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CARTA DE PRINCÍPIOS

No documento Indisciplina da arquitectura (páginas 72-81)

1.1 GEOGRAFIA CONCEPTUAL 1 CONTEXTO (DIA PRESENTE)

1.1.10 CARTA DE PRINCÍPIOS

Uma política progressista é uma política que reconhece as condições históricas e as regras específicas de uma prática, lá onde outras políticas só reconhecem necessidades ideais, determinações unívocas, ou o livre jogo das iniciativas individuais.157

O capítulo inaugural conclui-se pela fundamentação de um conjunto de princípios. É Italo Calvino que se refere ao “início do texto” como “separação da multiplicidade dos possíveis: o narrador afasta de si a multiplicidade das histórias possíveis, de modo a isolar e a tornar contável a história individual que decide contar (…) ”.158

Faz-se a separação entre múltiplos, para vincular o texto a uma moldura de significação. Porque se pretende “realizar uma operação que nos permita situar-nos neste mundo”, recolhe-se “uma soma de informações, de experiências, de valores” através de um filtro de espectro largo, que mostra “o mundo como memória individual e como potencialidade implícita”.159

A ideia de um “filtro de espectro largo” refere-se à amplitude suficiente para compreender as condições históricas e as regras específicas da prática política, de forma a “constituir” um plano de consenso para começar a imaginar (a arquitectura).

Donde, a partir das relações de exploração e redistribuição material descritas em capítulos anteriores, elegem-se duas possibilidades políticas

156 Roger Scruton, As Vantagens do Pessimismo, p. 157.

157 Michel Foucault, Arqueologia do Saber, p. 15.

158 Italo Calvino, Seis Propostas para o Próximo Milénio, p. 150.

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imagináveis, mas imiscíveis entre si. No primeiro cenário, os indivíduos socialmente organizados abdicariam formal ou tacitamente de participar na determinação política e como tal, ficariam sujeitos à arbitrariedade imposta do exterior. De acordo com as experiências liberais precedentes, isto traduz- se num acentuar de uma sociedade dual, onde a prosperidade dos vencedores tem como contraponto o enfraquecimento dos vencidos: isto passar-se-ia ao abrigo de mecanismos artificiais que acentuam a dominação, onde o capital tende a concentrar-se.160

Em sociedades não totalitárias, mas caracterizadas por um défice democrático, observa-se a consolidação de uma plutocracia, que não sendo sujeita a escrutínio público, incumbe na tarefa mais ou menos automática de perpetuar a geometria em que se baseia o próprio privilégio. O exercício da actividade política motivada pelo poder, para assegurar a sobrevivência em contextos desta natureza, tende a caucionar a gestação ou a agudização das diferenças entre os que podem e os que não sabem. Entretanto, na base da sociedade, condena-se o maior denominador comum ao servilismo.

Fig. 20 – Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias Terrenas, (Tríptico - óleo sobre madeira), 1508.

A segunda alternativa, oposta à anterior, implica os indivíduos constituintes da comunidade política com a responsabilidade pela sua autodeterminação. Por essa via universalizante, cabe promover – eventualmente, através da educação pública – o entendimento generalizado da política como “conjunto de processos em que a sociedade participa à medida que tenta determinar as suas crenças e os seus desejos, codificá-los em regras legais e discutir acerca do melhor modo de os atingir”.161

A

160 Cf. Thomas Piketty. Capital in the Twenty-First Century.

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valorização deste princípio descobre um conflito de interesses na interferência da determinante financeira transnacional sobre a soberania democrática: dependerá do nível de exigência da maioria dos constituintes da comunidade política fixar limites, a partir dos quais uma situação desta natureza resulta intolerável.

Se o poder representativo da democracia prevalecer, na perspectiva do interesse do maior número, o governo da cidade deverá ser reinvestido de um papel regulatório e redistributivo, capaz de garantir a coesão social. Apenas na perspectiva deste proveito mínimo comum, caberá interiorizar a influência da participação individual em contexto alargado: para o caso, aqui se decide sobre quem e sobre quantos se projecta a contracção regressiva, que sucede aos ciclos de euforia capitalista. Apenas ao abrigo da segunda alternativa, que carece de fundamento ideológico para construir a reflexão sobre o ensino e por isso, reclama uma excepcional amplitude referencial, vale a pena fixar uma escala e uma natureza para uma tal arquitectura de princípios.

