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A CIDADE DOS HUMORISTAS

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 153-178)

Não sem razão, grande parte da historiografia sobre a cidade de São Paulo ao longo do século XIX é centrada nas narrativas construídas pelos viajantes estrangeiros que por aqui passaram, por artistas (pintores), fotógrafos como Augusto Militão de Azevedo, por escritores como Álvares de Azevedo e por inúmeras crônicas e desenhos humorísticos que começam a se intensificar a partir da década de 1850.

Sobre os viajantes, Odilon destaca que, só na primeira metade do século XIX, passaram pela Vila São Paulo, John Mawe (1808-1810), Spix Martius (1818), , Luis D’Alincourt (1818), Saint-Hilaire (1819-1822), Hercules Florence (1825) entre outros. Adentrando na segunda metade do século XIX, novamente a cidade recebe a visitas de viajantes estrangeiros. São eles: James C. Fletcher (1855), Robert Ave-Lallement (1858), Johnn Jaccob von Tchudi (1860), Agusto Emilio Zaluar (1860) , Frederico Houssay (1862), Afonso de Taunnay (1865), Willian Hadeefield (1868-1870), Charles d’ Ursel (1874), Carl von Koseritz (1883), Alfonso Lomonaco (1885-1887), Alfred Marc (1889) e Max Lederc (1890) entre outros.1

As descrições desses viajantes marcam os estudos históricos sobre o período. Percebe-se a preocupação em fornecer detalhes sobre as edificações publicas e privadas, as cores, o desenho das ruas, a tipologia da população, seus hábitos alimentares, vestimentas a economia.

Mas estas percepções não se limitavam às descrições. Muitos desses viajantes produziram, também, um rico material iconográfico sobre ruas, igrejas, edificações, paisagens naturais, tipos sociais, manifestações culturais.

1

MATOS, Odilon Nogueira de. A cidade de São Paulo no século XIX. In: ANDRADA E SILVA, Raul . MATOS, Odilon Nogueira. PETRONE, Pasquale. A evolução urbana de São Paulo. São Paulo: FFLCH/USP, 1955. Coleção da Revista de História. p.39 e 53-54

obter um olhar privilegiado da cidade.

No campo literário, deve-se destacar a importância da obra de Álvares de Azevedo no contexto das narrativas sobre a cidade, principalmente em suas cartas e em Noite da Taverna.

Para Morse, ninguém nesse período melhor que Álvares de Azevedo pertencia mental e emocionalmente à cidade. “Tinha mais, ele e seus companheiros – como a confirmarem o paradoxo de Wilde de que a natureza imita a arte – moldaram no sentido real, a cidade para que se confirmasse à imagem romântica que nela extraíram”.2 Em suas obras, cartas, versos, prosas, Morse, afirma que ele “projeta uma imagem física e principalmente espiritual do (sic) São Paulo do meio-século. Ele representa por assim dizer, um fotograma que aguça a vista para determinados contornos e sombreados” 3. Com freqüência, nota-se uma certa impaciência com o provincianismo paulistano e o tédio e a falta de que fazer na cidade.

Material só muito recentemente descoberto pelas pesquisas históricas, as imagens na imprensa periódica do período parecem também se constituir num universo pictórico importante sobre a cidade e o viver urbano na São Paulo do século XIX.

É nesse momento que a narrativa humorística e suas vertentes, como a ironia, o sarcasmo e, principalmente, a caricatura, se voltam para vida urbana, utilizando a imprensa como um espaço privilegiado para sua divulgação. Isto porque, como vimos, as práticas humorísticas na primeira metade o século XIX, na cidade de São Paulo, aparecem ocasionalmente em folhetos satíricos fixados em

2

MORSE, Richard. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. p. 121.

3

lugares públicos. Durante a Regência, estas narrativas aprecem na imprensa calcada e direcionada nas disputas política partidária em forma de pasquins.

A partir de 1850, os seus interlocutores e leitores descobrem no quotidiano da vida urbana temas conflitantes que se expressam por meio de novas formas de linguagem que transitam entre o formal e o informal (coloquial) e, por vezes, de maneira transgressora.

É nesse sentido, então, que o humor se coloca em uma dimensão privilegiada. Ao mesmo tempo em que ele abre novas possibilidades de ver e representar a cidade, desprovido de um caráter mais formal, “sério” e não tão circunscrito a uma elite letrada, ele, de certa forma, procura um novo público leitor, criando e/ou incorporando códigos de linguagem da cultura popular como fica nítido no personagem do “Sr.Segismundo” e mesmo certos aspectos no Diabo Coxo, Cabrião e outros jornais desse período.

