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COMPONDO O JORNAL DE HUMOR

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 115-121)

O Diabo Coxo não se destacou apenas pela introdução da caricatura na imprensa paulista.No interior do periodismo paulista de então a publicação de Agostini inova tanto no que diz respeito aos conteúdos como as formas de contar, propondo uma nova forma de fazer jornalismo, mais descolada das querelas políticas e fundamentada no quotidiano urbano. Apresenta-se como um periódico essencialmente urbano, mais voltado para o cotidiano da cidade e, se pensarmos num contexto mais amplo da imprensa paulista, isto o coloca como pioneiro do gênero.

Desde seus primeiros números, a publicação consegue reunir uma série de temas, sentidos, personagens e narrativas, outrora dispersos em seções de diversos jornais e que ainda estavam sendo testados pelos diversos veículos impressos. A diferença agora é que um conjunto de temáticas e formas de abordagem encontram-se reunidas para compor o jornal, parecendo configurar um novo tipo de jornalismo: o jornal domingueiro e humorístico. Aliás, esta parece ser a diferença central e a grande novidade do Diabo Coxo, que se destaca na imprensa de um modo geral, porque já abria espaço em suas colunas para estas novas temáticas e narrativas.

Por ser um periódico voltado para as questões urbanas, nada melhor que as crônicas para falar sobre a cidade. Elas tinham um espaço privilegiado no jornal e geralmente estavam atreladas a um fato do momento, ocorrido durante a semana, quase sempre em sintonia com alguma caricatura de Agostini. Variavam de tamanho e de apresentação, pois às vezes vinham sob o título de “crônica”. Como esta falando sobre “Corridas da Luz”.

Poucas semanas têm sido como a passada – tão interessantes e cheias de casos. Assim vimos em primeiro lugar as Corridas que tiverão lugar na Luz, no 1º dia, e que parecerão sem graça, sem

carros e em alguns deles, algumas moças elegantes, ávidas de comoções, daquelas que fazem estremecer em Hayde-Parker as ricas ladies da Inglaterra, e no Prado do Rio de Janeiro, as poéticas fluminenses. As moças que foram à Luz, estavam frias, aborrecidas. Murchas, porque nada havia que as animasse, nada que lhes aferventasse o sangue; assim algumas, recostadas nas paredes das carruagens, olhavam tristes, melancolicamente o convento ou a correição e o sol que se escondia no horizonte, sem se importarem com as corridas, sem aqueles sustos, aqueles medos de ver cair um cavalheiro (...)1

Neste mesmo exemplar, Agostini publicou uma caricatura justamente ironizando este evento: “Era na luz – só apostavam com Luz – havendo pouca Luz”

Figura 4.1 – A corrida no Bairro da Luz, DC, S1, n. 06, p. 06.

1

Em muitos exemplares da primeira fase, diversas crônicas vinham assinadas por Cleofas, D. Pepito e outros pseudônimos.

A narrativa poética composta por sonetos, poesias, versos e pequenas quadrinhas era também amplamente utilizada pelo Diabo Coxo, principalmente na primeira série do jornal, em 1864, num tom prosaico, como esta narrativa de um estudante de Direito, que acabara de finalizar as provas e passearia em Campinas,

Vou e volto

Vou dar um giro, compadre, Vou passear a Campinas: Findaram-se as sabatinas, Meu purgatório moral. Também os pontos malditos. Fizeram ponto final:

Dei trinta e nove, compadre! Oh! Que algarismo fatal! 2

Havia ainda as garatujas, série de pequenos diálogos em forma de piadas, em tom ligeiro, que, por vezes, se utilizavam de trocadilhos. Como podemos verificar neste exemplo, assinado por “Lucas Ataíde”, provável pseudônimo.

GARATUJAS

– João vai lavar a cara. – Estou com preguiça, papá.

- Contra a preguiça diligência meu filho.

– A diligência do Sr. Graines, papá?

2

– Papá hoje eu faço anos. – Está bom, está bom.