A escala de referência primária a considerar para o suporte – a partir do qual se decide ancorar o enunciado proposto – precede a arte do desenho e tem origem no acordo magno que fixa as condições existenciais para os cidadãos de um país, aceites como património comum. Este pacto social, sedimentado a partir da compreensão dos avanços e recuos democráticos que caracterizaram a idade Moderna, apresenta-se em contexto doméstico positivado numa carta de princípios (o que não acontece em países onde é comum um direito consuetudinário):162 a carta denomina-se, localmente, Constituição da República Portuguesa e assume a forma de um articulado de lei, que se sobrepõe a qualquer lei particular. Na prática, implica que todas as decisões governativas e legislativas têm que ser promulgadas sem conflito com a dita Constituição.

Compreenda-se que os textos constitucionais, na forma aproximada ao presente, surgem no início da Idade Moderna,163

no século XVIII, em França e nos Estados Unidos e são a expressão normativa de um pacto social e político, que procura garantir dois valores fundamentais: a limitação do poder do Estado164

e a garantia da liberdade dos cidadãos. Para além das garantias que são seu apanágio – “tem por função regulamentar e delimitar o poder estatal, além de garantir os direitos considerados fundamentais” – compete-

162 Casos de alguns países anglo-saxónicos, onde a jurisprudência se baseia na construção histórica das

práticas e costumes de toda a população.

163 Esse sentido moderno de constituição exprime-se na ideia de consagração, por lei, de uma ordenação

sistemática e racional de toda a vida

164 Refere-se o “Estado” enquanto património comum, que resulta o exercício da soberania política

numa sociedade plural e politicamente activa, em conexão com as vicissitudes da sua matriz social. Uma tal figuração do Estado, resultante da democracia representativa, vem substituir a separação histórica anterior entre a Sociedade e o Estado, que se caracterizava pelo exercício unidireccional da soberania – de cima para baixo – e cuja legitimação tinha origem mítica ou simbólica.

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lhe uma função integradora primária, em ordem à construção da unidade política.

Esta unidade não existe enquanto pressuposto, mas resulta de um “sistema de valores político-jurídicos aceites na comunidade”.165

Um tal sistema de valores não constitui um ponto de partida fixo mas, assim como uma arquitectura deve conciliar naturezas divergentes, é fabricado a partir da multiplicidade e das diferenças que se manifestam no campo da actuação política.

As forças políticas, em tese diversas ou opostas, exprimem através do texto constitucional “uma pluralidade social de pontos de vista sobre o bem comum”.166

E nessa forma, pode afirmar-se a Constituição como “o estatuto jurídico fundamental da comunidade política enquanto recolhe valores fundamentais e aceites (…) e os converte em valores jurídicos fundamentais”.167

A arquitectura destes princípios – que expressam a supremacia material e formal sobre todas as outras normas jurídicas, e por isso são o garante fundamental da comunidade política – merece então o estatuto de enunciado radical, a base que prevalece para a elaboração de toda a obra posterior, que com maior propriedade se diga “de arquitectura” porque no seu desenho importam chão, parede ou tecto.

Relevam-se pois os artigos da Constituição que abrigam a linha argumental narrativa para o presente trabalho:

Artigo 21.º

(Direito de resistência)

Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

[O argumento da tese colhe neste artigo a sua inspiração conceptual.] Artigo 43.º

(Liberdade de aprender e ensinar)

1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar.

2. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

3. O ensino público não será confessional.

4. É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas.

165 Manuel Afonso Vaz, Teoria da Constituição; O que é a Constituição, hoje?, p. 44.

166 Id., ibid.

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[A relação do estado com a Universidade não é garantida para produzir os melhores servidores do estado, mas para fabricar a vantagem indirecta ao cultivar subjectividades. Trata-se de considerar a aquisição de conhecimentos como um processo, em que o sujeito aprende as regras do pensamento e não imaginar o ensino na universidade como retransmissor de um cumulativo de procedimentos, destinado a programar em humanos directrizes objectivas, conducentes à perpetuação de um estado dos assuntos.]

Artigo 48.º

(Participação na vida pública)

1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.

2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.

[Entende-se que a formação de supostos arquitectos deve ser precedida da formação de cidadãos, que enquanto tal estejam conscientes das circunstâncias que emolduram as suas possibilidades e possam ser críticos face à impostura de tudo quanto se apresenta como condição natural e imutável: habitamos um artifício – que como tal, resulta modificável por acção individual ou colectiva.]

Artigo 58.º

(Direito ao trabalho)

1. Todos têm direito ao trabalho.

2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) A execução de políticas de pleno emprego;

b) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.

