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CORREIO DE CAMPINAS

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 140-153)

Campinas, 16 de março.

Mr. Gregoire fez espécie em Campinas, e foi contente, cantando em prosa e verso o nosso delegado que desta vez deixou-o em paz vender as suas foias.

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Este (o amável delegado Pompeu!..) diz que fez a vista gorda, deixando-o vender as foias, porém que não consente mais a tal corneta, que lhe incomoda.

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O delegado anda mesmo muito nervoso, tanto que anda mesmo tomando choques elétricos na maquina do Dr. Cassino. 38

O Coaracy também investiu muito nos folhetins como gênero de narrativa. Durante sua fase humorística, o folhetim tinha características diferentes do que habitualmente estamos acostumados a ler. Era uma seção “aberta”, sujeita a improvisos de última hora. Poderíamos dizer que o Coaracy cria uma espécie de “folhetim crônica”, ocupando-se de assuntos corriqueiros, variados da semana, como neste trecho:

a cata de notícias...

A redação do Coaracy incumbiu-se de dar um passeio pela cidade, e tomar conhecimento do que ocorria de mais interessante. É o que a redação não tinha como diz o annexim, de louça neem um pires, quando a matéria com que encher o domingueiro. Cumpri o encargo e aqui venho dizer o como e o que achei para contar a ela.

Prestai-me atenção, tanta quanto vós permitem despender vossas variadas ocupações ou com a política, ou com a indústria, ou com os trabalhos domésticos, ou mesmo como nobre ofício de fiscalizar os atos alheios e dar o exercício a tesoura – bem entendido – para cortar a casaca do próximo.

A tarde estava de má catadura; chuvisqueiro impertinente e num “ram-ram” monótono; apesar disto o termômetro (centígrado) marcava 35 graus; as ruas luxuriosamente enlameadas e os transeuntes, poucos que se viam, ostentavam aspecto de contrariedade, assim a modo de anexos do jesuitismo depois que

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em levar a cena os lazaristas. Depois de chegar ao Páteo São Bento voltei à tipografia. 39

Mário

Por ser um espaço bastante flexível O Coaracy publicou também textos no formato de versos, alguns possivelmente escritos por Luiz Gama, falando cidade e de políticos da época .

Cantar eu venho, se ajudar me oestro, As farufas do rei, do povo o sestro, Lira não trago, nem viola ou cravo, Mas férreo berimbau zangado e bravo, Atende Oh povo, que galhardo ataco A obra imensa, que me sai do caco !

Oh musa do Canudo do jardim,

Das gramas, e degraus, que não tem fim, Dos repuxos da Ilha-dos-Amores,

Dos regos, dos quiosques e das flores, Vem inspirar-me um canto marvioso! E trazer-me as propinas do Trancoso!

Eu somenos não sou; sou jornalista, De esporas, de penacho, e rubra crista, Sou da Província o galo do terreiro, E o galo de pestana no poleiro; Se pisco os olhos, e se franzo o cílio, É tranzido de horror do gordo Abílio !

É figura ainda sou no Paulistano Depois de morta Roma inda romano;

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As bandeiras passei à mão alheia, E fui – ensaboar-me na Sereia; Mas de novo tornando ao velho posto Gerente e inda fiquei, por manha de gosto.

Aos domingos depois de ouvir a missa, De barrete e de espada de cortiça, Solto ao vento as perlengas do Diário, Por fé portanto, qual fiel notório, A histria do monarca Sebastião Depois que foi deposto o rei João.

E junto a mim não quero um só fiscal, Da Câmara gentil municipal;

A independência erguer pode o Portilho Um certo triunfal de canutilho;

E para saudar a festa do Ipiranga

Vão todos – dois a dois -, e vão de tanga! ...

G.P. 40

Desta forma, a maior parte das publicações de folhetim do Coaracy traz uma novidade em termos de conteúdo. Não são meras reproduções de obras literárias estrangeiras ou mesmo brasileiras. É uma produção do próprio periódico vinculada a fatos de momento. Estranhamente, quando o jornal deixou de ser humorístico e ilustrado, acaba com este estilo que ele mesmo criou e adotou modelos já consagrados pela imprensa em geral que, na maior parte das vezes, reproduzia e não criava.

