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Os paulistas são captivo São captivo dos bahiano, Que d’elles podem dispô Como sinhô soberano!

Bahia é cidade Paulicéia e grota, Viva Montalegre

Morra Pattriota

Iôiô Barão é baino, É bahiano o Inspectô, É bahiano o Juiz do Civre, E até mesmo o Promotô

Bahia é cidade Paulicéia é grota, 21 O Tebyreça, ano 1, nº 19, 21/04/1842, p. 04. 22 Idem.

Viva Montalegre Morra Patriota.

Os acirramentos continuaram e só não foram adiante devido à Revolução Liberal que eclodira e ao fato de um de seus redatores, o Brigadeiro Tobias de Aguiar, ser seu principal líder. O jornal foi interrompido.

Em termos de conteúdo, as querelas políticas ainda estão muito presentes nestes jornais. Buscam-se, cada vez mais, novas estratégias de comunicação, nota-se a incorporação da fala caipira articulada à poesia e ao certo patriotismo paulista. Os textos passam a ser, ao que tudo indica, muito mais provocativos.

A investida da imprensa no humorismo como instrumento para criticar e satirizar, ridicularizando personalidades e/ou agremiações políticas, aparece também no jornal O Meteóro (1850-1852). O jornal surpreende pelo número de exemplares existentes, provavelmente um dos mais completos do gênero nesse momento. Era ligado ao Partido Liberal. Trazia a epígrafe,

Eu sou terrível trovão Sou corisco, sou fuzil, Correrei do Sul e do Norte Todo Império do Brasil.23

Segundo Freitas, era um “jornal mordaz e satírico” e sendo seu provável redator o deputado Paulo do Valle, que vivia trocando farpas com O Clarim de Saquarema, 1851, ligado ao Partido Conservador, responsável pela publicação, em 4 de março de 1851, de um verso satírico, aludindo seu nome:

Já não é Paulo da Valla Esse herói da propaganda

23

Que nasceu lá noutra banda.

O conteúdo de O Meteóro era predominantemente político e de ataque aos Saquaremas, utilizando uma linguagem humorística, em versos, como forma de comunicação e representação, conforme podemos observar nesta quadra satírica:

Publicação a pedido, Remessa ao Clarin n. 4

Eu sou terrível trovão Sou corisco, sou fuzil, Correrei do Sul e do Norte Todo Império do Brasil.

GLOZA

Infernal saquarema Gente vil que pisa o chão Não arrotes minhas iras Eu sou terrível trovão

Posso fazer-te em estilhas Inda que sejas cem mil Tenho o poder para tanto Sou corisco, sou fuzil.

Aos teus planos infernais Hei de dar horrível morte Para o que se for preciso Correrei do Sul ao Norte.

24

E pra de uma vez esmargar-te Reduzir-te a pó subtil

Acharás comigo unido Todo o Império do Brasil.25

Em outro momento, a utilização da fala caipira aparece mais uma vez como recurso lingüístico de caráter dialetal e humorístico. É interessante observar que a recorrência deste recurso, no período aqui estudado, é de certa forma inédita e desconhecida por estudiosos. Isto nos leva a refletir que este recurso não estaria restrito às publicações de autores regionalistas como Cornélio Pires 26 ou de autores que trabalhavam com o dialeto ítalo-paulista como Juó Bananére, ou ainda do personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato.

Na verdade, pensava-se que este recurso lingüístico estaria circunscrito a um período anterior ao Modernismo, ao que Leite denomina “surto regionalista”, que teve grande força em São Paulo, ao se aproveitar de uma atmosfera favorável a “uma espécie de nacionalismo cabloco, propiciada pela atuação literária e cultural de Cornélio Pires”.27

No entanto, esta expressão lingüística peculiar, construída a partir de um diálogo imaginário entre um escrivão e um caipira, que transpõe a oralidade para a escrita. Expressões de tipo homepatia = maphatia, nhá Pedroza, home, embruida de papeis, ora vou lhe contá, o tar-sinho, mecê senhô compadre,

