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Tentativa de padronização via soft law: as IBA Guidelines on Conflicts of

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 55-59)

1.3. Tentativas de padronização da imparcialidade do árbitro

1.3.4. Tentativa de padronização via soft law: as IBA Guidelines on Conflicts of

Interest in International Arbitration

As International Bar Association Guidelines on Conflicts of Interest in International

Arbitration (IBA Guidelines) têm como objetivo orientar o exercício do dever de revelação

dos árbitros envolvidos em controvérsias de caráter internacional, individuando e clarificando os casos em que tal dever subsiste, e ensejando uniformidade de comportamento frente a situações similares, eliminando ou ao menos minimizando a disparidade de tratamento em eventos ligados à própria revelação, renúncia ao encargo e eventual impugnação.

As IBA Guidelines são resultado de mais de dois anos de pesquisa e desenvolvimento realizados por um Grupo de Trabalho composto de 19 membros nomeados pelo Committee

on Arbitration and ADR da IBA. Seu título original era Guidelines on Impartiality, Independence and Disclosure in International Commercial Arbitration e, como o próprio

nome sugeria, teria aplicação apenas no âmbito das arbitragens comerciais. No entanto, com a ampliação do escopo para qualquer tipo de arbitragem, as IBA Guidelines tiveram a denominação alterada para aquela ao final adotada182.

As IBA Guidelines não possuem eficácia jurídica vinculante para os ordenamentos nacionais, pondo-se, por isso, como corpo de regras que busca reconhecimento prático pela comunidade internacional. Nesse sentido, constitui uma soft law183, que não obstante o seu

182 Sobre o trabalho de preparação das IBA Guidelines, vide O

TO L.O DE WITT WIJNEN;NATHALIE VOSER;N. RAO. The background information on the IBA Guidelines on Conflicts of Interests in International Arbitration, in Business law international, v. 5, 2004, p. 433. Também sobre o tema, em análise de primeira- mão, vide PHILLIP LANDOLT. The IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration: an overview, in Journal of international arbitration, v. 22, 2005, p. 409-418.

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Sobre os três sentidos principais do termo “soft law” (instrumento de caráter não vinculante; disposições formuladas de modo amplo ou abstrato; e regras cujo cumprimento não é passível de ser imposto por mecanismos vinculantes ou compulsórios de resolução de disputas), bem como sobre as três “portas de entrada” da soft law no processo arbitral (ferramenta persuasiva e inspiração para a prática de atos processuais; ferramenta eleita a priori como guia ou orientação para a prática de atos processuais; e aplicação como regra legal vinculante e obrigatória), vide ANDRÉ DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD. A soft law na arbitragem internacional: a obtenção de provas. Tese apresentada como requisito para a obtenção do título de Doutor em Direito Processual na Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2013, pp. 13 e 29-34.

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caráter não vinculante, têm sido objeto de referência de diversos e importantes precedentes judiciais de vários países184.

As IBA Guidelines são compostas de duas partes: a primeira de caráter geral e abstrato (“Princípios Gerais relativos a Imparcialidade, Independência e Divulgação”), e a segunda de tipo casuístico (“Aplicação prática dos Princípios Gerais”, com as diferentes

Listas)185.

A primeira parte afirma que o árbitro deve ser e permanecer imparcial e independente, desde o momento da sua indicação até a prolação da sentença arbitral (Princípio Geral 1). Quando um árbitro tiver dúvida a respeito da sua própria capacidade de permanecer imparcial ou independente, deve recusar o encargo (Princípio Geral 2); o mesmo princípio se aplica na hipótese em que possam surgir dúvidas justificadas a esse respeito. O texto especifica que dúvidas justificadas existem quando uma pessoa razoável e informada chega à conclusão de que há a possibilidade de que o árbitro possa ter sua decisão influenciada por outros fatores que não o mérito da causa apresentado pelas partes (Princípio Geral

2(c))186.