Nota-se a secção “miscelânea”, que aparece em meados de 1875, semelhante ao folhetim, trata também de assuntos variados ocorridos durante a

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objetos achados na igreja da Sé.

Na sexta-feira à noite, depois da festa achou-se na igreja da Sé, e estão à disposição de suas respectivas donas os seguintes objetos:

01 par de calças muito largas em cima.

02 tornures (anquinhas) de lã,com armação quebrada. 01 dita de crina, já velha com franja e furada no centro. 2 saias de beata vermelha.

1 dita balão, com saquinho de virado de feijão, pregado a um dos arcos.

1 almanaque portátil, da Casa Garraux, com uma porção de cruzes, adiante do sábado de aleluia.

1 coque de pita, pregado a um chapéu à marinheiro.

1 papel com oração de São Gonçalo, para fazer a gente bonita. 1 para de botinas de menina de 15 anos.

Só serão entregues a quem der os sinais certos, e pagar as alvíssaras ao Coaracy.41

A partir do nº 64, 06/08/1876, o jornal assume outras feições e deixa de ser humorístico conforme comunicado aos leitores abaixo:

O Coaracy apresenta-se hoje em nova atitude. Até aqui ocupou- se especialmente de ocorrências, que se davam nesta cidade; criticou em estilo humorístico. (...) A missão do Coaracy é hoje mais elevada: ele tomará parte na discussão das grandes questões do dia e promoverá a vulgarização de conhecimento úteis como elemento de instrução popular.42

Conseqüentemente, o jornal assume uma feição muito semelhante a dos jornais diários. Das seções e dos espaços reservados à narrativa humorística,

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O Coaracy, n. 52, 17/04/1876, p. 01

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restou apenas a “miscelânea”. Não sabe o porquê desta mudança de estilo. O fato é que o jornal não sobreviveu mais que três meses.

Em 1876, surge também O Polichinelo, uma revista humorística e ilustrada redigida por Luiz Gama que também colaborava no Coaracy. Tinha como ilustrador o cenógrafo, litógrafo e caricaturista Nicolau Hauscar de Vergara. Nos primeiros dez exemplares da revista, consta no cabeçalho o nome de “P.P. Carneiro”. Para Camargo, seguramente seria um pseudônimo, mas difícil de decifrar. Poderia ser “o nome fictício adotado por Luiz Gama na nova empresa jornalística que assumia”. Ou de Pompílio de Albuquerque um nome muito associado às atividades de Gama.43

Diferentemente do Coaracy, a narrativa humorística do Polichinelo é mais uniforme, com poucas variações de seções e de gêneros de linguagens. Os espaços reservados à escrita são mais compartimentados, valorizando e destacando a publicação de caricaturas na capa, no meio da revista e na contracapa.

Os gêneros de linguagens adotados pela revista estão sintonizados com os ícones do “progresso material” no momento, ou seja, a ferrovia consolidada como meio de transporte rápido e eficiente, em franca expansão para o interior paulista, o telégrafo como meio de transmissão de mensagens, a introdução da primeira linha de bonde na cidade44, que aos poucos transformam a vida quotidiana das pessoas mudando hábitos, costumes. A própria noção de tempo e de velocidade também começa a ser sentida.

Embora pequenas, estas mudanças são rapidamente absolvidas pela imprensa e particularmente pelos humoristas sintonizados com este momento. O

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CAMARGO, Ana Maria, op. cit., p. 11.

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Em 02.10.1872 foi inaugurada a primeira linha de bonde entre o Largo do Carmo e a Estação da Estrada de Ferro Inglesa, pp. 82-83. AMARAL, Antonio Barreto do. Dicionário de História de

textos de cunho mais ligeiro, de captação e transmissão de mensagens telegráficas. Como estas publicadas na seção “telegramas” vindas normalmente de Campinas:

– O Diário [Diário de São Paulo] vai se liberal. Já preparou o terreno no intuito com que enfumaçou a Tribuna [Tribuna Liberal].

