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Categoria (3.3) – Duplo papel do árbitro

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 155-159)

CAPÍTULO 3. CONSTRUÇÃO DA NORMA CONCRETA E SUAS PREMISSAS

3.4. Premissas de conteúdo

3.4.7. Categoria (3.3) – Duplo papel do árbitro

Tal como visto, salvo algumas exceções, o papel de árbitro é geralmente um entre outros desenvolvidos pelos profissionais atuantes nesse mercado491. Árbitros que compõem um painel podem ser – e geralmente são – advogados ou peritos perante outros, em prática que abre espaço para uma peculiar situação que pode, em casos especiais, ensejar a aparência de parcialidade. Isso porque, mesmo atuando perante litígios e partes distintas, o árbitro pode ser convocado a decidir sobre teses ou alegações de fato e de direito muitíssimo próximas àquelas que, na função de advogado, lhes são dadas defender ou atacar. Assim, entende-se que o profissional, como julgador, pode ser influenciado, ainda que de modo inconsciente, pelo quanto ele próprio defende no papel de advogado.

Conhecido é o caso UNCITRAL Telekom Malaysia v. Ghana, no qual o Estado impugnou o árbitro nomeado pelo investidor, Emmanuel Gaillard, no curso do procedimento arbitral, sem sucesso, sob a alegação de que ele estava, paralelamente, patrocinando procedimento de anulação de uma sentença proferida em processo arbitral ICSID no qual Gana se amparava para sustentar sua defesa. Levada a questão ao Poder Judiciário holandês (por ser a Haia a sede do procedimento arbitral), restou aplicado o art. 1033 do diploma processual civil holandês, o qual estabelece o afastamento do árbitro se houver dúvida justificada

490

Conforme o lúcido aviso: “It would be a shame to exclude from service those who really know something, leaving arbitration only to the ignorant.” WILLIAM W.PARK. Arbitrator integrity... op. cit., p. 644.

491 Essa pode ser uma realidade em processo de mudança. De fato, é possível perceber que alguns profissionais estão canalizando esforços no sentido de atuarem apenas como árbitro, tal como demonstra o folder do 8º Congresso Latinoamericano de Arbitraje, de 28 de abril a 1º de maio, no Peru, que conta com o patrocínio de profissionais (pessoas físicas) que se identificam como árbitros. Documento disponível no endereço eletrônico http://peruvianarbitration.org/2014/sponsors-plata/nacional-2/; consulta em 21.02.2014.

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sobre a sua imparcialidade, entendendo a Corte Distrital da Haia que, na função de advogado, Gaillard deveria se utilizar de todos os argumentos necessários contra a sentença ICSID que buscava anular, atitude incompatível com a postura de julgador, que deveria ser aberta e não enviesada no exame do caso. Assim, diante do conflito de interesses derivado do duplo papel ostentado pelo profissional (árbitro e advogado), a Corte Distrital concedeu-lhe dez dias para que ele decidisse se renunciaria ao papel de advogado, mantendo-se como árbitro, o que acabou ocorrendo492. Gana não se contentou com a decisão e apresentou novo pedido de afastamento do árbitro, sob a alegação de que a participação do árbitro nas ordens processuais anteriores à sua renúncia como advogado já demonstrariam seu entendimento contrário aos argumentos do Estado. A impugnação foi improvida, sob o entendimento de que os profissionais desempenham tanto o papel de árbitro como de advogados nas arbitragens internacionais, e isso torna comum que o árbitro tenha que decidir questão sobre a qual ele tenha, previamente, defendido um ponto de vista e que, salvo em circunstâncias excepcionais, não há razão para sustentar que o árbitro decidiria a questão com menos tendenciosidade nessa hipótese do que se jamais tivesse se posicionado sobre ela493.

No caso Glamis Gold v. The United States, procedimento arbitral conforme o Capítulo 11 do NAFTA, processado segundo as regras UNCITRAL, os Estados Unidos impugnaram o árbitro indicado pela Glamis (Donald L. Morgan) por ele, ao tempo da arbitragem, estar representando um cliente em recurso administrativo perante o Departamento do Interior dos Estados Unidos, relativamente a decisões que atingiam os direitos de mineração do particular. O árbitro, portanto, movia como advogado um procedimento que envolvia os interesses e direitos equivalentes aos discutidos no procedimento no qual figurava como árbitro. Mais: fazia-o contra uma das partes da arbitragem. A despeito da recusa inicial em se afastar, o árbitro renunciou ao encargo494.

492

Impugnação nº 13/2004. Decisão disponível no endereço eletrônico http://arbitration.org/sites/default/files/awards/arbr-2004-290-1.pdf; consulta em 21.02.2014.

493 Impugnação 17/2004. Decisão disponível no endereço eletrônico http://italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0922.pdf; consulta em 21.02.2014.

494

Informação sobre a renúncia obtida nas pp. 91-92 da sentença; em especial, na nota de rodapé nº 548. Disponível no endereço eletrônico http://www.state.gov/documents/organization/125798.pdf; consulta em 21.02.2014.