25

O Meteoro, série II, 23/01/1851, nº 18

26

Leite identifica na produção literária de Cornélio Pires características que podem ser encontradas em maior ou menor escala na literatura regionalista paulista. Contudo, ela acredita que o conjunto da obra de Cornélio Pires, deva ser analisado ainda por questões mais abrangentes como: o “nacionalismo ufanista dos tempos de guerra e, no caso de São Paulo, ao pronunciado paulistismo que se propaga com o federalismo republicano, no discurso dos políticos, na imprensa local e também nas letras”. Aliado a isto, continua Leite, deve-se levar em conta, também o intenso processo de urbanização que a cidade de São Paulo vê acelerar- se desde o começo do século”(...).Cf. LEITE, Sylvia Helena Telarolli de Almeida. Chapéus de

palha, panamás, plumas, cartolas a caricatura na literatura paulista 1900-1920. São Paulo:

Editora Unesp, 1996, p. 141.

27

imprensa da época.

O diálogo abaixo reproduzido indica, em caipirês, que a posse de terra do caipira, no caso, estaria de alguma forma sendo ameaçada com a tal da fragaria (lei de terras?), promovida pelo governo naquele momento.

Conversa de um caipira e um escrivão da roça

Caipira: – Ora senhor compadre, estimo que esteja bom de saúde; então lhe vai?

Escrivão: – Assim assim compadre, anda meio levado da breca: mas tomei ontem uma casta de meisinha à que dão o nome de homopathias, e vamos a ver.

Caipira: – Ora compadre que diabo é essa mpatahia?

Escrivão: – Pois, o que é, é uns remédios que nem o diabo entende, que uza este barbudinho deste francez que mora ali detraz de nhá Pedroza.

Observem que todo diálogo é construído em torno de uma questão: a nova lei de terras, que o escrivão intitula de fragaria28, e como estaria a afetar os proprietários. E de como o caipira, que não tinha legalizado no papel, dava ao governo o direito de tomá-las.

28

Fragaria: fraguedo, fraga (s.f.) Fraga – rocha, escarpada, pedregulho, calhau grande (s.f.),CALDAS AULETE. Dicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 5. ed., Rio de Janeiro: Editora Delta, 1970. Vol. III, p. 1656; Fragária – s.f., do latim da fraga, orum, morangos. A planta que dá morangos, morangueiro. Frága – s.f., do latim fracta, desin. Fem. De fractus, a um, quebrado. O tosco e grosseiro da lenha que se desbasta.SILVA, Antonio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Typographia de Antonio José da Rocha, 1858. Tomo II, p. 63

Caipira: – Ora compadre não me falle desse coisa ruinsinho. Eu já sei o que é isso. Mas home cos dianho: é verdade que elle já deu lá para a comadre uma aguasinha que era para espinhela cahida, e na verdade, para que é que se hade dizer, a moda fica melhor. Mas compadre este Judas de meus peccados a modo que anda aqui caçoando có a gente. Home mecê entende dosta (desta?) embuiada de papeis, ora vou-lhe contá. Pois, não sabe? Vai honte o tar-sinho , e pega a me contá umas novidade do dianho. Eu não faço caso do que diz este farçóla. Mas pego a me dizê uma que nem pelo cem diabo. Pois não me quis fazê acreditá que tinha havido uma outra reforma nova lá do Rio de Janeiro ? Se for verdade o que elle conta estava perdido; e o mais é que logo fiz tenção de consultá a mecê senhô compadre. Contô-me por exempio que pela reforma, que o governo tomava todas as terra cá desta banda, que os dono dellas não tem papeis. Ora veja compadre, estou perdido; pois eu me jurgava um home assim arranjado; mecê bem sabe, tenho o sítio do Itaim, e a terra do tenente Luca que me deu por dívida, e afora isto, que de terra que não tenho lá onde fiz a minha posse com o compadre Marcelino no Tietê abaixo. Ora de tudo isto não tenho papé nem meio papé. Agora se vai de o governo tomá estou redado. Mas esta ladroeira acho impossive, o tal carcamano o que quer é fazê mofa.

Escrivão – Compadre, pois olhe é tal e quá; ainda honte estivemo conversando com o capitaço nho Chico e o padre Lourenço esteve lendo no jorná essa lei nova, da fragaria.