– A cidade está em alarma: todos hablan, todos gritan e ouve-se por entre murmúrios confuso das massas populares um som indefinido, vago, longínquo, um nome enfim. – O Oliveira!!!!

– Corre como certo que o Oliveira vai matar toda gente de Jaú.

– A gramática e a febre amarela estão na ordem do dia... Há médicos que dão bordoadas de cego em ambas.

– O Barcellos e o Pinheiro andam muito desgostosos com a política, depois da questão da gramática que os tem usar em bica.45

Esta integração entre interior e capital – reflexo imediato da expansão da ferrovia e do telegrafo – transparece nestas mensagens que vêm de Campinas. As críticas não ficam mais circunscritas à capital, o interior também é notícia. Além do que, as atuações políticas, alvo principal do Polichinelo, juntamente com os debates entre a imprensa e mesmo a assuntos relacionados à cidade, ganham dinamismo e códigos de linguagem que exprimem uma cumplicidade com o leitor, ou seja, é como se eles, por meio de elementos a priori conhecidos, já identificassem de quem é do que está se falando. É muito semelhante ao emissor e o receptor da mensagem telegráfica: ambos conhecem os códigos e depois traduzem para o público. A diferença é que entre humoristas e leitor não haveria esta “tradução”, ambos já sabem do que estão falando.

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Dentro deste estilo mais ligeiro, O Polichinelo abre uma seção “nomes e definições” que investe na composição de pequenos verbetes criando uma espécie de contra-definição bem humorada de personalidades e assuntos conhecidos entre seus leitores como:

Rafael: – Tenente Coronel Comandante de si.

Pimenta: – Expiatório arbusto da militância, que vegetava a

sombra do poder, sob os fendais auspícios de S. Vicente.

Imposto: – Meio de extorquir dinheiro dos laboriosos para

distribuir pelos vadios.

Bíblia: – livro muito citado por todos os padres; mas que bem

poucas lêem.

Advogado: – Pirata em seco; homem do pró e do contra;

qualquer das partes terá razão, com a simples condição de ser sua constituinte. 46

Uma outra seção que ganha agilidade com textos mais curtos e objetivos são as “correspondências”, presente em quase todos os jornais da época e trabalhadas sob formas diferentes, desde o tom mais sisudo e formal ao mais coloquial, informal e criativo, como as cartas do “Sr. Segismundo das Flores”, no Diário de São Paulo, simulando “um caipira” que se depara com uma cidade em transformação.

Despojada de formalismo habituais, destinatários, data, local, assinatura. O Polichinelo cria o “cavaco”, um espaço destinado a publicar correspondências recebidas pelo leitor que, na prática, não era bem assim. Esta seção se ocupava muito mais em comentar as cartas e fazer sugestões. Raras vezes o leitor sabia de sua integra, se é que ela existia de fato. Com nomes fictícios, como o “Sr. Olho vivo” ou o “Sr. Católico”, O Polichinelo utiliza-se de estratégias de

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uma prática cada vez mais usual na imprensa

Sr. Olho Vivo – Se pretende remido para seu mal dirija-se à

província de São Paulo; peça ao Dr. Américo de Campos que lhe empreste o companheiro; por que seguramente a sua pouca vista provém de falta de pestana.

Sr. Católico – Sentimos muito havemos desagrado a um varão

assim tão pio como o Sr. mostra ser mas em verdade não lhe julgamos com o direito de não querer que demos caricaturas com hábitos talares. Entretanto somos muito seus criados; e olhe homem, si o srs. Conserva os objetos de seu uso em tanto deaceio como o papel em que nos escreveu, morrerá em cheiro de santidade.

Durante seu curto período de existência, esta seção sofreu variações e algumas vezes limitou-se a agradecer o recebimento de publicações e a fazer comunicados de fatos ocorridos, como estes:

Ilustração do Brazil – Recebemos os ns. 06 e 07 deste

importante periódico

O Ganganelli – Recebemos o n. 01 deste periódico ilustrado que

apareceu na Corte. Felicitamos o novo campeão, a quem remetemos a nossa folha.