[Este artigo refere-se à prossecução de políticas tendentes ao pleno emprego, uma vez que os mecanismos redistributivos da riqueza produzida – assim como a rede social de apoios – fundam-se no merecimento de uma salário, decorrente do factor trabalho. Este pressuposto ainda está profundamente enraizado na dicotomia marxista que se estabelece entre o trabalho e o capital, que mesmo é dizer, entre os serventes e os servidos.

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Acontece que, como alega Bertrand Russell em In Praise of Idleness, o desenvolvimento exponencial da tecnologia vem artificialmente libertar o homem de trabalhos. Segundo a sua perspectiva, em determinado ponto do itinerário de desenvolvimento dos países progressistas, haveria que desligar- se uma relação que é de natureza “religiosa e simbólica”, entre o trabalho e o mérito. Como aliás cabe observar a partir das condições presentes, que se apresentam comprometidas pela incapacidade económica de gerar o pleno emprego universal.

A tomada de consciência do problema, que coloca em xeque fundamentos religiosos e seculares que celebram a correspondência entre mérito e valor, e que como tal colidem com o modelo de organização social presente, deverá implicar uma enorme dificuldade de superação. Mesmo sem aludir a sistematizações mais radicais, alguns filósofos, políticos ou economistas que ainda operam conceptualmente dentro de uma concepção monetarista, como seria o caso de Philippe Van Parijs, conhecido proponente e defensor do rendimento mínimo obrigatório, arriscam-se a problematizar a questão latente. Segundo estes pensadores progressistas, não haverá alternativa a uma reorganização artificial mais igualitária do sistema de redistribuição de riqueza produzida, de maneira a que o produto da produção possa chegar de forma suficiente a todas as partes. Perguntar-se-á: “- Mas porquê convergir neste propósito, quando cada qual pode tentar resolver o seu particular problema)?” Ao que se diria: “Haverá alternativa, à coexistência comum?”168

À observação dos sinais estatísticos emanados pelas economias dos países democráticos ocidentais, que apontam para um descrédito crescente face à possibilidade redistributiva169

, corresponde também um agudizar da violência entre classes sociais, que a pós-modernidade havia admitido como fenómeno social superado. De qualquer maneira, e de acordo com o crescimento imparável da taxa de desemprego, em particular, o desemprego jovem, esta redefinição de princípios afigura-se incontornável, sob pena da dissolução radical do espaço comum, em vias de se tornar pouco mais do que um campo de batalha murado, onde os humanos se digladiam pelos bens e pelos recursos: a expressão de um regresso literal (selvagem) à natureza.]

Artigo 73.º

(Educação, cultura e ciência)

1. Todos têm direito à educação e à cultura.

2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do

168 Alberto Manguel, The City of Words, p. 2. Tradução nossa.

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espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.

3. O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais.

4. A criação e a investigação científicas, bem como a inovação tecnológica, são incentivadas e apoiadas pelo Estado, de forma a assegurar a respectiva liberdade e autonomia, o reforço da competitividade e a articulação entre as instituições científicas e as empresas.

[O ponto n.º 2 descrimina os fundamentos da coexistência pacífica e cooperativa para a vida em sociedade e que estão na base do desenvolvimento das sociedades democráticas do pós-guerra (WWII) – em particular aquelas que adoptaram o modelo (europeu) do “estado providência”. No que respeita à mecânica económica, remete-se um desenvolvimento acrescentado para o comentário ao artigo 80.º.]

Artigo 80.º

(Princípios fundamentais)

A organização económico-social assenta nos seguintes princípios: a) Subordinação do poder económico ao poder político democrático;

b) Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;

c) Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista;

d) Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo;

e) Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social; f) Protecção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;

g) Participação das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das actividades económicas na definição das principais medidas económicas e sociais.

[Interessa ressaltar neste artigo o pressuposto de que a organização económico-social do país se deve basear na “subordinação do poder económico ao poder político e democrático”. Para que assim seja e para que o poder público – que obedece a um sufrágio democrático – tenha sob tutela

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os instrumentos efectivos de controlo sobre o poder económico, que se admite tendencialmente livre, requer da parte do Estado (que para o efeito, responde pelo que é comum a todos os cidadãos do estado-nação),170

que não abdique da “propriedade pública de recursos naturais e meios de produção, de acordo com o interesse colectivo”. Esta ressalva resulta decisiva para a manutenção da soberania política, pois a omissão ou a demissão de controlo institucional e a alienação para o domínio privado de propriedade, bens, matérias-primas e a exploração de serviços que tenham implicação directa no exercício da liberdade pessoal, a pretexto de uma alegada busca de eficiência, tem como reverso um constrangimento da liberdade de todos, em função de beneficiários específicos.

