• Nenhum resultado encontrado

Categoria (3.6) – Particularidades culturais ou cognitivas derivadas da história de vida do árbitro

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 169-172)

CAPÍTULO 3. CONSTRUÇÃO DA NORMA CONCRETA E SUAS PREMISSAS

3.4. Premissas de conteúdo

3.4.10. Categoria (3.6) – Particularidades culturais ou cognitivas derivadas da história de vida do árbitro

O presente estudo defende que não há julgador sem preconceito, pois esse conceito a

priori, derivado da experiência de vida do indivíduo, é condicionante do conhecimento e

do reconhecimento do mundo. O julgador, necessariamente, parte do seu inalienável ponto de vista ao entrar em contato com a narrativa de um conflito, e o faz à luz de tudo o que vivenciou e experimentou525.

É o preconceito que permite o entendimento da narrativa das partes, a sua apropriação e a sua avaliação pelo árbitro. Por essa razão, o presente estudo se afasta da concepção usual de parcialidade como exposição do árbitro a influências outras que não os argumentos expostos pelas partes e defende uma concepção que, reconhecendo que influências outras sempre existem – o indivíduo tem sua história e, por isso, suas preconcepções – identifica a imparcialidade como a abertura do árbitro à influência dos argumentos das partes expostos

170

no processo arbitral e, portanto, entende a parcialidade como a vedação do árbitro a essa influência. Este estudo parte da premissa de que reconhecer o árbitro como indivíduo exposto às influências derivadas da sua história é o passo fundamental para a conceituação – e operatividade – da imparcialidade que dele se requer.

Em raros casos, no entanto, a própria história de vida do árbitro ou atitudes que este tomou ensejam a aparência de que ele, enquanto julgador, está fechado à influência dos argumentos das partes. São casos pontuais, em que o preconceito relativamente ao assunto discutido é tão intenso que a aparência de vedação à influência é visível.

Essa influência não restou visível em caso CCI, no qual o requerido impugnou o árbitro presidente ao alegar, entre outros motivos, que ele não seria independente das partes porque residiu por longo tempo no país de domicílio do requerente, apesar de não possuir a respectiva nacionalidade. O árbitro, segundo o requerido, teria recebido educação, vivido e atuado no país por mais de doze anos, o que ensejaria uma “strong relationship” com o país que afetaria sua independência. A Corte da CCI afastou a impugnação526. Em outro caso, o presidente do tribunal arbitral foi impugnado pelo requerente sob a alegação de que não possuía “independence of mind” por ter escrito diversos artigos nos quais expressava opiniões políticas contra o país de nacionalidade do seu (do requerente) acionista, bem como opiniões políticas em favor de um dos requeridos, que era um Estado. Como os artigos não possuíam relação com a controvérsia submetida ao processo arbitral, a Corte da CCI também afastou a impugnação527.

Em caso LCIA528, no qual litigavam o Kuwait e uma parte ocidental, o árbitro único indicado pela instituição foi impugnado pela segunda por sua filiação cultural a uma das partes. O árbitro era especialista em leis árabes e islâmicas, o que, segundo o requerente, demonstrava “evident, longstanding and deep commitment to Arab studies and Arab

culture”, que poderia obstar a que o árbitro fosse imparcial. A impugnação foi afastada

pela LCIA pela inexistência de qualquer evidência de que a especialidade do árbitro e sua

526 A

NNE MARIE WHITESELL. Independence… op. cit., p. 30. Mais apontamentos sobre a nacionalidade são trazidos no capítulo 3.4.11 do presente estudo.

527 A

NNE MARIE WHITESELL. Independence… op. cit., p. 31. 528

Caso LCIA Reference No. 5660; decisão de 05.08.2005, referida por KAREL DAELE. Challenge… op. cit., p. 477.

171

exposição à cultura ou às leis árabe e islâmica o tornariam enviesado ou mais receptivo às alegações do Kuwait.