O árbitro deve, também, informar as partes, o tribunal arbitral e a instituição que administra o procedimento sobre qualquer circunstância que possa ensejar questionamento a respeito da sua imparcialidade ou independência aos olhos das partes (Princípio Geral 3). Eventual dúvida do árbitro a respeito da necessidade da revelação deve ser resolvida no sentido de fazê-la, o que não representa admissão de incompatibilidade do árbitro. No entanto, se o árbitro, à luz dessas revelações, considerar que não pode cumprir com o seu dever de imparcialidade, deve renunciar ao encargo (Princípio Geral 3(b)).

184 Com referência detalhada a casos julgados entre 2004 e 2009, vide IBAC

ONFLICTS SUBCOMMITTEE. The IBA Guidelines of Conflicts of Interest in International Arbitration: The first five years 2004-2009, in Dispute resolution international, v. 4, n. 1, 2010, pp. 5-53.

185 O documento, em diferentes idiomas, pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.ibanet.org/ENews_Archive/IBA_July_2008_ENews_ArbitrationMultipleLang.aspx; consulta em 21.02.2014.

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No original em língua inglesa: “a reasonable and informed third party would reach the conclusion that there was likelihood that the arbitrator may be influenced by factors other than the merits of the case as presented by the parties in reaching his or her decison”.

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Com a eleição de padrões (denominados “Standards” na versão de língua inglesa e “Princípios Gerais” na versão em língua portuguesa), as IBA Guidelines buscam compreender a imparcialidade sobre diversos pontos de vista: subjetivamente pelo próprio árbitro, subjetivamente aos olhos das partes envolvidas, ou objetivamente por terceiro.

As IBA Guidelines também abrem espaço para a realidade em que é exercida a arbitragem internacional ao disporem sobre a relação entre árbitros e partes na perspectiva dos grandes grupos que operam na arbitragem internacional: as law firms (Princípio Geral 6(a)), os grupos de sociedades (Princípio Geral 6(b)) e as pessoas jurídicas (Princípio Geral 6.(c)).

Na defesa da tese de que é possível atingir-se maior consistência e menor quantidade de impugnações e renúncias de árbitros mediante detalhamento de casos específicos, o Grupo de Trabalho dotou as IBA Guidelines de uma segunda parte, nas quais são delineadas, de modo não exauriente e meramente exemplificativo, 49 circunstâncias concretas, divididas em 3 listas (denominadas “Application Lists” ou “Listas de Aplicação Prática”) nas cores vermelha, laranja e verde.

A Lista Vermelha inclui as situações que podem redundar em dúvidas justificadas a respeito da imparcialidade ou independência do árbitro e que, por isso, devem ser sempre reveladas. Dessas, quatro situações são irrenunciáveis (“Lista Vermelha não Renunciável”) e, portanto, a sua ocorrência deve ensejar a recusa do árbitro à nomeação. Isso se verifica quando: (i) existir identidade entre a parte e o árbitro; (ii) o árbitro for diretor de uma parte ou membro de um grupo de controle; (iii) o árbitro prestar assessoria regular à parte ou, ainda; (iv) houver interesse financeiro significativo do árbitro no êxito de uma das partes na disputa. A Lista Vermelha contém, além dos casos irrenunciáveis, um elenco de dezoito situações que, em abstrato, podem indicar parcialidade do árbitro, mas que podem ser objeto de renúncia das partes. É o caso, por exemplo, do árbitro que preventivamente elabora um parecer legal relativo a controvérsia, ou do árbitro que tem participação acionária em uma das partes, ou do árbitro que possua um familiar próximo com interesse no êxito de uma das partes, ou, ainda, quando tenha existido um contrato anterior entre o escritório do árbitro e uma das partes.

A Lista Laranja delineia um número de circunstâncias que podem levar a questionamentos sobre a imparcialidade aos olhos das partes e que, portanto, devem ser objeto de revelação.