Homenagem – Em a página central damos hoje, como tributo de

homenagem a distintos talentos, os retratos do diretor e dos principais artistas da Phenix Dramática, que tantos e tão justos ecomios hão merecido dos beneméritos paulistas. 47

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O Polichinelo gostava também de “Piparotear”, ou seja, fazer pequenas “crônicas” de fatos ocorridos durante a semana, por exemplo alfinetando políticos com ironias como estas:

O Dr. Cardoso de Mello não votou nas eleições por dois motivos: Primeiro – Porque o Papa não quis.

Segundo: Porque o mesmo prometeu-lhe o lugar de Camarlengo no Vaticano do Largo da Cadeia.

O Américo Brasiliense tem um navio, que é a Província; este ( o dito navio) está carregado de cabos elétricos, que os Mouros solícitos vão sorrateiramente imergindo pela costa...

O conselheiro Martim já não come, nem dorme; está atacado de gastronomia nas pernas, e tem o motucontinuo (sic) nas mãos; anda desde manhã até a noite; e, para variar, escreve desde que anoitece ate amanhecer; perdeu a rotundidade do abdome; foi-se- lhe o apetite e até já não tem seios!48

Ou falando de fatos ocorridos na cidade:

Foi num dos dias da semana passada, mencionado em que todos os calendários; era pouco mais de meio dia, tinha chovido; e a Câmara municipal fora apanhada com a boca na botija, porque as ruas ostentavam, com orgulho monárquico, volumosos tapetes de excelente lama.49

Ou ainda falando do comportamento da imprensa:

Sabem a razão por que o Diário [Diário de São Paulo], folha do governo e conservadora, mostra propender, mais para o Correio (Correio Paulistano) do que parra Tribuna [Tribuna Liberal]?

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O Polichinelo, nº 29, 29/10/1876, p. 02.

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seguinte:

– É porque o Correio é adversário a quem “a gente pode estender a mão”?50

Versos satíricos também não faltavam nas páginas de O Polichinelo, eram uma presença constante, quase sempre sem autoria e marcados pela crítica política. Pela presença de Luiz Gama, na direção da revista, pela atuação no campo literário, já havia publicado as Primeiras trovas burlescas entre outros poemas é de se supor que esta produção literária fosse de sua autoria.

Miscelânea Política

(aos metros) Veio da Corte o Duarte Por mando de el-rei-Senhor, Aprestar o Baluarte

Do grêmio conservador. Sem arautos, nem trombetas, Sem tambores, sem vedetas, Incógnito aqui chegou, E o povo todo acordou!

– Ministro que basta, Ministro vedor, Ministro sem pasta, Ministro que espanta, Ministro que canta... Ministro de honor!... Chegou ridente o Duarte, É vindo o sol da harmonia; Já corre em toda cidade, Que vamos ter fanforria... Vem dar xeque nos marranos,

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Que atentaram contra a Lei, Iluminar os arcanos

Da flor da gente da grei. – chovem as flores Brincam os amores, Dançam nos prados Gentis pastores. Rufam pandeiros, Cantam guerreiros, Ouvem-se brados Mil prazenteiros. E ao som cadente Da caixa à frente, Cantam em coro: – Senhor chegou, “Balão queimou!!!51

Comparativamente, os dois periódicos - O Coaracy e O Polichinelo - guardam semelhanças editoriais, eram contemporâneos e muitos colaboradores transitavam nos dois periódicos. Entretanto, no aspecto gráfico eram bem diferentes. O Coaracy era um jornal com formato maior e disponibilidade de espaço para aplicar diversas formulas de linguagens. Esta parece ter sido sua opção em detrimento da caricatura que não foi uma experiência bem-sucedida.

Por sua vez, O Polichinelo era uma revista que privilegiou o desenho humorístico e centralizou sua escrita humorística acompanhando a rapidez e instantaneidade da linguagem visual. Grande parte de sua produção escrita era focalizada nos pequenos textos telegráficos amplamente utilizados pela revista. Entretanto, percebe-se uma maior independência da caricatura em relação à escrita registrada no Diabo Coxo e no Cabrião, além das influências dos novos artefatos tecnológicos, dos anúncios que impunham novos ritmos à cidade e se

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