O caipira, portanto, tenta entender que lei é esta e atribui a autoria e a implantação aos cascudos, que atualmente estão no poder e nos quais sempre votou, mas que este jornal liberal combate:

Caipira – Oh compadre mas, que bandeira é esta. Isto de fragaria não lembra nem a um desastinado. Esta cascudada

mas agora fico desabutinado. Isto é uma ladroeira que só pelo diabo. Então todas as posse veia, todas esta propriedade sem pape não vale mais nada? Ora estô rodado.

O escrivão, por sua, vez tenta amenizar a situação e explica ao caipira:

Escrivão: – Socegue compadre. Ora sempre o diabo não é tão feio como se pinta. Esta lei, para dizê a verdade não me parece boa...

Caipira: – Qual bea, nem muito boa, pois compadre que desastinamento, home.

Escrivão: – Mas está bom, socegue: bem sabe... Olhe o que fô cá do cartório póde contá...

Caipira: – Ora quá cartório, isto não tem jeito. Para a semana queria fazê cazá minha filha Antoninha com o filho do tenente, e de dote dava um bom corte de terra no Itahim, mas agora ! Agora estou rodado.

Escrivão : – Socegue compadre. Ora sempre o diabo não é tão feio como se pinta. Esta lei, para dizê a verdade não me parece boa...

Caipira: – Qual bea, nem muito boa, pois compadre que desastinamento, home.

Escrivão: – Mas está bom, socegue: bem ssabe ... olhe o que fô cá do cartório póde contá...

Caipira:: Ora quá carttório, isto não tem jeito.. Para a semana queria fazê cazâ minha filha Antoninha com o filho do tenente, e

de dote dava um bom corte de terra no Itahim, mas agora! Agora estou rodado.

Escrivão: Mas compadre, agora me lembro de uma lembrança que acaba com o custo. Ora me diga, pois, quem hade executara a lei, são os cascudos, e não hão de bulir com gentes boa como V. Mce. , e lá dos farrapos que os leve a breca.

Caipira: – Está bom: isto me socega um pouco. Mas vai agora, e me diga, se entra um intruzo ...chii, nem Deus, e lá no Tietê abaixo que isso já me contarão que metem feito um esbuio dos demos; e agora posso pôr a demanda em cima dos taes?

Escrivão: – Homem essa! Isso está custoso. Na verdade que pela lei nova, V. Mce. Não tem papel, e não pòde usar da força nova, nem de acção nem uma.

O caipira está irritado com essa reforma e é aconselhado pelo escrivão a ignorar, mas que, se preciso, utilize a força para expulsar os intrusos.

Caipira: – E então, e então, ora leve o diabo a tal reforma dos meus peccados.

Escrivão: – Socegue homem: não faça caso, pregue uma roda de pão nos intrusos, ou então conte para o Nho Chico que os pegue para recruta.

Caipira: – Um... assim mesmo !....29

Mais uma vez este conjunto de expressões se revela como novas estratégias de comunicação incorporadas pela imprensa naquele momento, que Sodré sugere não ter encontrado.

29

adequada aos seus anseios, e a forma e a organização a isso necessária, derivam para a vala comum da injúria, da difamação, do insulto repetido. Não podiam fazer uso de outro processo porque não conheciam, não estavam em condições de utilizá-lo. 30

Isto porque, segundo ele, a realidade educacional rudimentar, uma “massa de analfabetos esmagadora” não tinha condições necessárias para o entendimento das questões públicas, “a única linguagem que todos compreendiam era a injúria”.31

Realmente, não havia uma linguagem precisa, mas havia estratégias de linguagens que buscavam, no interior dessa “massa de analfabetos“, elementos para construção de uma narrativa caipira, humorística, telegráfica, constituindo-se como novos canais de comunicação com os leitores e não poderíamos generalizar como Werneck o faz, jogando tudo na “vala comum da injúria, da difamação”.

Ora, em seus diálogos o caipira e o escrivão (e mesmo a quadrinha caipira de O Tebyreçá) se utilizam de expressões da oralidade transpostas para a escrita jornalística, compondo o que poderíamos chamar de uma linguagem caipira e o jornal acaba associando-a a grupos sociais menos favorecidos, recorrendo à estereotipagem da linguagem e tipos para criticar adversários políticos.

Talvez aqui tenhamos localizado o embrião desta estratégia de linguagem que, ao longo do século XIX e XX, ganharia outros contornos, passando por Agostini, Pedro Taques, Cornélio Pires, Juó Bananére,

30

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1999. p. 137.