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Constam, entre outros, os casos de nomeação repetida do árbitro pela mesma parte e de o árbitro ter desenvolvido a função de advogado contra uma das partes em uma questão não ligada ao objeto do processo arbitral. Há um limite temporal de três anos a partir do qual a situação deixa de ser importante, não precisando ser revelada. Em todos esses casos, considera-se que as partes aceitam o árbitro se, após a revelação, nenhuma delas apresentar impugnação tempestiva (trinta dias da revelação do árbitro ou de quando a parte toma conhecimento do motivo de um potencial conflito de interesse com o árbitro, conforme o

Princípio Geral 4(a)).

Há diferenças procedimentais entre os casos da Lista Vermelha Renunciável e da Lista Laranja: para a Lista Laranja é necessária uma renúncia explícita (Princípio Geral 4(c)), para a Lista Vermelha Renunciável, entretanto, é admissível uma renúncia tácita quando não apresentada impugnação.

A Lista Verde, por fim, contém 18 hipóteses nas quais não existe conflito verdadeiro de interesses nem aparência a esse respeito que sejam relevantes do ponto de vista objetivo ou subjetivo. Disso resulta que, nessas situações, não há para o árbitro qualquer dever de revelação. Dita lista inclui, por exemplo, a hipótese em que o árbitro já tenha dado opinião, em sede científica, sobre uma questão que também é objeto do processo arbitral, mas que não se referia ao caso em disputa; a hipótese de que um advogado do escritório do árbitro tenha atuado contra uma das partes ou coligada, sem o envolvimento do árbitro; a hipótese de o árbitro ter relação com outro árbitro ou com o advogado de uma das partes por pertencerem a uma mesma associação profissional ou a uma mesma organização social; ou ainda a hipótese de o árbitro e o advogado de uma parte ou o outro árbitro terem trabalhado no mesmo painel em um processo arbitral precedente.

Embora sejam ao mesmo tempo bastante amplas e muito precisas, e com isso tenham recebido grande aceitação nas mais diversas jurisdições187 188, as IBA Guidelines têm

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DAVID A.LAWSON. Impartiality and independence of international arbitrations. Commentary on the 2004 IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration, in ASA Bulletin, vol. 23, 2005, pp. 22 e 55. MARKHAM BALL. Probity deconstructed: how helpful, really, are the new International Bar Association Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration?, in Arbitration international, 2005, p. 323. 188

Contra, com a afirmação de que as IBA Guidelines apenas fornecem uma ampla plataforma para novas táticas de impugnação de árbitros, V.V.VEEDER. The English Arbitration Act 1996: its 10th and future

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sofrido críticas que envolvem: (i) a falta de sistematização conceitual da primeira189 e da segunda partes190; (ii) a orientação demasiadamente pró-árbitro (que se revela, entre outras circunstâncias, no item 2.1.1, que torna renunciável a impugnação do árbitro que já tenha dado parecer a uma das partes sobre o conflito submetido à arbitragem)191; ou (iii) o tratamento diferente conferido a situações praticamente idênticas (que sobressai no cotejo entre os itens 1.4 e 2.3.7; o primeiro, constante da Lista Vermelha não Renunciável, compreende a situação em que o árbitro tenha prestado ou preste a uma das partes serviços em troca de pagamento substancial, enquanto o segundo, constante da Lista Laranja, compreende situação idêntica, sem fazer menção a pagamento)192.

A despeito do auxílio das IBA Guidelines na tentativa de oferecer mais luz sobre o tema e harmonizar, na medida do possível, a interpretação a respeito do padrão de análise da imparcialidade dos árbitros, é invencível a afirmação de que o texto – justamente por buscar as linhas gerais teoricamente aceitáveis nos mais diversos ordenamentos jurídicos – não abre espaço para a expressão das diferentes experiências nacionais. As orientações do texto não podem, assim, ser seguidas sem séria ponderação a respeito de tais experiências que, conforme o caso, podem se revelar destoantes das orientações das IBA Guidelines193.

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 55-59)

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