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Categoria (3.4) – Nomeações repetidas do árbitro

No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 159-164)

CAPÍTULO 3. CONSTRUÇÃO DA NORMA CONCRETA E SUAS PREMISSAS

3.4. Premissas de conteúdo

3.4.8. Categoria (3.4) – Nomeações repetidas do árbitro

A prática mais comum de composição dos tribunais arbitrais é a nomeação, pelas partes, de coárbitros, podendo estes últimos ou a instituição arbitral indicar o árbitro presidente. Assim, as partes tendem a escolher como julgadores aqueles que lhes parecerem reunir as melhores qualidades para a decisão do conflito, com a máxima possibilidade de que essa decisão seja proferida a seu favor. Essa busca pelo melhor árbitro ou pelo árbitro mais

adequado para o litígio pode ensejar a oportunidade de que litigantes frequentes

direcionem nomeações, em processoas arbitrais distintos, aos mesmos profissionais. Não se trata, aqui, de relação negocial, social ou institucional pretérita entre parte e árbitro; ao menos não relação independente e não derivada da nomeação do julgador, como árbitro, pela mesma parte, em outros processos arbitrais.

Essa nomeação repetitiva frequentemente traz considerações sobre (i) o incentivo econômico para o árbitro julgar favoravelmente à parte (ou advogado) que, reiteradamente contrata seus serviços e (ii) o número de nomeações que estabeleceria um efetivo relacionamento entre árbitro e parte que ultrapassasse o limite do tolerável e passasse a ensejar a aparência de parcialidade500.

A jurisprudência francesa registra casos em que esses questionamentos foram feitos, o que ensejaria, nos casos de nomeação repetitiva além do tolerável, a existência de courant

d’affaires entre árbitro e parte ou árbitro e advogado. Além dos casos Tecso v. Neoelectra Group501 e Somoclest v. DV Construction502, a França também registra o caso Frémarc v.

500 N

ATALIA GIRALDO-CARRILLO. The ‘repeat arbitrators’ issue: a subjective concept, in Revista colombiana de derecho internacional, 2011, pp. 87-91.

501 Para mais detalhes, vide p. 40 do presente estudo. 502 Para mais detalhes, vide p. 38 do presente estudo.

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ITM Entreprises503, no qual o requerido, um franqueador, havia nomeado o mesmo árbitro para diversos procedimentos em que litigou com distintos franqueados. O árbitro não revelou essa circunstância, levando a Corte de Cassação a anular a decisão da Corte de Apelação (a qual havia considerado que o tribunal tinha sido validamente constituído) e considerar que o árbitro não havia se desincumbido do seu dever de revelação504.

No caso Neaman v. Kaiser Foundation, a Corte de Apelação da Califórnia anulou sentença proferida em processo arbitral conforme o FAA porque o árbitro neutro, Ralph Drummond, não havia revelado que, após se aposentar da judicatura, passou cerca de trinta por cento de seu tempo com árbitro em casos que envolviam a Kaiser, sendo que, desse total, sessenta e cinco por cento do tempo foi despendido como árbitro nomeado por outros que não a Kaiser, trinta por cento como árbitro neutro e cinco por cento (cerca de cinco casos) como árbitro nomeado pela Kaiser, situação que apenas foi conhecida pela Neaman após a conclusão do processo arbitral. A Corte de Apelação considerou que “Drummond's prior

experience as a party arbitrator for Kaiser might create an impression of possible bias”,

razão pela qual anulou a sentença505.

Em mercados mais especializados, tais como os concernentes à lei marítima, comércio de

commodities ou arbitragem esportiva – onde o número de profissionais elegível é menor –

é mais comum e aceita a nomeação mais frequente dos mesmos profissionais para o encargo de árbitro506.

503

Caso Frémarc v. ITM Enterprises. Cour de Cassation, decisão de 0612.2001, in Revue de l´arbitrage, n. 4, 2003, pp.1231-1233.

504 De fato, a decisão não se pautou na nomeação repetitiva do árbitro, mas sim considerou a falta de revelação como causa per se de anulação da nomeação do árbitro, em entendimento que o presente estudo considera equivocado.