A identidade entre o preconceito do árbitro e o objeto da disputa (a ponto de aparentar a vedação à influência) foi reconhecida no caso Haworth v. Superior Court, no qual a Corte de Apelação da Califórnia manteve a decisão de invalidação da sentença arbitral, pela qual se decidiu um processo arbitral no qual se discutia erro médico supostamente cometido por Randal Hawort no curso de uma cirurgia facial estética a qual se submeteu Susan Ossakow. No processo arbitral, médico e paciente nomearam árbitros, sendo que Haworth propôs outros quatro nomes para a presidência do painel, entre eles um juiz aposentado da Corte Superior de Los Angeles, Norman Gordon, ao final aceito pelo advogado de Ossakow. Norman apresentou declaração na qual apenas afirmou que já havia se envolvido em processo com advogados do escritório que representava o médico. Em decisão majoritária, o tribunal entendeu que a paciente não havia provado a intervenção sem o seu consentimento e que a severidade dos sintomas não seria crível, ressaltando que a paciente havia incorrido em cinco cirurgias faciais estéticas e que, consoante o assistente técnico desta, “[o]ne thing probably everyone can agree upon, after five facial surgeries,

[Ossakow] could have done without a sixth one”. Depois de intimada da sentença

majoritária, a paciente descobriu que o árbitro presidente, quando ainda atuava como juiz, havia sido publicamente censurado pela Suprema Corte da Califórnia por fazer comentários sexuais explícitos, opiniões racistas e comentários desmerecedores sobre suas funcionárias (mulheres) e colegas, baseados em seus atributos físicos. A ação anulatória foi julgada procedente pela Corte Superior da Califórnia e a questão, via write of mandate, foi enviada à Corte de Apelação do Estado529 que, acatando a alegação da paciente de que a censura ao juiz revelaria sua tendenciosidade contra mulheres em função de seus atributos físicos, considerou que os fatos ensejariam dúvidas justificadas sobre a imparcialidade do árbitro e que deveriam ter sido revelados.

A discussão sobre a relação entre a imparcialidade do árbitro frente à sua experiência de vida e às suas preconcepções foi levada ao extremo no caso Rebmann v. Rohde, no qual a invalidade da sentença foi debatida perante a Corte de Apelação da Califórnia porque um

529

Caso Randal D. Haworth v. Superior Court of Los Angeles County, 235 P.3d 152 (Cal. 2010). Decisão disponível no endereço eletrônico http://caselaw.findlaw.com/ca-court-of-appeal/1123505.html; consulta em 21.02.2014.

172

dos requeridos na arbitragem, Peter Rohde, descobriu por pesquisas na internet que o árbitro, Stephen Haberfeld, nascido em 1994 e criado nos Estados Unidos, era filho de judeus alemães que abandonaram a Alemanha pouco antes da II Guerra Mundial, tendo perdido parentes e propriedades no Holocausto. O árbitro e seus pais eram membros do “1939 Club”, uma organização dedicada a evitar a repetição do Holocausto. O pai de Peter Rohde, por sua vez, havia lutado pela Alemanha na II Guerra Mundial, tendo Rohde deixado a Alemanha quando tinha dezoito anos. A mulher de Rohde, que não deu declarações no processo arbitral, informou que seu pai havia pertencido à SS. Rohde declarou que “[h]ad I known about his religious affiliation, his cultural affiliation, and the

dedication to keeping the memory of the Holocaust alive, I never would have allowed him to be the arbitrator in my case.” A Corte de Apelação da Califórnia530 entendeu, aplicando jurisprudência relativa à imparcialidade dos juízes, que tal como todos os seres humanos, os julgadores têm uma ampla variedade de experiências e backgrounds e, salvo talvez em excepcionais circunstâncias, aquelas não relacionadas com o caso ou com as partes não são suficientes para sua desqualificação. O processo arbitral envolvia questão comercial, não tinha qualquer relação com a II Guerra Mundial ou com o Holocausto, e nenhum fato foi apresentado que pudesse sugerir que o árbitro não fosse imparcial ou que ele tivesse o dever de revelar sua história pessoal ou afiliação com o 1939 Club, razão pela qual o pedido de anulação foi julgado improcedente.

A análise dos casos reunidos na categoria em questão demonstra que as particularidades culturais ou cognitivas do árbitro, para configurarem a aparência de parcialidade, devem ser reconhecidas pelo comportamento pretérito do julgador, ser determinantes para sua avaliação e devem envolver o objeto do litígio.

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 169-172)

Outline

Documentos relacionados