31

Mazzaropi e tantos outros em forma de crônicas, versos, diálogos e principalmente, em formato de cartas fictícias.

Na busca dessas novas estratégias de linguagem, encontramos em O Meteóro um artigo sobre o governo provincial, representado na figura do então Conselheiro, Padre Vicente Pires da Mota, professor da Faculdade Direito de São Paulo, cuja administração foi alvo de freqüentes críticas e sátiras. Na releitura do Relatório feita para a Assembléia Provincial, no dia 15 de fevereiro de 1851, O Meteóro oferece ao leitor a sua versão dos fatos relatados. Observem estes trechos do relatório:

O Imperador e sua família estão bons.

O Império e as províncias estão em paz: só a Deus devemos estes benefícios (comentário do jornal: apoiado: porque o governo faz tudo quanto possível para causar a desordem e a anarquia)

A Divina justiça trouxe-nos a febre amarela. Deus queira que cesse de uma vez: ela só atacou o litoral desta província.

Iguape submergio-se: o Juquiá levou consigo habitações, lavouras, e gados: – só ficaram os homens (comentário do jornal: é a primeira vez que se ouve tal notícia: sabia-se que as sacas de arroz foram alagadas; mas que a inundação levasse as casas, e os gados só S. Ex. sabe.)

As estradas estão em péssimo estado, por causa da muita chuva (comentário do jornal: E principalmente por causa do abandono em que acham).

Ainda assim devemos dar graças a Deus porque morreu aqui menos gente da febre do que em outras partes, e tivemos muito mantimento. (comentário: Passa outra vez a febre amarela e conclui noticiando que apesar disso o ano foi abundante: que ordem eloqüente!). 32

32

elaborando um outro texto paralelo, contendo não as realizações, mas as omissões e a incompetência administrativa do mesmo.

Afora a disputa entre as duas agremiações políticas, nesta espécie de contra-relatório, percebemos que as rixas políticas e os rancores pessoais são atrelados a problemas sociais, de infra-estrutura da cidade e de outros municípios da Província. Estão em pauta discussões de problemas como a febre amarela, as condições das estradas da província, entre outros assuntos.

Na busca de novas narrativas, aos poucos emergem na imprensa outros temas como a cidade, a província de uma maneira geral, distanciando-se um pouco dos ataques e contra-ataques às personalidades políticos.

O Azorrague33 (1858), embora também não seja considerado de humor, teve muita importância para a época: trazia no cabeçalho a ilustração de dois chicotes (ou melhor dois azorragues), cruzados em sintonia com o título do jornal e duas epígrafes que, não por coincidência, mostram as duas linhas mestras do jornal:

Houve grande divergência Depois de séria disputa Fizeram grande questão Foi geral a aprovação Sobre o remédio que aos loucos – que o meio mais eficaz Voltar fizesse a razão. Era o de – fomentação. 34

33

Azorrague: látego formado por várias correias presas num cabo ou pau; açoite; padecimento

moral; punição, flagelo; Azorrogar: fustigar, açoitar com azorrague, HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. p. 363.

34

Figura 2.4 – Cabeçalho do jornal O Azorrague, 17/03/1858.

Não só este jornal tinha sido criado para combater os liberais, mas particularmente O Raio. Ambos, segundo Freitas, de “linguajem violenta e desabrida”35, tinham como prováveis redatores: Martim Francisco, Paulo do Valle e outros expoentes do Partido Liberal.

Utilizando-se do contra-discurso, como estratégia de linguagem, o jornal, por meio de seu redator, constrói uma versão irônica, satírica e escrachada do principal representante do Partido Liberal desse momento, Martim Francisco que assim o define:

Como fazeis parte importante da lista dos hieróglifos que queremos decifrar, ocupareis o primeiro lugar, mesmo por que se fordes decomposto com a aplicação de reagentes, dareis o seguinte resultado:

Matéria bruta 50 partes

Petulância 20 partes

Espírito (cognac) 20 partes

Estupidez supina 10 partes

Total 100 partes

Comecemos a vossa história, que é por demais interessante. Enlombrigada criança: – guloso comedor de sebo: – esfuracador

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armário: a dispensa do Tio Padre Patrício, foi por ele infinitas vezes saqueada. 36

Convidando o leitor a “decompor com reagentes” Martim Francisco Ribeiro de Andrade37, para ridicularizá-lo, traçando uma espécie de perfil biográfico às avessas, estratégia muito utilizada posteriormente nas revistas de humor.