Desde meados dos anos 50, a imprensa se desvencilhava das querelas políticas partidárias e buscando novas temáticas no viver urbano, no movimento das ruas e dos transeuntes, como novas fontes de narrativas, abrindo canais de comunicação com seus leitores.

A retórica da “defesa do povo”, presente em muitas “cartas” dos leitores, nas chamadas “reclamações”, indica o surgimento de uma nova cidade que emergia da riqueza do café, prometendo trazer melhorias materiais, juntamente com uma nova forma de fazer jornalismo, que, preocupado, politicamente com as questões urbanas, constitui-se numa linguagem mais ligeira, humorística, com caricaturas, que começa a ter aceitação.

A publicação de o Diabo Coxo (1864-1865) e do Cabrião (1866-1867), ambos de humor e com caricaturas que, por si só, representam um fato inédito para os paulistanos. Canalizam demandas sociais até então fragmentadas em

São Paulo (1865), O Liberal (1869), O Futuro 1863, A Época, 1863, entre outros.

A diferença estaria na expressão, na representação fisionômica, na proximidade que se tem das atividades sociais cotidianas do espaço urbano. O olhar de Agostini e de seus articulistas não é um olhar distante dos acontecimentos, como em Flaneurs, de Benjamin. É um olhar atuante que acompanha os transeuntes nos lugares públicos, dialogando com os mesmos e se solidarizando com suas reivindicações.

Esta relação de proximidade se traduz nas andanças “aleatórias” pelas ruas, becos, largos, várzeas (destaque para a Várzea do Carmo), compondo uma espécie de mapa visual da cidade. Lugares que muitas vezes estavam distanciados do convívio das famílias patriarcais (das elites paulistanas) e muitas vezes até esquecidos pelo poder público, clamando por melhorias e não podendo permanecer em uma cidade que dava sinais de esgotamento de seu modelo colonial. A cidade crescia e os problemas se tornavam mais perceptíveis no dia- a-dia das pessoas.

O estudo feito acerca dos caricaturistas concentra-se no núcleo urbano fundante da cidade, no planalto central, nas margens dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, mais precisamente na região da Sé, com algumas alusões ao que futuramente seria o bairro da Penha, devido à Festa de Nossa Senhora da Penha, muito popular na cidade e ao Cemitério da Consolação, que na época ficava distante do centro urbano.

É importante ressaltar que esses lugares constituem espaços físicos, em que antigos e novos personagens compõem um surpreendente cenário social, provocando muitas vezes choque de costumes, introduzindo ritmos diferentes e provocando diversas tensões sociais. Agostini percorre justamente lugares cujas

tensões socias no cotidiano estão latentes e incompatíveis para uma cidade que se queria moderna.

Assim, caminhando à noite pelas ruas da cidade, pouco iluminadas, poderia haver “maus encontros,” como sugere o desenho abaixo:

Figura 5.1 – Maus encontros nas ruas, DC, S1, nº 08, 1864, p. 04.

Mas, os perigos não se limitavam a estes ”maus encontros” noturnos. Durante o dia, era possível, também, se deparar com a passagem de tropeiros e com carros de boi que, ocasionalmente, poderiam provocar um choque. Deve-se ressaltar que os mesmos estavam nas ruas de São Paulo, compondo parte da paisagem urbana.

Figura 5.2 – Choque de cavalos e carros de boi, DC, S1, nº 11, 1864,

p. 04.

O assunto volta à tona em meio à neurose gerada pelo recrutamento de voluntários para a Guerra do Paraguai no governo de Tavares Bastos, o que deixa a cidade em pânico. Chegou-se, conforme sugere Agostini, a recrutar uma mulher, que deveria ser substituída pelos carros de boi que “escangalha-nos os ouvidos”.

Este barulho dos eixos móveis dos carros de boi que compunha, segundo o Cabrião, uma sinfonia, como um realejo orquestrado pelo “carreiro”. A Câmara havia proibido o transito de carros de boi que produzissem este incômodo barulho, mas a falta de fiscalização permitia a sua circulação normalmente.

Em um pequeno artigo, o Cabrião de certa forma compreende os argumentos dos carreiros que (...) “em massa, representaram contra a postura municipal que proíbe chio dos carros de eixo móvel: a razão que alegam contra o ato da ilustríssima, é não haver sabão ou graxa que chegue para untar todos os eixos. Os homens temem arruinar-se com semelhante postura.” Resta, então, para o Cabrião (...) “que a música continue para delícias de muitos ouvidos já desacostumados com a chiadeira.” 4

Figura 5.4 – Chiado do carro de boi, o Cabrião, nº 22, 03/03/1867, p. 176.