Por outro lado, deve referir-se que a protecção da propriedade de interesse colectivo não invalida “a coexistência do sector público e privado”: ou seja, do articulado não se infere o julgamento moral negativo enunciado por Proudhon, de que “toda a propriedade é um roubo”. O princípio constitucional de uma “economia mista” pressupõe a impossibilidade de expropriação da propriedade do salário e do trabalho, mas também de outras formas de propriedade, acautelando-se para os indivíduos um espaço privado de "posse", que se subentende como garantia de liberdade e de controlo sobre a vida pessoal. “O caminho para a servidão começa no confisco da propriedade por via fiscal. (…) Perdida essa liberdade, o reino da necessidade torna-se despótico, sem serem precisas polícias políticas, porque basta a utilização de leis iníquas e de procedimentos autoritários para obter uma sociedade em que a liberdade é residual.”171

] Artigo 104.º

(Impostos)

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.

170 A frase"L'État, c'est moi" ("O Estado, sou eu"), é frequentemente atribuída a Luís XIV, apesar do

pressuposto não ser validado pelos historiadores. Ao contrário, terá declarado no seu leito de morte: "Je m'en vais, mais l'État demeurera toujours." ("Parto, mas o Estado permanecerá sempre.") Fonte: Wikipedia.

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[Interpreta-se do n.º 1 do artigo 104.º, que a sociedade exige ao estado o exercício do papel redistributivo no contexto dual de uma economia, que contempla não só a “organização dos meios de produção”, mas que inclui também “o mecanismo redistributivo da resultante de uma tal produção”. Esta redistribuição, ainda que contemple a “evolução das necessidades de desenvolvimento económico”, deve ser realizada no pressuposto de assegurar “a justiça social”, orientada no sentido da “igualdade entre os cidadãos”. Será ainda outra forma de dizer que os princípios constitutivos da sociedade presente apontam para uma diminuição da iniquidade estrutural ou circunstancial, que subjaz a um sistema de mercado tendencialmente livre.

No presente cenário de crise, a elite financeira dominante e os seus embaixadores políticos entreveem o pretexto suficiente para expurgar o texto constitucional da sua dimensão progressista e igualitária: a tentativa de desmontar a idealização utópica socialista (ou social-democrática) não é apresentada como escolha ideológica, mas como uma resposta meramente contingente ao contexto geopolítico e geoeconómico global. É através desta linha de argumentação que se naturalizam a subjugação aos mercados e o orto-liberalismo como condição inelutável, pois a premissa, enquanto expressão directa de um corpo ideológico – pese embora toda a intimidação e propaganda – não colhe o consentimento explícito da maioria. Na questão transparece, mais uma vez, a natureza ideológica do debate172

: é exemplar para reforçar a tese de que a neutralidade do pensamento técnico assenta numa falácia.

Argumenta-se, de forma comprometida com os princípios destacados, que a eventual revogação desse conteúdo constitucional, não só implica um empobrecimento conceptual para a imaginação, como pressupõe o retrocesso civilizacional efectivo. Por razão equivalente àquela que recusa o ensino da arquitectura circunscrito às razões do mercado, critica-se a perspectiva de subjugar à contingência e ao compromisso, o conjunto de direitos, liberdades e garantias expressos na actual constituição – ou que seja contrária ao seu espírito.]

Reitera-se que o objecto da tese nasce de um desassossego filosófico relativamente ao papel obscuro representado pelo arquitecto,173

enquanto

172 No livro Quem Paga o Estado Social em Portugal, que reúne estudos coordenados pela investigadora

do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, Raquel Varela, vem desmistificar-se como falsa a versão regurgitada pela retórica pseudoliberal, de que “o Estado que temos é demasiado caro”, ou que “constitui um peso para a economia e para as contas públicas”. Na conclusão, o estudo comprova “com números e factos que os trabalhadores portugueses contribuem para o Estado social o necessário para pagar a sua saúde, educação, bem-estar e infra-estruturas.”

173 Remetido a figurante tecnocrático, perfilado segundo os desígnios do poder e manietado nas suas

possibilidades de dignificar o respectivo entorno, pretende-se questionar essa condição de zeloso e inimputável funcionário, indiferente aos contextos mais kafkianos (as grandes linhas de força da narrativa de Kafka estão válidas: continuam a existir uma série de super estruturas visíveis ou invisíveis, dotados de poder sobre o livre arbítrio do indivíduo Vila-Matas). O funcionário arquitecto: Balzac.

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participante activo na transformação do mundo. Na ausência de

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