505 Caso Neaman v. Kaiser Foundation Hospital (1992) 9 Cal. App. 4th 1170 [11 Cal. Rptr. 2d 879]. Decisão disponível no endereço eletrônico http://law.justia.com/cases/california/caapp4th/9/1170.html; consulta em consulta em 21.02.2014.

506

HOUCHIH KUO. The issue of repeat arbitrators: is it a problem and how should the arbitration institutions respond?, in Contemporary Asia arbitration journal, n. 4, 2011, p. 253. Também as IBA Guidelines reconhecem, na nota de rodapé nº 6, que “[p]ode ser prática corrente em algumas espécies de arbitragem, tais como aquelas envolvendo commodities ou o setor marítimo, selecionar os árbitros a partir de um grupo restrito e especializado. Se, nessas áreas, o costume for o de as partes geralmente nomearem o mesmo árbitro para controvérsias distintas, a divulgação de tal fato não será necessária desde que todas as partes no procedimento arbitral estejam familiarizadas com tais usos e costumes”.

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Dada a importante participação do advogado ou do seu escritório na condução da arbitragem, a nomeação repetitiva se estende ao comportamento destes507. Foi o que ocorreu no caso ICSID, OPIC Karimum v. Venezuela508, em que o tema foi discutido. O requerente impugnou o árbitro nomeado pela Venezuela, Philippe Sands, diante do fato de ele ter sido nomeado cinco vezes em processos arbitrais ICSID nos últimos três anos, em processos arbitrais que envolviam a Venezuela ou o escritório que a patrocinava no procedimento arbitral em questão (Curtis Mallet-Prevost, Colt & Mosle LLP), o que ensejaria uma proximidade de conexão, intensidade e frequência de interações e grau de dependência material ou significativa, caracterizado pelo incentivo em continuar a proferir decisões favoráveis aos clientes do escritório que o nomeava e assim ser selecionado para futuras arbitragens. Os árbitros responsáveis pelo julgamento da impugnação consideraram que múltiplas nomeações “may lead to the conclusion that it is manifest that the arbitrator

cannot be relied upon to exercise independent judgment”. No entanto, considerando o

critério econômico, pelo qual “it is clear that Professor Sands has extensive independent

sources of income unrelated to the fees derived from his appointments as arbitrator”, a

impugnação foi afastada.

Raciocínio análogo foi formulado no caso Tidewater v. Venezuela, no qual a árbitra indicada pelo Estado, Brigitte Stern, foi impugnada com base na Seção 3.1.3 das IBA

Guidelines por ter sido indicada pela Venezuela em quatro procedimentos ICSID

pretéritos, sendo que em três deles o Estado era representado pelo mesmo escritório e, no quarto caso, pelo mesmo escritório que representava a Venezuela na arbitragem corrente, o que também autorizaria a impugnação com base na Seção 3.3.7 das IBA Guidelines. No curso do procedimento de impugnação, o investidor apresentou outro fundamento: o fato de que uma das arbitragens ICSID anteriores continha questão idêntica à levantada na arbitragem em questão, a saber, se a lei de investimento venezuelana expressaria o consentimento do Estado em se submeter a arbitragens ICSID. Outro fundamento para impugnação, ligado a não revelação das arbitragens anteriores pela árbitra, não vem ao caso. Os árbitros encarregados da decisão consideraram que, em princípio, nomeações repetidas pela mesma parte, em conflitos não relacionados, são neutras, pois “[r]epeat

507 F

ATIMA-ZAHRA SLAOUI. The rising issue of ‘repeat arbitrators’: a call for clarification, in Arbitration international, v. 25, n. 1, 2009, p. 109.

508

Caso OPIC Karimum Corporation v. Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No. ARB/10/14). Decision on the proposal to disqualify Prof. Philippe Sands, arbitrator, disponível no endereço eletrônico http://italaw.com/documents/OPICKarimumDisqualificationDecision.pdf; consulta em 21.02.2014.