Estranhamente, o periódico que ocupa boa parte de seu conteúdo em narrativas humorísticas, inclusive ilustrada com um símbolo do chicote, muitas vezes associado ao universo do humor, do riso, fica fora do rol dos jornais considerados humorísticos. E mais ainda, quando pensarmos na importância de seu redator: Pedro Taques de Almeida Alvim, um dos mais versáteis desse momento, por ter no seu currículo, entre outras qualidades, o talento e a veia humorística, presente nos muitos jornais de que foi fundador, proprietário, redator e colaborador.

Portanto, estas diferenciações e as conseqüentes exclusões de periódicos remetem a uma série de esteriótipos de época e assumidos, posteriormente, por estudiosos como Afonso de Freitas e Délio Freire dos Santos, por exemplo.

Sendo assim, é possível identificar certo desprezo desses intelectuais pela produção humorística que tivesse um caráter mais de combate político, como se fosse mais sarcástico, grotesco e difamatório, associando-o a uma linguagem mais combativa e aos pasquins. Isto os afastaria de um humor mais

36

O Azorrague, Ano 1, nº 01, 17/03/1858, p. 01.

37

Existem três Martim Francisco Ribeiro de Andrade: o primeiro irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, 25/06/1775-23/02/1844; segundo 01/06/1825-02/031886 e o terceiro 11/02/1853-20/04/1927; O jornal se refere provavelmente ao segundo.

refinado, sadio, civilizador e de uma produção incluída nos moldes estéticos consagrados pela literatura.38

Em uma sociedade extremamente hierarquizada, elitista, escravista e com espaços sociais bem demarcados, como a do Império, propícia a reforçar estereótipos, que tendem a classificar as práticas humorísticas na imprensa de forma maniqueísta: “sadio” e o “grosseiro”.

Neste trabalho, o contato com estas publicações demonstra que estas classificações tendem a criar uma espécie de “camisa de força” para as fontes, o que impede uma compreensão mais aprofundada da importância e da presença do humor na imprensa paulistana desse momento.

Na verdade, analisando esses periódicos denominados humorísticos do período em questão, pode-se verificar que, muitas vezes, torna-se improdutiva esta tentativa de classificação. A distinção estabelecida em certos momentos é tão tênue que nem podemos chamar de diferença.

Este é um período de gestação de uma imprensa propriamente dita de humor, mas não há nenhum jornal que verdadeiramente se assuma como sendo de humor e mesmo de outras tendências. Há em seus editais de abertura mais finalidades, compromissos que nem sempre estão tão claros; por isso, misturam-se e se confundem.

O que presenciamos é um determinado grupo de jornais que abrem mais ou menos espaços para a narrativa humorística, em que o “humor sadio” e o”grosseiro”, nem sempre estão separados, mas se misturam com a

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Na obra de CAMILO, Vagner. Risos entre pares poesia e humor romântico, o mesmo refere- se a escritores como, por exemplo, Bernardo Guimarães, que tem uma produção humorística significativa e pouco o valorizado no meio acadêmico. Só atualmente revisitado por Vagner e por Paulo Francheti. Vagner Camilo também discute como muito destes autores, advindos quase todos da Faculdade de Direito de São Paulo encontram na obra de Rabelais uma roupagem estética para sua produção humorística conhecida como bestialógicos e

pasquins. Como é o caso de O Pensador (1839) que conviveu com o que se convencionou chamar de textos “pornográficos” e com os textos leves e ingênuos.

Ou ainda o caso do jornal O Anhanguera (1869), cuja redação se localizava no inferno e cujo redator era Satanás, na verdade Candido Silva, cujo pseudônimo era Jará Hermingueiro. Para Freitas, “não passava de um quinzenário satírico e mordaz, escrito em linguagem violenta, que lhe dava o caráter de pasquim. Seguindo o mesmo raciocínio, Délio definia como um “desabusado”, que “destoa dos demais jornais humorístico”.39