– O papá, não me dá alguma coisa? – Eu dou-te um conselho.

– Um só.

– Pois queres mais?

– Custão tão baratos. O papá podia dar-me um saco deles.

– Papá, o galo pôs um ovo. – Não é possível.

– Pôs! Eu vi.

– Pois não vejas outra vez. – Porque, papá?

– Isso é uma aberração.

– Então o nosso galo está aberrado? – Sem dúvida.

– Ora essa. Inda bem que a gente não põe ovos. 3

As garatujas buscavam, também, no quotidiano urbano elementos para suas composições, como estas,

GARATUJAS

– Em que lugar de São Paulo há cardo só? – No Teatro São José!

– Por quê?

– Por causa do Cardoso.

– Para onde correm os ribeiros? – Para o mar.

– Então São Paulo é um mar? – Por quê?

– Porque o (Augusto Ribeiro) corre sempre para São Paulo.

3

– Por que gosta tanto de balão, minha senhora? – Porque arredondam mais a gente.

– Pois, minha senhora, se quiser eu posso arredondá-la. – Como?

– Mantendo-a numa pipa.4

No mesmo estilo ligeiro que as garatujas, o Diabo Coxo tinha uma seção denominada de “specimem”, com pequenos textos-piadas em forma de diálogos e comunicados como os que seguem:

Specimen de espírito de alguns literatos

Um sr. da rua: - Adeus, como estás? Um sr. à janela: - Em pé, e tu como vaes ? O sr. da rua: - Sobre minhas pernas.

A - Deixe-me, deixe-me... vou escovar o pêlo ! B – De quem Senhor?

A – De... de... de meu chapéu.

1 -O que trazes no pescoço ? 2- É a minha gravata.

1- Ora é tão imperceptível que parece um pensamento. 2- Pois bem amarra-me este pensamento.5

Specimen de ortografia

En concequencia de ter adoecido o Ator Cardoso o Espetáculo de hoje fica transferido para etc, etc.

Specimen de anúncios 4 Diabo Coxo, S1, n. 08, 1864. p.03. 5 Diabo Coxo, S1, nº 03, 1864, p.06.

Fábrica de Caruages de Julho Adão de Berlin. Faz-se concertos de relógios etc.

Cocheira e prontidão.

Esta seção, também, destacava e comentava fatos ocorridos durante a semana em frases soltas, telegráficas,

Specimens

- Verdade de um relatório:

Foi aberto no dia 04 de setembro e acha-se funcionando regularmente o Teatro São José por estar o interior convenientemente decorado e mobiliado

- Santa Simplicitas:

Perdeu-se a quantia de 200$000; gratifica-se, se o exigir, a pessoa que a tenha achado e queira restituir.

- Dístico de uma pipa d’água: AVON – AOCMEVMI.

- Tabuleta de uma venda no Pátio do Colégio: Trata-se da animais etc, etc.

- Na Rua de São Bento, loja:

Fulano de M. N. vende-se muito em conta.6

Por fim, o Diabo Coxo incorpora em suas colunas os chamados “anúncios”, que não eram necessariamente de caráter comercial de venda de um determinado produto. Mas era um espaço em que se desenvolvia uma nova forma de narrativa, divulgando um produto ou de um acontecimento, variando de uma peça teatral fictícia, às cenas urbanas, como um passeio pela rua a uma recompensa também fictícia.

6

Como já demonstramos anteriormente, este estilo de linguagem vinha sendo testado pela imprensa, considerada humorístico. Com o Diabo Coxo, porém, ela assume novos contornos e importância, pois passa a fazer parte de um conjunto de narrativas que se abastecem do viver urbano. Por exemplo, a polêmica introdução e consolidação da linha férrea em São Paulo, transformada em uma comédia teatral, ironizada neste “anúncio”

Anúncios Teatro

Espetáculo de grande gala

Depois que os professores da orquestra tiverem executado uma escolhida orventura {por ventura} subirá à cena pela primeira vez comédia em três atos:

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 115-121)