4

O problema da “chiadeira” dos carros de bois deve ser compreendido num contexto mais amplo das transformações urbanas operadas nesse momento e principalmente nas décadas seguintes.

Num momento em que a ferrovia, embora já inaugurada, causava incertezas quanto ao seu efetivo funcionamento, e o bonde não fazia parte do cenário urbano, os carros de bois e as mulas ocupavam este espaço, circulando livremente pelas ruas, largos, becos da cidade transportando lenha para residências e troncos para as serrarias. 5

O problema desses carros, presentes desde os tempos coloniais, não estaria somente na odiada chiadeira, mas no que este meio de transporte representava para os pedestres e para a elite paulistana, que viam no mesmo o símbolo do atraso. 6 Para uma cidade em transformação, este problema, assim como outros de infra-estrutura urbana, Agostini expõe as tensões e fisúras no cotidiano de uma cidade que se queria mais moderna.

Os perigos estão muito presentes nas ruas da cidade, e o Diabo Coxo os denomina “ratoeiras municipais” (Figura 5.5); espalhados pela cidade podem engolir um passeante na Rua Tabatinguera, como sugere o desenho abaixo.

5

Cf FREHSE, Fraya. O tempo das ruas na São Paulo de fins do Império, p. 121.

6

No trabalho de Fraya FREHSE, a questão dos carros de boi é trabalhada principalmente na década de 1870 e também 1880.

Figura 5.5 – Ratoeiras municipais, DC, S1, nº 09, 1864, p. 11

A presença e a circulação de animais pelas ruas de São Paulo ainda são colocadas como obstáculos provincianos para uma cidade que se urbaniza. A feição de vila tropeira parece ainda predominar na paisagem urbana, atrapalhando a passagem de pedestres e metaforicamente a sua modernização.

Nesse sentido, devemos ainda pensar que o gesto de obstruir a passagem nas ruas direciona a outras questões envolvendo a atividade secular dos tropeiros que, segundo Fraya, movimentava a economia local envolvidos no transporte de tropas e cargueiros, responsáveis pelo abastecimento de mercadorias no comércio local e dos ambulantes da cidade. Revelava com isto uma economia urbana fortemente vinculada ao mundo rural, 7 embora o advento da ferrovia impusesse uma concorrência ferrenha aos tropeiros, enfraquecendo-os, mas não os tirando de cena. Na verdade, deve-se acrescentar que não era só a economia calcada no mundo rural, mas uma sociedade rural e patriarcal que experimentava os primeiros sopros de modernidade.

Não só o aspecto rural chama a atenção de Agostini. O provincianismo, próprio de uma sociedade patriarcal, tantas vezes relatado pelos viajantes, é representado aqui por duas caricaturas. A primeira, de um provável tropeiro (ou viajante) que percorre o que seria “a rua mais movimentada “ da cidade, devido ao comércio ali sinalizado, próximo à rua São Bento, perto do conhecido Hotel Itália. Ocorre que o “freguesão” é literalmente arrancado do lombo do cavalo pelos comerciantes, forçando-o a entrar em seus estabelecimentos: “os secos e molhados” (Figura 5.7).

Na segunda, Agostini é mais emblemático, pois o provincianismo não se explica apenas por um comércio fraco, mas, também, por sujeitos sociais que compõem e dominam a paisagem urbana da cidade. “O que se vê mais em São Paulo”: padres, bacharéis, mulher de mantilha e animais soltos pela rua. Esta talvez fosse a melhor síntese da elite paulistana nesse período (Figura 5.8).

7

Figura 5.7 – O Freguesão, DC, S1, nº 10 p. 04, 1864.

Se as ruas estavam esburacadas e mal pavimentadas, de acordo com os tantos relatos feitos pelos viajantes, que consideravam como um grave problema, agora estavam sendo niveladas. Em tese tornar-se-ia mais cômodas aos pedestres. Mas, não é o que Agostini sugere.

Figura 5.9 – Ruas pavimentadas, DC, S1, nº 11, 1864, p. 05.

Para ele estas primeiras intervenções urbanas, que tendem a se acentuar no governo de João Teodoro Xavier Matos8 e nos governos posteriores, tentando suprir as demandas de infra-estrutura urbana, têm os primeiros impactos na vida das pessoas. Não só pelo que aparentemente representaria um “melhoramento urbano”, mas pelas conseqüências diretas no dia-a-dia dos cidadãos.