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appointments may be as much the result of the arbitrator's independence and impartiality as an indication of justifiable doubts about it” 509. O que não pode ocorrer é a nomeação continuada e regular, que enseje relação de benefício econômica ou análoga. Mas, no caso em questão, as nomeações pretéritas da árbitra não dariam fundamento ao afastamento, pois em duas delas a árbitra havia dado decisões conjuntas nas quais foram rejeitadas alegações da Venezuela, o que indicaria a independência da árbitra.

A aparência de parcialidade pode surgir não apenas por nomeações feitas pela mesma parte, mas também por sociedades diferentes pertencentes a um mesmo grupo econômico. A SCC já decidiu caso em que o árbitro informou ter sido, no período de dois anos, nomeado oito vezes pela parte e seis vezes por sociedades que pertenciam ao mesmo grupo. Mesmo diante da negativa de existência de relação com o árbitro, feita pela parte, a SCC deu provimento à impugnação, comentando a doutrina que isso fora feito para deixar a impressão de que a instituição mantinha altos padrões éticos510.

Em caso CCI, o árbitro nomeado pelo requerido apresentou inicialmente declaração de independência, sem revelar qualquer informação importante. Após discussões com a Secretaria, o julgador apresentou nova declaração, desta vez fazendo constar que ele estava servindo como presidente do tribunal arbitral no qual o advogado do requerido funcionava como coárbitro. Todavia, o árbitro presidente não revelou que havia sido nomeado pelo mesmo advogado (e coárbitro no outro processo arbitral) em outros três processos arbitrais CCI no interregno de seis meses. O requerente se opôs à confirmação do árbitro, que não ocorreu511.

Em outro caso CCI, o árbitro nomeado pelo requerente informou que também atuava em outro processo arbitral não diretamente ligado, cujo proponente era sociedade integralmente detida pelo requerente. Informou que os dois processos arbitrais envolviam partes do mesmo país, que o tema da disputa era do mesmo tipo e que os requerentes em ambos eram representados pelo mesmo advogado. Havia risco de que o árbitro tivesse

509 Caso Tidewater Inc. v. The Bolivarian Republic of Venezuela (ICSID Case No ARB/10/5). Decision on claimants’ proposal to disqualify Professor Brigitte Stern, arbitrator, disponível no endereço eletrônico http://italaw.com/sites/default/files/case-documents/ita0860.pdf; consulta em 21.02.2014.

510 F

ATIMA-ZAHRA SALOUI. The rising… op. cit., p. 111. 511 A

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acesso à informação não disponível aos demais membros do tribunal arbitral. O requerente (que não estava participando ativamente da arbitragem) não apresentou objeção à confirmação, o que não impediu a CCI de não confirmar a nomeação512.

As IBA Guidelines abordam a categoria ora tratada na Lista Laranja, considerando as hipóteses em que o árbitro: (i) foi nomeado, nos três anos anteriores, para exercer a mesma função em duas ou mais ocasiões, por uma das partes ou por coligada513; (ii) atua ao tempo do processo arbitral, ou atuou nos três anos anteriores, como árbitro em outro processo arbitral em assunto relacionado que envolve uma das partes ou sua coligada514; e (ii) foi o destinatário, nos três últimos anos, de mais de três nomeações pelo mesmo consultor jurídico ou pelo mesmo escritório de advocacia515.

A análise dos casos concretos demonstram que a aparência de parcialidade está geralmente ligada aos seguintes critérios:

 histórico de nomeações do árbitro pela parte ou pelo advogado (ou seu escritório) em um dado intervalo de tempo;

 proximidade, no tempo, dessas nomeações em relação ao processo arbitral em curso;

 representatividade econômica da remuneração total obtida pelo árbitro nos casos em que foi nomeado; e

 se houver, a existência de decisões favoráveis à parte ou ao advogado que recorrentemente o nomeou.

512 A

NNE MARIE WHITESELL. Independence... op. cit., p. 22. 513

Seção 3.1.3. 514 Seção 3.1.5. 515 Seção 3.3.7.

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No documento Imparcialidade dos árbitros (páginas 159-164)

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