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Às vezes, mais que uma matéria comum, a atividade do árbitro como advogado em outro caso envolve também uma das partes do procedimento arbitral. Foi o que ocorreu no caso

Grand River v. US, procedimento arbitral conforme o tratado NAFTA, perante o ICSID e

segundo as regras UNCITRAL, no qual os Estados Unidos impugnaram, com fundamento nas IBA Guidelines, o árbitro James Anaya, que revelou supervisionar a elaboração de diversos trabalhos e informes relativos aos direitos humanos e liberdades dos povos indígenas, bem como representar e assistir à representação de alguns desses povos em questões levadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Comitê de Direitos Humanos Sobre a Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas contra atos governamentais, em especial da esfera federal dos Estados Unidos495. O Secretário-Geral do ICSID solicitou ao árbitro a informação se este continuaria a atuar como advogado antes de anunciar a sua decisão. Como Anaya informou que estava em processo de renúncia e interrupção de sua participação nos casos, mantendo apenas a orientação de estudantes como parte prática da sua atividade docente, o Secretário-Geral do ICSID julgou improvida a impugnação496.

É registrado caso CCI em que os requeridos (Estado e entidade estatal) impugnaram profissional que havia sido indicado como coárbitro porque ele estava atuando – em casos ainda em curso – contra eles. As partes defendidas pelo árbitro nesses outros casos atuavam no mesmo ramo de negócios que o requerente e a entidade estatal no processo para o qual foi nomeado. A CCI deu provimento à impugnação e afastou o árbitro497.

Houve caso em que não se tratou propriamente de um conflito cognitivo entre os papéis de árbitro e de advogado desenvolvidos pelo mesmo profissional, alegando-se que esse duplo papel ensejaria uma troca de favores. Trata-se do caso SGS v. Pakistan498, no qual o investidor impugnou o árbitro indicado pelo Paquistão (J. Christopher Thomas) porque ele,

495 Caso Grand River Enterprises, Six Nations Ltd. et al v. the United States of America, Respondent’s first submission challenging arbitrator Anaya; disponível no endereço eletrônico http://www.naftalaw.org/Disputes/USA/GrandRiver/GRE-USA-Anaya_Challenge-25-04-07.pdf; consulta em 21.02.2014.

496 Soliticação disponível no endereço eletrônico http://www.naftalaw.org/Disputes/USA/GrandRiver/GRE- USA-Anaya_Challenge-28-11-07.pdf; consulta em 21.02.2014.

497 A

NNE MARIE WHITESELL. Independence... op. cit., p. 30. 498

Caso SGS Société Générale de Surveillance S.A. v. Islamic Republic of Pakistan (ICSID Case No. ARB/01/13), referido por KAREL DAELE. Challenge… op. cit., pp. 291-292 e por SAMUEL ROSS LUTTRELL. Bias… op. cit., pp. 228-229.

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na qualidade de advogado em uma arbitragem não relacionada, havia obtido, três anos antes, uma sentença muito favorável de um tribunal que havia sido presidido por um dos advogados do Paquistão na arbitragem em curso, Jan Paulsson. O modo pelo qual o cliente de Thomas havia sido tratado poderia indicar, segundo a SGS, que o profissional agora retornaria o favor. Ademais, a indicação de Paulsson para outro painel ICSID no qual o escritório de advocacia de Thomas representava uma das partes reforçava a aparência de tendenciosidade e as dúvidas justificadas sobre a imparcialidade do árbitro. Os demais árbitros, ao decidirem a impugnação, apontaram que “[t]he party challenging an arbitrator

must establish facts, of a kind or character as reasonably to give rise to the inference that the person challenged clearly may not be relied upon to exercise independent judgment in the particular case where the challenge is made”, e que uma simples suposição ou

especulação não é suficiente para caracterizar, clara e objetivamente, a parcialidade do árbitro. Além disso, em relevante apontamento sobre a imparcialidade em comunidades arbitrais pequenas, os árbitros apontaram “[i]t is commonplace knowledge that in the

universe of international commercial arbitration, the community of active arbitrators and the community of active litigators are both small and that, not infrequently, the two communities may overlap, sequentially if not simultaneously. It is widely accepted that such an overlap is not, by itself, sufficient ground for disqualifying an arbitrator. Something more must be shown if a challenge is to succeed. In the instant case, that ‘something more’ has not been shown by the Claimant.” 499

A análise dos casos que compõem a categoria demonstra a necessidade de se ponderar as

particularidades de cada um, aferindo-se a proporcionalidade da identificação do evento

ou situação com a aparência de parcialidade e das respectivas consequências jurídicas de acordo com os seguintes critérios:

 semelhança entre a questão que o árbitro deve resolver com aquela sobre a qual, como advogado, deve tratar sob um ponto de vista, de modo que essa tomada de posição seja determinante para o acatamento ou afastamento de alegação produzida no processo arbitral no qual o árbitro deve decidir; e

499 Trechos transcritos por K

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 contemporaneidade do papel de árbitro e de advogado, afastando-se a aparência de parcialidade se o árbitro não estiver mais defendendo (por ter renunciado à função de advogado ou pelo fim da disputa) uma posição sobre a questão.

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 155-159)

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