8

João Teodoro Xavier de Matos, nasceu em Mogi-Mirim (SP) em 01/05/1828 e faleceu na Capital

em 31/10/1878. Foi bacharel e professor da Faculdade de Direito. Era filiado ao Partido Conservador Ocupou diversos cargos públicos em São Paulo, sendo Presidente da Província entre 21/12/1872 a 30/05/1875. Durante a sua gestão, realizou inúmeras obras públicas que ajudou no embelezamento e no saneamento da Cidade de São Paulo, mudando sua fisionomia. Cf. AMARAL, Antonio Barreto do. Dicionário de história de São Paulo. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1980. Coleção Paulística V. XIX. p. 301.

Paradoxalmente, agora estes poderiam andar pelas ruas em segurança, mas também teriam dificuldades para entrar em sua própria casa.

Ou seja, parece que Agostini questionava o alcance desses “melhoramentos urbanos”, as ambigüidades da “modernidade”. Afinal, a quem estaria beneficiando?

Em um outro momento, esta discussão reaparece com o “sumiço” da Rua da Freira9. Desta vez, a mudança da nomenclatura, nesse momento alterada pela Câmara, 10 de trajetos e até a exclusão da mesma, estava sendo implementada como parte dos planos de melhorias urbanas. Isto teria provocado desencontros urbanos em uma cidade que se transformava cujos moradores não mais a reconheciam.

Figura 5.10 – Sumiço da rua, DC, S2, nº 06, 1865, p. 04

9

Atual Rua Senador Feijó, cf BRUNO, Ernani da silva. História e tradições da cidade de São Paulo, V. 1. São Paulo: Hucitec/Prefeitura do Município de São Paulo, Secretária Municipal de Cultura, 1984, p. 173;

10

atenção de nossos articuladores que fogem de barco pela Rua do Imperador, 11 totalmente alagada, sem a quem recorrer, senão à providência divina para não se afogarem.

Figura 5.11 – A enchente, Cabrião, nº 21, 24/02/1867, p. 161.

O problema de abastecimento de água sempre foi um problema crônico para a cidade e se agravava à medida que a população se tornava cada vez mais numerosa. A cidade colonial não dava conta das demandas sociais e urbanas.

Uma das portas de entrada da cidade, a Várzea do Carmo, era freqüentemente alvo de críticas dos caricaturistas, dos cronistas, dos leitores e da

11

Rua Marechal Deodoro, localizada nas proximidades do Largo de São Gonçalo (atual Praça João Mendes), onde foi edificado o Teatro São José que fora, afinal, inaugurado em 1864. O teatro, segundo Bruno, “ficava encaixado entre as ruas da Esperança e do Imperador (...), ocupando o lugar onde estão os fundos da catedral”. p. 870; Ambas desaparecidas com a ampliação do Largo da Sé, conforme BRUNO , Ernani da Silva. op. cit., p.1008-1011.

imprensa de um modo geral, devido ao estado insalubre em que se encontrava. O Rio Tietê, na “Várzea da ponte Grande”, era como bem observou Frehse, “lugares costumeiros de despejo dos materiais fecais e das águas produzidas no interior dos domicílios, oficinas e estabelecimentos comerciais da cidade”,12 onde também havia muitas lavadeiras, pastos de animais e muitas pessoas humildes.

Era considerado um lugar distante do centro da cidade. Eudes Campos afirma que a Várzea do Carmo, entre 1859-60, era um lugar cobiçado pelas autoridades paulistanas para tentar urbanizá-la. Objetivavam-se ruas urbanizadas e praças planejadas,

distribuir as datas de terras daquela região aos munícipes de maiores recursos para que construíssem casas de aluguel destinadas às camadas menos favorecidas. Ao mesmo tempo em que procuravam resolver um problema de falta de moradia, antevendo o aumento da população da cidade, causado pela construção da futura ferrovia de Santos-Jundiaí, aguardada desde 1856, os edis buscavam beneficiar, como sempre, os estratos dominantes, que teriam assim boas oportunidades de investir num negócio que pareceria ser bastante rendoso. Essas maquinações, entretanto, eram prematuras e a reação dos que queriam continuar a usufruir do logradouro foi suficiente para por tudo a perder. 13

Nos anos 60 e principalmente nos 70, estes problemas tomam uma envergadura e aumentam cada vez mais o número de reclamações à Câmara e à imprensa. E só efetivamente no governo de João Teodoro Xavier que há medidas para o saneamento do lugar insalubre e vulnerável às inundações. 14 Agostini, por

12

FREHSE, Fraya, op. cit., p. 103.

13

CAMPOS, Eudes. São Paulo desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império História da

Cidade São Paulo. Vol. 2 I. Império. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004. p. 204. 14

Segundo afirma Gomes, Alfredo. João Teodoro o mais original e fecundo presidente de São

Paulo. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1967, p. 119, “bastava as obras que se estão fazendo

na Várzea do Carmo para recomendar à gratidão da capital o nome prestigioso de S.Exa. De um bairro infecto e miasmático, fonte contínua de mortíferas epidemias (a Várzea do Carmo, o atual Parque D. Pedro II), fez o exmo. sr. Dr. presidente um ameno e lindo arrabalde, onde a população da cidade encontra hoje um aprazível passatempo.”

públicas e do agravamento do problema, ironizar o “belo quadro” que compunha a região da Várzea do Carmo, em 1864.

Figura 5.12 – Várzea do Carmo, DC, S1, N.09, 1864, p.04.

Posteriormente, a Várzea é vista sobre outro prisma, daqueles que estariam se beneficiando com a situação atual, em manter o logradouro do jeito que estava. “Os representantes da carniça”, urubus de fraques, provável alusão aos setores da elite paulistana que, de alguma forma, lucravam com isto, especuladores

Para Eudes Campos, São Paulo desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: História

da Cidade de São Paulo. A Cidade no Império 1823-1889, volume II, João Teodoro foi uma

personagem cheio de idiossincrasias, e sua gestão aguarda uma oportuna reavaliação (...) isolou- se em palácio e fez aplicar todos os recursos provinciais na Capital; fê-lo, entretanto, sem planejamento e “sem ouvir os homens profissionais”, conforme acusações da bancada liberal.” Foi um governo que embora tenha tido uma “visão de futuro burguês para capital, graças à riqueza do café, à introdução da ferrovia e à industrialização incipiente”, ele tinha uma concepção antiquada que valorizava” laços de amizade, patronato e familismo” e desvalorizava “a capacitação profissional de seus subordinados”. p. 215 e 218

imobiliários talvez que recorriam à Câmara (ao Paço) para agradecer a conservação dos monturos. 15

Figura 5.13 – Os representantes da carniça, Cabrião, nº 01, 30.09.1866, p. 08.

A Várzea também é vista, por Agostini, como um espaço público multifuncional em que coexistiam diversas atividades num mesmo espaço como: coleta de água, lavagem de roupas, depósitos de dejetos e a presença de urubus, rondando o lugar.

A água de Miguel Costa,16 a qual Agostini se refere é o principal reservatório de água da cidade, situado em uma várzea próxima à ponte, com o

15

MONTURO (que aparece na caricatura): monte de lixo, aglomeração de coisas velhas e descartadas; montoeira; lugar onde se deposita o lixo. HOUAISS, Antonio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 1957.

16

Segundo MATINS, Antonio Egydio. São Paulo Antigo, 1554-1910, “Dr. Miguel Carlos Ayres de

Carvalho exerceu, por nomeação do Capitão-general Marechal Frei José Raimundo Chinchorro da

Gama Lobo , Governador interino da Capitania de São Paulo (1786-1788), o cargo de procurador Real da mesma capitania, havendo este funcionário público residido na Rua Marechal, depois Constituição e hoje Florêncio de Abreu provindo daí, ao que parece o fato de haver sido dada à antiga ponte sobre o Rio Anhangabaú, e que na mesma Rua, até há poucos anos, existiu a denominação Ponte de Miguel Costa.” p. 164-165.

São Bento.

Figura 5.14 – As águas de Miguel Costa, Cabrião, nº 02, 07/10/1866, p. 13

Um outro sintoma deste esgotamento do modelo colonial era o que representavam os chafarizes, que compunham o sistema de abastecimento de água do centro. Situados em pontos estratégicos da cidade, geralmente nos largos, eram muito desejados pela população. Evitava-se fazer grandes trajetos fora do perímetro urbano ou ter que perfurar poços artesianos para se buscar água. Eram espaços de sociabilidade da população escrava e de pessoas humildes, que lá executavam serviços variados e abasteciam de água as residências.17

O primeiro e mais importante chafariz da cidade, segundo relatos de memorialistas, foi o do Largo da Misericórdia, construído em fins do século XVII, em meados dos anos de 1860, mas que, em função da estiagem que penalizava a cidade, encontrava-se seco. Diante deste fato, o “Moisés paulista”18 com uma vara

17

Segundo Alfredo Gomes, boa parte da água “vinha das nascentes do Anhangabaú ou do Tanque Reúno” e também do Reservatório de Água do Miguel Costa. p. 127.

18

“Moisés Paulista” refere-se a Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, Barão Homem de Melo, 30º Presidente da Província de São Paulo. “Em sua Província, merece-lhe especial atenção

No documento BRÁS CIRO GALLOTTA SÃO PAULO APRENDE A RIR (páginas 153-178)