a identificação e a localização desses jornais. Percebe-se que, em sua maioria, tratam-se de trabalhos preocupados mais com a identificação e muitas descrições dos periódicos, passando ao largo com as análises sobre conteúdos, natureza editorial e outras dimensões. Alguns, como os de Afonso Freitas, considerado a “Bíblia da História da imprensa em São Paulo”, e o de Freitas Nobre, são quase catálogos. Entretanto, sem eles talvez não soubéssemos da existência e do desaparecimento de muitos periódicos. Uma vez que muitos títulos não são encontrados nos acervos paulistas. 8

7

NOBRE, Freitas. História da imprensa de São Paulo. São Paulo: Edição Leia, 1950; OLIVEIRA, João Gilberto de. Nascimento da imprensa paulista. São Paulo: s/e, 1978; SANTOS, Délio Freire dos. O cabrião e a imprensa humorística no império (Esboço histórico da caricatura e do jornalismo

humorístico). São Paulo: s/d, s/e, datilografado. Muitos desses autores têm pouco acrescentar à

obra de Freitas. Algumas vezes, trabalhos como o de Freitas Nobres vira uma versão simplificada da obra de Freitas com pequenos adendos de jornais do interior de São Paulo, não trabalhados por Afonso de Freitas. Não podemos esquecer que anterior a todos eles havia sido publicado por Lafaiete de Toledo um trabalho inédito sobre imprensa em São Paulo, RIHGSP, v. 03, p. 303; v.02, p. 425 e 540; da qual é frequentemente referenciado por Freitas, mas, muitas vezes colocado em dúvida suas informações.

8

Dentro dos autores mencionados que fariam parte da historiografia clássica, Nelson Werneck Sodré, foge a regra, uma vez que seu trabalho pioneiro sobre história da imprensa no Brasil se distancia da linha de catálogos comuns a outros autores e contém análises importantes sobre diferentes períodos da história brasileira colocando-se como um referencial quase obrigatório para quem deseja estudar a imprensa.

Com base nestas fontes e nos jornais propriamente ditos, pesquisados em acervos e coleções espalhadas de São Paulo e do Rio de Janeiro, foram identificados 27 títulos de periódicos considerados pela historiografia como sendo de humor entre 1839-1889, sendo oito ilustrados, com caricaturas, utilizando a técnica de litografia. Conforme pode ser observado no quadro abaixo: